(Por Arnaldo Silva) Imagine você chegando num lugar que lembra as pequenas aldeias portuguesas. Nas casas, a única segurança são os trincos e tramelas. Não tem muros, o casario é rente ao passeio e nas ruas não tem asfalto, são calçadas com pedra. Nesse lugar, ouve-se o som do silêncio, quebrado apenas pelo barulho dos pássaros e pelo borbulhar dos doces feitos nos tachos de cobre. Em cada casa, os tachos de doces estão presentes. Lugar onde o povo cultiva uma simplicidade encantadora, recebem os visitantes com sorrisos e uma boa prosa mineira, como se já te conhecesse há tempos.
Difícil imaginar um lugar assim hoje, mas ele existe. É São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto MG, a 100 km de Belo Horizonte. A Vila surgiu no final do século XVII, fundada por bandeirantes que chegaram à região em busca do ouro. Seus moradores, cerca de 750 moradores, tem orgulho imenso de viverem na pequena vila, que conta com cerca de 500 casas e casarões, no elegante estilo barroco mineiro. Orgulham-se dos doces, de sua Igreja Matriz, datada de 1705, dedicada a São Bartolomeu, uma das mais antigas igrejas de Minas Gerais, da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, de suas tradições, como a Festa do Padroeiro, em agosto e de ser a terra da goiabada cascão.
Encanta ainda o belo e preservado casario colonial do século 18, as capelas de São Francisco e a de Nossa Senhora das Mercês, que fica no alto de um morro. Desse tem-se um visual perfeito de toda a vila e sua vasta natureza em redor.
É possível andar pelas ruas de São Bartolomeu sem ver sequer um morador na rua, principalmente em dias de semana. Uma tranquilidade e paz que impressiona quem vem de fora, acostumado com agitação de gente nas ruas.
A tradição de fazer doces é uma tradição secular no distrito, que desde o início de seu povoamento, com a chegada dos bandeirantes, no final do século 17. Desde aquela época a região era abundante em espécies frutíferas, como goiabeiras. Chegando ao distrito se percebe isso. Árvores frutíferas como jabuticabeiras, mangueiras, goiabeiras, dentre várias.
Seus moradores ficam nas espaçosas cozinhas ou nos quintais, com seus enormes tachos de cobre, fazendo o que sabem de melhor, doces, como o doce de leite e a famosa goiabada cascão. Aliás, o melhor espaço das casas de São Bartolomeu é a cozinha. A visita vai logo para a cozinha experimentar as quitandas e claro, os doces tradicionais mineiros.
São Bartolomeu é de uma tranquilidade que impressiona. O povo é sossegado, tranquilo e quando chega carro de fora, vão até a janela ou porta para dar uma espiada nos novos visitantes. Muitos saem pra fora e puxam conversa mesmo, no mais genuíno mineirês. A prosa é boa e conversam com a gente naturalmente, como se fôssemos amigos antigos. Uma conversa alegre, que nos faz bem. Nesse dia conheci o Bartinho, dona Nhanhá e a dona Lídia, na foto acima. Gente simples, gentil, educada e muito alegres. Adoram uma boa prosa.
Hoje, a vila é distrito de Ouro Preto, mas São Bartolomeu existia antes mesmo de Ouro Preto existir. Ouro Preto foi fundado em 1711, no século XVIII. São Bartolomeu existia bem antes, surgiu no final do século XVII. É uma das mais antigas povoações de Minas Gerais, com um casario colonial bem preservado e uma rica história do período barroco. Pelo encanto, lugar pacato, tranquilo, onde se respira história, em cada canto da pequena vila, São Bartolomeu é uma joia. Lugar como esse é único no Brasil. Não tem igual. É a joia do barroco, é a joia da nossa cultura, a joia da nossa história, não só de Minas, mas do Brasil.
A joia de Minas faz parte do Caminho Velho da Estrada Real. Situado às margens do Rio das Velhas e do Parque Florestal do Uaimií, São Bartolomeu fica a 98 km de Belo Horizonte e 18 km de Ouro Preto, com acesso por Cachoeira do Campo, outro distrito ouro-pretano. Chegando a Cachoeira do Campo entre a esquerda, seguindo pela rua principal do distrito sentido Santo Antônio do Leite, até o cruzamento com a Rua Tombadouro, no alto do morro. Ao chegar nesse morro, tem pequena rotatória e uma placa sinalizando. Vire à esquerda e siga pelo asfalto. Quase no fim do trecho, a estrada é de terra, mas em boas condições de uso. Assim já chega a São Bartolomeu.
Andando pelas poucas ruas de são Bartolomeu, é possível sentir o doce aroma da goiabada. Se tiver ouvido mais aguçado, poderá ouvir o “estourar” das bolhas dos doces fervilhando nos enormes tachos de cobre nas espaçosas cozinhas sem abertas das casas. Praticamente todas as casas do distrito tem fornalha, tacho de cobre, fogão à lenha. Faz parte da identidade do povo mineiro.
Fazer doces é vocação dos moradores da Vila. Quem sabe faz e bem feito. É um conhecimento que vem dos avós, dos bisavós, tataravós, até chegar à época que os bandeirantes chegaram ao distrito. E esse conhecimento foi passando de pai para filho, até chegar aos dias de hoje. A goiabada cascão de São Bartolomeu, cremosa ou em barra, é a legítima e autêntica goiabada, feita do mesmo jeito que há mais de 200 anos. É Patrimônio Cultural Imaterial de Ouro Preto.
Tive o prazer de acompanhar esse processo na casa da Sonali, moradora do distrito. Quem batia a goiabada no tacho era a simpática Dona Doquinha, famosa doceira da Vila. O processo começa na escolha das melhores goiabas. Depois de lavadas, são cortadas ao meio para a retirada das sementes e peneirada. Em seguida e levada ao tacho de cobre, com a fornalha já aquecida despeja-se a polpa e cascas grandes da fruta. Por isso é que se chama goiabada cascão, pela presença das cascas no doce. O processo final é bater bem e sem parar por cerca de uma hora, para que a goiabada esteja no ponto.
Isso as doceiras sabem de cor, a hora do ponto e ritmo da batida da enorme colher de pau. Além da goiabada, Dona Doquinha faz um doce de leite sensacional, do mesmo jeito, batido no tacho de cobre. E o sabor de um doce assim, experimentando na hora que está sendo feito, é outra coisa. Sabor indescritível! O bom mesmo é ver as doceiras despejando a goiabada e rapar o tacho. Essa rapa de tacho é boa demais!
Por falar em Sonali, à moradora que citei acima, tem um bar na rua principal do distrito e serve comida também. Preparou rapidinho essa deliciosa lasanha de espinafre acima. Em dias de festas e fins de semana o bar fica aberto, mas durante a semana as portas ficam fechadas. Só bater que ela abrirá e te atenderá muito bem. Come-se bem e a anfitriã é muito alegre, educada e, atenciosa. Além da comida ótima, experimentei a cerveja artesanal Los Bárbaros, de Santo Antônio do Leite, distrito ouro-pretano, e adorei. No local tem artesanato e lembranças do distrito, bem como o café especial Uaimií que é da região e vendido. E claro, tem doces caseiros diversos.
Ao lado do Bar da Sonali, é a casa da Dona Serma e do Seu Vicente que me recebeu com muita hospitalidade. Experimentei o doce de rapa de leite. Não resisti e comprei. Tem doce de leite cremoso, de corte, pessegada, bananada, de limão capeta, laranja, de pêssego, figo e claro, a famosa goiabada cascão em barra e cremosa. Essa não pode faltar em lugar algum de São Bartolomeu. Tudo feito com carinho no fogão à lenha, bem como a comida que Dona Serma faz, tipicamente mineira e de sabor inconfundível! Vale lembrar que nessa casa funciona também o cartório do distrito.
Como já disse antes, São Bartolomeu respira tranquilidade e sossego, onde o som mais alto que se ouve é o do silêncio quebrado às vezes pelos pássaros. Lugar ideal para quem gosta de sossego, relaxar e vivenciar a mais pura nostalgia e magia da beleza da vida no estilo bem mineiro, preservada desde os tempos do Brasil Colônia. Mesmo pequeno, São Bartolomeu, oferece uma ótima estadia na Pousada São Bartolomeu. Um ambiente simples, com quartos arejados, sem TV e tudo bem arrumado no maior capricho.
Caso queira uma pousada com mais requinte, a dica é a Casa Bartô, um casarão em estilo colonial, com 10 amplas suítes e uma decoração nostálgica. Um ambiente perfeito para relaxamento e descanso.
Quem gosta de mais agitação, pode optar por ir a São Bartolomeu em dias de festas como a Festa da Goiabada Cascão, que acontece todos os anos entre abril e maio na rua principal. Esse evento faz parte do Calendário Gastronômico de Minas Gerais. Durante os três dias de festa, são apresentados os melhores doces do distrito e ainda conta com shows musicais, atividades culturais, mostra do artesanato local, culinária típica, outros produtos artesanais da região como cerveja e vinho de jabuticaba e passeios ecológicos.
Outra festa importante que acontece em no mês de junho é o Encontro de Tradições Culinárias, com cultura, música e a rica gastronomia dos moradores de São Bartolomeu que criam pratos especiais e apresentam no evento. Já em agosto, a festa é religiosa. No dia 24 acontece a Festa de São Bartolomeu e do Divino Espírito Santo, com missas, procissões e cortejos que celebram a devoção ao padroeiro do distrito, São Bartolomeu e ao Divino Espírito Santo. Nesse evento também, após as cerimônias religiosas, tem shows musicais.
Indo a São Bartolomeu, não fique apenas no entorno da Vila. O distrito tem opções naturais fantásticas como a Reserva do Uimií, cerca de 5 km do distrito. Uma reserva com 43 km2, considerada a primeira reserva ambiental do Estado, com uma exuberante natureza, com nascentes, riachos e cachoeiras. Uma dessas cachoeiras tem queda de 45 metros. A reserva fica aberta de 7 as 17 h. Outra opção é a Fazenda Nascer que oferece passeios, canoagem, rapel e camping. Tem um pequeno restaurante que funciona somente nos fins de semana. A fazenda fica próxima a Reserva do Uimií.
Independente de qual for sua opção, dias festivos ou a calmaria que o distrito oferece, São Bartolomeu é especial. É um banho de paz, de cultura, de história e uma mostra rica de como é ser e vivenciar o ser mineiro. Vindo a Ouro Preto, venha conhecer São Bartolomeu, a joia valiosa do barroco mineiro.