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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Os Profetas, a Santa Ceia e o Santuário de Congonhas

(Por Arnaldo Silva) O Santuário do Senhor Bom Jesus do Matozinhos) é um conjunto arquitetônico e paisagístico formado em Congonhas MG, cidade histórica mineira a 88 km de Belo Horizonte. Construído em etapas entre os anos de 1757 a 1875 pelas mãos de diversos escultores e artistas, o conjunto é formado 78 imagens ao todo, que compõem um dos mais expressivos exemplares da arte barroca do mundo. (foto acima de Elvira Nascimento)
O conjunto arquitetônico
          É formado por um santuário (na foto acima de Wilson Paulo Braz/@paulobraz10, a riqueza e impressionante beleza do interior do Santuário), seis capelas anexas representando a paixão de Cristo como a Ceia, Horto, Prisão, Flagelação, Coroação, Cruz-às-Costas e crucificação formando ao todo 66 imagens sacras, um adro e estátuas em pedra sabão, representando os 12 profetas do Testamento Original, totalizando 78 peças sacras esculpidas pelo Mestre Aleijadinho entre 1796 e 1805, período que o Mestre do Barroco trabalhou na obra.
          As talhas douradas da decoração em estilo Rococó de seu interior impressiona pela riqueza, bem como os detalhes de sua fachada e as enigmáticas estátuas dos profetas, consideradas uma das mais importantes obras do Mestre Aleijadinho.(na foto acima, do Marcelo Lagatta/marcelo.lagatta, uma das 6 capelas da Via Sacra) Nos 132 anos que o Conjunto levou para ser construído, além de Aleijadinho, outros grandes mestres da época deram sua contribuições na construção e decoração do conjunto como Francisco de Lima Cerqueira, João Nepomuceno Correia e Castro e Mestre Ataíde. A obra é única, não tem igual no Brasil ou parecida. É um dos maiores ícones do Barroco Brasileiro e de Minas Gerais.
O estilo europeu das obras e do santuário
          Todo o cenário do Conjunto como a decoração, as capelas, o adro, o estilo arquitetônico, a disposição das peças, a via sacra, foi inspirado nos estilo Sacro Monte, tendência na Europa naquela época. Este estilo caracteriza-se por simular, através de estátuas sacras realistas, a vida de Jesus e de personagens bíblicos, em tamanho natural. (fotografia acima de Vinícius Barnabé/@viniciusbarnabe)
          Neste estilo, as estátuas são postas em montes, para que sejam facilmente visíveis e possam provocar comoção, piedade e ao mesmo tempo, instigar o lado místico dos fiéis. 
A Santa Ceia de Aleijadinho
          O Santuário do Senhor Bom Jesus do Matozinhos recebe todos os anos, milhares de devotos e turistas vindos de todo o Brasil e se emocionam pelo realismo e beleza das obras, chamando a atenção para a Santa Ceia, obra do Mestre Aleijadinho exposta no interior do Santuário (na foto acima do Marcelo Santos), uma impressionante obra hiper-realista capaz de provocar emoções nos devotos. 
Curiosidade da Santa Ceia de Aleijadinho
          Um detalhe que chama a atenção na obra é que além de Jesus e os 12 apóstolos, Aleijadinho colocou mais dois personagens no cenário que não estavam presentes na narrativa bíblica. Eram os garçons da Santa Ceia, criação por conta do Mestre do Barroco. Isso porque Aleijadinho era supersticioso e não gostava do número 13 e evitava números pares, somente quando não tinha jeito mesmo, usava pares. No normal, eram números ímpares, exceto o 13. Por isso dois garçons na cena, somando 15 personagens. (na foto acima, de Wellington Diniz, os garçons em pé, ao fundo Jesus ao centro e os 12 apóstolos)
O nome dos 12 profetas
          No lado externo, as obras em pedra do Mestre Aleijadinho chamam a atenção pela riqueza e criação das obras do mestre, bem como a disposição das peças, estando em destaque os profetas com mais número de escritos bíblicos, chamados de profetas maiores, Isaías, Ezequiel, Jeremias e Daniel. (foto acima de Elvira Nascimento)
          Em seguida os profetas menores, aqueles com menos escritos bíblicos, Baruc, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Habacuc, Jonas e Naum. 
          Cada um dos profetas segura um pergaminho com mensagens em latim anunciando a vinda do Messias, convidando ao arrependimento e à penitência. As obras foram iniciadas pelo Aleijadinho em 1800 e concluídas em 1805.
A inspiração para esculpir os profetas
          Para esculpir as feições dos profetas, Aleijadinho se inspirou em gravuras de pinturas e desenhos de artistas plásticos europeus, principalmente italianos, entre os séculos XV e XVIII. (foto acima de Anderson Sá)
          As gravuras vieram de Portugal e foram entregues ao Mestre para ele saber como eram as feições dos profetas, na visão europeia. As gravuras que inspiraram Aleijadinho retratavam personagens bíblicos com feições europeias, em sua maioria italiana, vestidos com túnicas longas, manga longa, casacos e usando turbantes, muito usado pelos turcos. 
          Além disso, as pinturas e figuras sacras europeias, inspiradas no "modo turco" de se vestir, serviram de base para criação de imagens de santos, santas, anjos e demônios com feições europeias para pinturas e obras sacras nos tempo da colonização, tanto no Brasil, quanto em toda a América Latina.
          No caso, a forma que os artistas europeus retratavam as vestimentas dos personagens bíblicos foi inspirada na "moda turca" de se vestir e nas feições dos homens e mulheres dos países europeus, principalmente da Itália. 
          Aleijadinho procurou mostrar os profetas em posições imponentes, altivas e místicas até, com olhares vagos para o horizonte, apontando para o céu e alguns, com olhares dirigidos para quem olha a imagem e com pergaminhos com suas citações bíblicas sobre profecias da vinda o Messias, exortando o povo ao arrependimento e penitência, escritos em latim. 
A importância do Santuário
          Por sua importância histórica e valor arquitetônico, religioso, cultural, social e artístico, o Conjunto foi tombado em 1939 como Patrimônio Histórico Nacional pelo SPHAN, hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1985.Tornou-se um ícone do Barroco brasileiro e do estado de Minas Gerais, e uma grande atração turística. 

sábado, 29 de dezembro de 2018

A cidade de Antônio Dias e a Matriz de Nazaré

(Por Arnaldo Silva) Antônio Dias é uma pacata e charmosa cidade no Vale do Aço, a 170 km da Capital e a 55 km de Ipatinga MG. Foi uma das primeiras povoações de Minas, tendo sua origem iniciada em 1º de junho 1706, com a chegada da bandeira de Antônio Dias à região. Essa é a data em que a cidade comemora seu aniversário, tendo sido emancipada em 30 de agosto de 1911.
          Seus pouco mais de 9 mil moradores vivem da agricultura, pecuária, pequenos comércios, produção artesanais de doces, queijos e quitandas, indústria extrativa e transformação, além do turismo, já que a pequena cidade é muito atraente, com um forte tradição folclórica e pelas belezas de suas paisagens naturais, destacando o Rio Piracicaba, que banha a cidade. (na foto acima e abaixo de Elvira Nascimento, vista parcial da cidade)
           Durante o ano, acontecem vários eventos de destaque na no município como a Festa de Nossa Senhora de Nazaré, o CarnaDias, as comemorações de fim de ano, a Semana Santa com missas, procissões e encenações, as festividades de aniversário da cidade, em 1º de junho e a Festa de São Benedito.(na foto abaixo de Elvira Nascimento)
          A devoção a São Benedito se fortaleceu no começou no início do século XX, quando na reforma da igreja, um dos operários da obra se desequilibrou e caiu, gritando "valei-me São Benedito" sem contudo, sofrer um arranhão sequer, na queda. (foto abaixo de Elvira Nascimento)
          Acreditando em um milagre do santo protetor dos negros e escravos, São Benedito, fez promessa para lembrar a data, sempre no primeiro dia do ano ao padre da cidade na época, sendo atendido. (foto abaixo de Elvira Nascimento)
          Aos poucos, a  promessa do operário foi virando tradição, com a participação cada vez crescente dos moradores da cidade e até se tornar hoje um dos maiores festejos populares da região, com grupos de fiéis vestidos com trajes coloridos, instrumentos musicais, danças e cantos de louvores, procissões e missa. A festa é ainda a valorização e a preservação da cultura negra, marcante na cidade. (foto acima de Elvira Nascimento)
          A igreja de Nossa Senhora de Nazaré (na foto acima de Elvira Nascimento) é um dos mais antigos templos da região, tendo sua origem no século XVIII. É uma típica construção de igrejas mineiras: simples e sem muitos detalhes externos, mas suntuosa por dentro. A Matriz tem reboco simples em cores azul e branco. Em seu interior, o forro da nave maior e o assoalho são em madeira. A iluminação é com lustres de cristais, característicos do século XX. 
          O altar-mor, segue o estilo neorromânico, muito utilizado em adornos de templos e fachadas de casas a partir de meados do século XIX e início do século XX. As características principais desse estilo são abundância de arcos plenos sobre portas e janelas, parapeitos em espiral, e torres poligonais nas laterais das fachadas com telhados de formas diversas. O altar-mor da Matriz de Nazaré segue o estilo Rococó, destacando belíssimas pinturas sacras no forro e laterais, com o altar principal ornado em talhas douradas. (na foto acima e abaixo de Elvira Nascimento)
          Foi por ordem do bandeirante Antônio Dias de Oliveira que a igreja foi construída, pelos escravos. Morreu em 1736 aos 90 anos e seu corpo foi sepultado em seu adro. Em sua homenagem, a cidade, passou a se chamar Antônio Dias. (na foto abaixo de Elvira Nascimento, uma das várias fazendas centenárias presentes no município)
          Além da Matriz, na cidade tem  a Igreja de São Geraldo construída a mando do fundador do município de Coronel Fabriciano, o Tenente-coronel Fabriciano Felisberto Carvalho de Brito, tendo sido sepultado nesta igreja. a Igreja do Arraial Velho, a primeira do município, onde também residiu Antônio Dias e o prédio antigo do primeiro Colégio Estadual antoniosiense, que também já foi sede da Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale). 
          A vida em Antônio Dias é calma, tranquila. A cidade é aconchegante, guardando traços da arquitetura colonial e eclética, bem como oferece uma boa qualidade de vida a seus moradores. Os bons e saudáveis costumes mineiros de ir praça com a família e amigos, conversar, ir à missa aos domingos, faz parte do cotidiano de seus moradores, bem como têm tempo para curtirem as belezas naturais do município, como o Rio Piracicaba, na foto abaixo do Sérgio Mourão.
          Além da beleza do Rio Piracicaba, tem ainda como opções naturais matas nativas com trilhas, lagoas e cachoeiras como as cachoeiras da Prainha, Serra Negra, do Salto, Caxambu e da Cascatinha, a Gruta de São Joaquim da Bocaina e a Lagoa do Teobaldo (na foto abaixo de Sérgio Mourão).
          Além de sua história, belezas naturais, a hospitalidade de seu povo e o charme arquitetônico da cidade, em Antônio Dias existe um artesanato valioso com destaque para os bordados e artesanato com fibras vegetais. Tem ainda grupos que desenvolvem atividades culturais como teatro, dança, bandas musicais, corais, grupos de capoeira e folclóricos, que buscam preservar suas tradições. 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Banho de rio, boi bravo, fruta do mato

(Por Maria Mineira) Na roça quando se matava um porco, era costume se repartir com a vizinhança um pedaço de carne fresca. Havia um recurso para que as crianças não beirassem as tachas com banha fritando, carne cozinhando. A minha vó Geralda costumava separar os embornais de cada comadre e nos mandava às fazendas e sítios vizinhos, fazer as entregas. Sair de turma era bom demais da conta!            
          Antes de pegar a estrada, ouvíamos um punhado de recomendações:
— Ocêis num sai da estrada.
— Oia no chão mode cobra.
— Num come fruta do mato, qui é veneno.
— Cuidado pá num caí da pinguela,
— Num passa dend'água cum corpo quente, sinão constipa.
— Num vai no mei do pasto, sinão panha carrapatinho.
— Cuidado cum as vacas de bezerro novo e os boi brabo.
— Põe sintido no Zé Carlo e no Valadir, qui ês indé piqueno.
— Num roba melancia nas roça dos vizinho...
          Estas e mais uma imensidão de conselhos que nem ouvíamos, pois já corríamos estrada afora. Éramos mais ou menos, uns sete meninos e meninas. Eu e a Irene do Jairim Preto — minha grande amiga de infância — cada uma carregava um irmão pequeno na costas.
          Éramos um bando de crianças barulhentas na estrada. Mal saíamos das vistas dos adultos, entrávamos no pasto por debaixo do arame farpado. Às vezes rasgando a roupa, riscando pernas no capim, espinhando pés descalços, cortando mato, seguindo trilhas até chegar à primeira casa.
          Era uma gritaria, pois o cachorrão bravo nos recebia na porteira; nos perseguindo e nos fazendo subir nas tábuas do curral. O tio João vinha, espantava o bicho e estava entregue a primeira encomenda.
          A turma seguia caminho para casa do tio Roque. Havia ali uma descida íngreme no capim rasteiro; sentávamos de dois a dois em cascas de palmeira deslizando morro abaixo, era o nosso tobogã. Certa vez, perdi o equilíbrio e desci aos trambolhões, indo parar lá embaixo no brejo. Credo!
          Em algumas casas nos davam grandes argolas de biscoito de polvilho que colocávamos nos braços, feito pulseiras comestíveis.
          Contrariando os conselhos, comíamos tudo quanto era fruta do mato: gabiroba, bacupari, araçá. Era bom demais passar perto do coqueiro macaúba que dava aqueles coquinhos de casca dura, mas por dentro eram amarelos e doces, fazíamos sacolas com as saias e os meninos com as camisas. Havia também o Jatobá, um fruto do cerrado, que a gente quebrava a casca para roer a polpa farinhenta-adocicada que ficava grudada nos dentes.
          Uma vez, arriscamos passar perto de bois bravos para ir até uma árvore carregada. Entramos todos no pasto e logo ouvi uma gritaria... Era o Sereno! Boi trochado, com chifres enormes, vindo em nossa direção. O animal estava tão bravo que furava o chão com os cascos. Alguns se empoleiraram rápido nas árvores. Irene e eu não conseguimos subir com os pequenos no colo, então corremos feito loucas, num desespero só...
          Duas meninas em disparada na frente do boi com os irmãos enganchados na cintura. Fiquei com as pernas bambas quase sem conseguir levantar do chão. Foi a única vez que a vi Irene branca que nem cera. Até hoje não sei como conseguimos passar no vão daquela cerca de cinco fios de arame farpado carregando as crianças sem ninguém se machucar. Acho que o anjo da Guarda estava atento.
          Para abrandar o susto, entramos numa capoeirinha de árvores altas onde os cipós floridos se emaranhavam uns nos outros formando arcos. Seguindo o caminho estreito coberto de folhas, uma curva aqui, outra ali e logo se avistava o riacho de água transparente que deixava ver o fundo coberto de pedrinhas e areia.
          Ninguém podia pisar na água, antes de refrescar o corpo. Todo mundo deitava na margem e enfiava o rosto dentro d’água para beber e ver os lambaris correndo entre as pedrinhas. Lamentávamos a falta de uma peneira.
          Depois de matar a sede, molhar os pulsos e a nuca, o banho estava liberado. Era de roupa mesmo, verdadeira festa de jogação de água uns nos outros. Uma vez, a Irene se distraiu e seu irmãozinho Valadir rodou córrego abaixo. Ainda bem que o salvamos a tempo. Achamos o molequinho chorando e todo embaraçado nos embiris. Se via apenas os dentes branquinhos e seu cabelinho crespo brilhando ao sol. Foi um susto, coitadinho!
          O sol já estava a caminho da serra quando alguém lembrava que ainda tinha casa do Seu Diolino para entregar carne. Molhadas, as roupas grudavam nas pernas, estorvando os passos. Quando não secavam no caminho, havia que se inventar uma boa desculpa: uma chuvinha passageira, uma queda da pinguela, porque já na chegada uma mãe reparava:
— Qui rôpa moiada é essa, minina?
          Todo mundo era cúmplice, até os pequenos se calavam...
          Levar uns puxões de orelha nem doía muito. Sarava rápido.
          O que entristecia era a ameaça de que na outra arrumação de porco não iam nos deixar entregar as encomendas.
(fotografia ilustrativa de autoria de Wilson Fortunato em Bom Despacho MG)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Da gratidão

(Por Miryan Lucy Resende/Uberlândia MG) Cada dia tem seu milagre. Escondido na curva de um sorriso, no canto de um pássaro que dá seu bom dia à flor do seu jardim. Dentro do sonho que te acompanha: aquele de uma vida inteira. O milagre está dentro de nós, fora de nós, disponível a quem queira merecê-lo.
         Quem sabe hoje tenha sido o dia do seu maior milagre. Naquela hora em que você mudou o trajeto. Escolheu outra rua. No momento em que o pneu furou, você perdeu o ônibus, a hora – ganhou a vida. 
         São muitos os mistérios e poucos a percebê-los. Distraídos, vamos acumulando graças, presentes, mais um dia, mais um mês, mais uma chance. E não agradecemos. Nem sequer pensamos a respeito. Preferimos, até, a reclamação, o aborrecimento. Abominamos a adversidade sem ao menos perceber que, ali, bem ali, esteve nosso milagre. 
          Aquele momento em que sua célula quase, quase se multiplicou desordenadamente, mas suas defesas funcionaram – e você continuou saudável. Aquela batida errada do seu coração, que poderia ter sido a última, e ele corrigiu o passo, acertou seu compasso e não te deixou na mão. E você ganhou de presente novos poemas para serem lidos, outras e novas risadas, ganhou de volta pequenas coisas, das quais você, com certeza, sentiria muita falta, embora passe por elas sem reconhecer o milagre que elas encerram. 
         Ainda que o momento seja de tragédia, quando os nossos incêndios particulares e coletivos parecem nos levar quase tudo, procure entre as ruínas: ali há de vicejar um milagre. Não deite nunca sobre os seus escombros. No máximo pense neles como os alicerces da mais necessária e possível reconstrução. Nós podemos. Acredite. O milagre está, é, existe. Decida merecê-lo. Procure por ele a cada final de dia. 
         Essa é a hora em que você poderá eleger o que vai levar para sua noite de sono. A palavra boa de um amigo, o cheirinho bom de um café feito com amor, a doce lembrança de uma imagem, aquele melhor pedaço, a mais gostosa fatia, ou aquela palavra atravessada, a preocupação, a ofensa, a discórdia, tudo o que pode virar ferida.
         Nada vale mais a pena nesse momento em que se fecha o dia, a não ser silenciar e procurar pelo seu milagre . Afinal, amanhecemos sob o mesmo sol e ele se pôs sobre nossas cabeças. E você caiu de pé. Vai duvidar desse milagre? 
Imagem ilustrativa: sempre-vivas, nativa, em Diamantina MG, de autoria de Giselle Oliveira.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Nhá Chica, Baependi e suas cachoeiras paradisíacas

(Por Arnaldo Silva) Baependi, uma charmosa e acolhedora cidade, no Sul de Minas Gerais, distante 330 km de Belo Horizonte, fazendo divisa com os municípios de Aiuruoca, Alagoa, Itamonte, Pouso Alto, Caxambu, Conceição do Rio Verde, Cruzília e São Tomé das Letras. O município conta atualmente com cerca de 20 mil habitantes.
          Sua origem é do século XVIII, quando da chegada à região Sul de Minas, de bandeirantes em busca de ouro. A cidade originou-se de um um pequeno arraial, que cresceu, foi elevado à freguesia e distrito, com a cidade sendo fundada oficialmente em 2 de maio de 1856. (fotografia acima de Carol Biancardi)
          Desde sua origem, a cidade se mostrou ter forte vocação religiosa. Em 1723, Baependi já era paróquia e desde essa época, a religiosidade de seu povo se tornou um dos marcos de sua história manifestados na Igreja de Nossa Senhora do Montserrat, datada de 1754, da Matriz de Nossa Senhora da Boa Morte, datada de 1815 e também a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, datada de 1820, além do Santuário de Nossa Senhora da Conceição. (fotografia acima de Rogério Salgado)
          Devota da Santa, Nhá Chica frequentava esta igreja, tendo na escadaria da igreja, uma estátua em tamanho real da Beata. Por isso, o Santuário é mais conhecido como Igreja de Nhá Chica. Todas essas igrejas são tombadas como Patrimônio Histórico e Artísticos do município.
          A cidade é rica em valores culturais, arquitetônicos, históricos e espirituais, sendo a Beata Nhá Chica, o seu maior patrimônio espiritual, o que faz de Baependi ser conhecida como a cidade de Nhá Chica (Francisca de Paula de Jesus, nascida em Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei MG em 1810, falecida em 14 de junho de 1895, em Baependi MG).(na imagem acima, colorização da única foto existente de Nhá Chica, feita por Rogério Salgado)
          Neta e filha de escravos, Nhá Chica foi uma leiga católica. Muito fiel às tradições religiosas, amável, carismática, bondosa e atenciosa com todos, era tida em vida, como santa. (fotografia acima de Vinícius Barnabé) Sua fama de santa continuou mesmo depois de sua morte, com relatos de vários milagres e graças, segundo os fiéis, obtidos pela intercessão de Nhá Chica. Sua santidade está em processo no Vaticano, tendo a Igreja Católica, reconhecido Nhá Chica como Beata, em 4 de maio de 2013, sendo este um dos passos finais para sua Santificação. Nhá Chica é a primeira Beata de origem negra do Brasil.
           Diariamente, a cidade é procurada por turistas e romeiros vindos de todos os cantos do Brasil, para visitar e rezar no Santuário de Nhá Chica.
          Emoldurada pela Serra da Mantiqueira, Baependi faz parte do Circuito das Águas em Minas Gerais e também da Estrada Real. A cidade é muito bem estruturada para receber turistas, com boas pousadas, restaurantes e bares pitorescos, sendo também uma estância hidromineral. Quando os turistas chegam à Baependi, descobrem que além de paz e elevação espiritual, o município é rico em belezas naturais, principalmente, cachoeiras, como esta da foto acima, do Jerez Costa, a Cachoeira das Três Quedas.
          Suas belezas e paisagens preservadas fascinam e suas mais de 50 cachoeiras, encantam os visitantes. Para chegar a essas cachoeiras, são trilhas, caminhos e paisagens paradisíacas, em especial a paisagem do Parque Estadual da Serra do Papagaio, onde uma grande área dessa unidade está em Baependi. 
          A cachoeira que mais chama a atenção em Baependi é a do Cavalo Baio. Fica na Serra da Canjica, na área do Parque Estadual da Serra do Papagaio. Com seus 215 metros de queda, é uma das maiores de Minas. (fotografia acima de Jerez Costa) O interessante nessa cachoeira é que nascente que formam suas quedas, nasce a mais de 2.200 metros de altitude. O acesso não é fácil, mas a vista da cachoeira é impressionante. 
          Outra cachoeira muito famosa é a do Itaúna. Fica a 20 km do centro da cidade. (na foto acima de Jerez Costa)  É formada por pequenas quedas d´água, que formam poços rasos, que formam piscinas naturais, convidativas para um banho refrescante ou mesmo ficar curtindo as águas nos degraus das pedras.
          A cachoeira do Juju (na foto ao lado de Jerez Costa), nas encostas da Serra do Careta, na área do Parque Estadual da Serra do Papagaio, é outra das mais procuradas. São 130 metros de queda e a paisagem em seu redor é simplesmente espetacular. O acesso é bem difícil e fica um pouco distante da cidade, cerca de 34 km. Por isso é recomendado ir acompanhado de guia.
          Já a Cachoeira do Caldeirão, (na foto acima do Jerez Costa) é uma das mais belas cachoeiras do município. Fica a 32 km do município. É uma pequena queda, que forma um poço enorme. Mas o banhista deve tomar cuidado acidentes e afogamento porque são cerca de 30 metros de profundidade.
          Essas são apenas as mais famosas cachoeiras de Baependi, tem muito mais cachoeiras, serras e paisagens espetaculares. Além da fé e da elevação espiritual, é um lugar ideal para convívio pleno com a natureza, relaxamento e meditação. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

De alguma saudade

(Por Myriam Lucy Rezende/Uberlândia) Quem nunca passou por ela, nunca conheceu tramela, porteira e mourão. Não ouviu galo abrindo manhã, não acendeu fogo em lenha, não viu gato enrolado no rabo do fogão.
      Quem nunca passou por ela, não seguiu procissão em dia santificado, não levou flores aos finados, nunca dedilhou violão. (foto acima de John Brandão - In Memoriam em São Tomé das Letras MG)
     Quem nunca passou por ela, não levou o dedo no tacho, não lavou a cara em riacho, não brincou de queimada, boneca, bola e balão. 
     Não sentou à beira da estrada, não viu noite enluarada, não fez pipa, não jogou no único degrau da entrada as cinco pedrinhas com os primos e irmãos. 
     Quem nunca passou por ela, não sabe o que é jardineira, estribeira, algibeira, roda d’água, nem banhou-se em cachoeira, seguiu a corredeira, virou cambota, acreditou em assombração – e na beira da alvorada andou com os pés calçados só de relva molhada e chão. (foto acima de Arnaldo Silva, em Ouro Preto MG)
     Mas se viveu uma história assim bonita e singela, é bom, seu moço, saber. Um dia ou outro, encostado, ao muro chamado passado, ela se abrirá mansa – uma rosa caipira na palma da sua mão. 
     E o seu olho molhado, que nem chuva no roçado, vai te mostrar que é saudade esse quadro bem pintado, para sempre pendurado, no umbral do coração. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Casa da mãe depois que os filhos se vão

(Por Míryan Lucy de Resende/Uberlândia MG) Casa de mãe depois que os filhos se vão é um oratório. Amanhece e anoitece, prece. Já não temos acesso àquelas coisinhas básicas do dia a dia, as recomendações e perguntas que tanto a eles desagradavam e enfureciam: com quem vai, onde é, a que horas começa, a que horas termina, a que horas você chega, vem cá menina, pega a blusa de frio, cadê os documentos, filho.
          Impossibilitados os avisos e recomendações, só nos resta a oração, daí tropeçamos todos os dias em nossos santos e santas de preferência, e nossa devoção levanta as mãos já no café da manhã e se deita conosco.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é lugar de silêncio, falta nela a conversa, a risada, a implicância, a displicência, a desorganização. Falta panela suja, copos nos quartos, luzes acesas sem necessidade…
          Aliás, casa de mãe, depois que os filhos se vão, vive acesa. É um iluminado protesto a tanta ausência.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre o mesmo cheiro. Falta-lhe o perfume que eles passam e deixam antes da balada, falta cheiro de shampoo derramado no banheiro, falta a embriaguez de alho fritando para refogar arroz, falta aroma da cebola que a gente pica escondido porque um deles não gosta ( mas como fazer aquele prato sem colocá-la?), falta a cara boa raspando o prato, o “isso tá bão, mãe”. O melhor agradecimento é um prato vazio, quando os filhos ainda estão. Agora, falta cozinha cheia de desejos atendidos.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é um recorte no tempo, é um rasgo na alma. É quarto demais, e gente de menos.
          É retrato de um tempo em que a gente vivia distraída da alegria abundante deles. Um tempo de maturar frutos, para dá-los a colher ao mundo. Até que esse dia chega, e lá se vai seu fruto ganhar estrada, descobrir seus rumos, navegar por conta própria com as mãos no leme que você , um dia, lhe mostrou como manejar.
          Aí fica a casa e, nela, as coisas que eles não levam de jeito nenhum para a nova vida, mas também não as dispensam: o caminhão da infância, a boneca na porta do quarto, os livros, discos, papéis e desenhos e fotografias – todas te olhando em estranha provocação.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão não é mais casa de mãe. É a casa da mãe. Para onde eles voltam num feriado, em um final de semana, num pedaço de férias.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é um grande portão esperando ser aberto. É corredor solitário aguardando que eles o atravessem rumo aos quartos. É área de serviço sem serviço.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre alguém rezando, um cachorrinho esperando, e muitos dias, todos enfileirados, obedientes e esperançosos da certeza de qualquer dia eles chegam e você vai agradecer por todas as suas preces terem sido atendidas.
          Por que, vamos combinar, não é que você fez direitinho seu trabalho, e estava certo quem disse que quem sai aos seus não degenera e aqueles frutos não caíram longe do pé?
          E saudade, afinal, não é mesmo uma casa que se chama mãe?
Fotografia ilustrativa acima de autoria de Arnaldo Silva em Bom Despacho MG

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