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terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Eriomar de Souza: o artista que transforma pneu em arte

(Por Arnaldo Silva) Eriomar de Jesus Souza, é artesão, natural de Nanuque, município de 35 mil habitantes na região do Vale do Mucuri, distante 605 km de Belo Horizonte.
          Nascido em 5/06/1975, Eriomar de Souza é casado, pai de 2 filhos e trabalha como balconista na Auto Peças Cometa, há 30 anos.
          Há 7 anos, Eriomar de Souza decidiu exercitar seu dom artístico, fazendo peças artesanais, usando pneus velhos doados por amigos. E proprietários de borracharias.
          Com seu talento e sensibilidade, transforma um pneu que seria jogado na natureza, em comedouros de pássaros, vasos para plantas, protetor de árvores e brinquedos para crianças como cavalinhos, carrinhos, motos, tratores, triciclos.
          Sua arte é voluntária e a manutenção dos brinquedos, como pinturas e reparos, são feitos graças a patrocinadores locais. Com isso, Eriomar de Souza contribui para melhorar a vida de sua cidade, principalmente para crianças que tem brinquedos para brincarem. É o próprio artista, com a ajuda de amigos que instala suas peças em praças e locais de acesso público em sua cidade.
          Eriomar de Souza troca suas peças por cestas básicas que doa às famílias carentes. Quando alguém quer comprar ou encomendar seus trabalhos, eles as vende em valores que variam de 50 a 800 reais.
          Depois de prontas, as peças são pintadas com tintas de esmalte sintético, além de usar outros materiais em sua produção como estiles, facas, máquina tico-tico, lixadeiras, pincéis, água rasa e compressor.
          O contato do artista pode ser pelo
WhatsApp: 33 99142-9380 ou pelo Instagram: @souzaeriomar

sábado, 16 de dezembro de 2023

A influência tropeira no vocabulário mineiro

(Por Arnaldo Silva) As tropas que cruzaram o Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil entre os séculos XVII até o início do século XX foram as responsáveis pelo surgimento de povoados, cidades e mais que isso, transportavam as riquezas de um país recém-colonizado, principalmente de Minas Gerais, durante os áureos anos do Ciclo do Ouro. 
           Além disso, foram os tropeiros que garantiram o abastecimento das regiões de mineração, trazendo alimentos, mercadorias e utensílios diversos para os povoados e cidades mineradoras. (acima, imagem obtida através da IA, usando como base desenho de tropeiro do século XIX, por Felipe Oliveira/@paulistaniacaipira)
          Eram meses embrenhando nas matas densas, usando as picadas indígenas e abrindo outros caminhos no braço e na potência da força dos carros de bois.
Como se vestiam
          São retratados nos desenhos e pinturas da época montados em imponentes cavalos e vestes elegantes, mas viviam uma realidade bem diferente. Andavam dias e até meses pelas matas, enfrentando intempéries diversas. A maioria andava descalça, tinham barbas e cabelos longos e suas roupas eram velhas e surradas.
          Os donos e os principais líderes das tropas montavam em seus burros sobre um pelego, uma manta feita com couro de carneiro, que servia para amaciar o assento. Vestiam calça larga e camisa de manga comprida, de pareio, que no linguajar tropeiro eram roupas combinando. (na arte acima e abaixo, feitas pelo Felipe Oliveira da Paulistânia Tradicional/@paulistaniatradicional, uma mostra real de como eram as vestimentas de homens e mulheres tropeiras no século XIX).
          Além disso, usavam uma russilhona, que eram botas de couro cru, cm cano longo, chapéu de com bordas reguláveis e barbelas, poncho de couro, uma muladeira ou guaiaca, que é um cinto largo, de couro cru, com bolsas para guardar dinheiro, revolver, facão e outras coisas.
Burros, mulas, jumentos e bestas
          Não tropeavam montados em cavalos e sim, em burros, animais mais fáceis de montar, mais dóceis e mais resistentes às intempéries. As cargas eram transportadas nos lombos de mulas, asnos, jumentos e bestas, animais de baixa estatura, dóceis e bem resistentes. Quando em caso de cargas pesadas, como metais preciosos, usavam carros de bois. (acima, imagem obtida através da IA, usando como base desenho de tropeiro do século XIX, por Felipe Oliveira/@paulistaniacaipira)
          Além disso, eram os tropeiros que traziam e levavam as principais notícias do pais, além de difundirem tradições e sua própria cultura, costumes, modos e palavreados por onde passavam. Muitas dessas expressões e palavras são comuns hoje em dia e até mesmo, tidas como integrantes dos dialetos e sotaques regionais.
Exemplos de palavras e expressões tropeiras
          Com certeza já viu alguém ser chamado de adjetivos como burro, besta, asno, jumento ou mula. Chamar alguém de burro é o mesmo que dizer que a pessoa tem pouca inteligência e de besta, é quando a pessoa é boba ou tola. De jumento e asno é quando a pessoa é bruta e mal-educada. De mula, quando a pessoa é bastante teimosa e não sai do lugar. (acima, imagem obtida através da IA, usando como base desenho de tropeiro do século XIX, por Felipe Oliveira/@paulistaniacaipira)
          Associar o comportamento dos animais ao de algumas pessoas, chamando-as de burra, jumento, asno, mula ou besta, tem origem nos tropeiros.
          O animal burro é tido como de inteligência inferior à do cavalo, o animal besta tem um comportamento bem ingênuo, o jumento e o asno ficam agressivos sem mais nem menos, pulam e dão coices aleatoriamente. A mula, é por si mesma, teimosa e quando está bem cansada e com excesso de peso, empaca e ninguém tira ela do lugar. Por isso a associação às pessoas que demonstravam no comportamento essas características, no entender dos tropeiros.
          Na pequenas propriedades do interior, cavalos, bois e vacas tem nome e são chamadas pelos nomes pelos seus tutores. E ainda, entendem quando são chamadas e obedecem. Esse costume comum hoje era hábito dos tropeiros que davam nome a seus animais e os chamavam pelo nome.
          Temos ainda provérbios tropeiros associados a estes animais presentes no linguajar mineiro até os dias de hoje, principalmente no interior, como exemplos: “quando um burro fala, o outro abaixa a orelha”; “larga de cê besta sô”; “deu com os burros n´água”; “desembestou de vez”; “besta-quadrada” (quando a besta ficava bastante agressiva, seria uma besta, matematicamente elevada ao quadrado); “larga de cê burro sô”, ficou emburrado”; cê é teimoso como uma mula”;
          E quando o tropeiro queria apressar a mula, dizia: “se manda, (o nome da mula), que a ferradura guenta, uai!”. E quando a colocação da ferradura era bem-feita, falavam: “mula bem ferrada, vale por duas, uai”!, referindo-se ao bom serviço na colocação da ferradura que não soltava no trajeto, evitando assim o atraso nas tropas; “ ficou emburrado” (parado, sem ação).
          Tem mais, muitos mais. “Picar a mula”, “discutir com teimoso é perda de tempo”; “pelo jeito de andar da besta, se conhece o montador”; “tô com o burro na sombra”, etc.
          Não é só isso, tem mais, muito mais mesmo. Não apenas em provérbios ou expressões, mas também palavras usadas pelos tropeiros, estão hoje presentes no nosso vocabulário, faladas sem saber sua origem e até significado.
          Como exemplo, ao descer de um animal, o mineiro fala “vou apear”. “Bago” são os testículos dos animais. Para chamar a boiada, usavam o berrante, feito com o chifre do boi, prática tropeira. Quando um animal tinha feridas no corpo, era bicheira. Nos cascos, era broca.
          Um embornal era sacola usada para levar caldeirão de comida e cabaças com água e café. Uma bruaca era uma sacola grande de couro que usavam para transportar utensílios de uma comitiva.
          Por falar em comitiva, é também uma palavra de origem tropeira, que é um grupo formado por peões de boiadeiros, capataz, chaveiros, culatreiro, ponteiro, meeiros e cozinheiro. Além de condutores de boiadas, os peões de boiadeiros eram amansadores de burros.
Herança tropeira
          A herança dos costumes e modos dos tropeiros deixadas ao longo de mais de 300 anos, são extensas e não dá para enumerar todas, mas com certeza, fazem parte do dia a dia dos estados brasileiros onde tiveram a presença de tropas, nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX e início do século XX.
          A presença da cultura caipira bandeirante e principalmente tropeira, influenciou nos costumes, modos, tradições, religiosidade e identidade mineira, devido a presença maciça e constante de tropeiros e bandeirantes, vindos de norte a sul, de leste a oeste do Brasil, durante o Ciclo do Ouro.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

João Alves: o artesão que preserva a tradição da arte em barro

(Por Arnaldo Silva) Um dos grandes artesãos de Minas Gerais. Suas obras impressionam e emocionam pela simplicidade história que cada peça conta. Isso porque o artista transfere para o barro a sua experiência e vivência, dando assim vida, emoção e história às peças, mas também a história da vida cotidiana do povo simples, do trabalhador e da religiosidade inocente do nosso povo.
          Não são apenas contornos humanos moldados no barro. São peças que expressam as emoções e sentimentos do artesão em cada cena que retrata em sua arte. É a beleza do artista que transfere para a arte o seus sentimento, amor, conhecimento e sensibilidade. (fotos acima de autoria de Thelmo Lins)
          Não são simples obras moldadas à mão e sim, obras moldadas com o coração. E para o nosso coração se dirige. Impossível não se emocionar com a riqueza expressada na história que cada peça retrata.
Quem é o artesão?
          O artesão que falamos é João Alves. Nascido em 24 de junho de 1964, em Tingui, comunidade rural de Rio Pardo de Minas, no Norte de Minas, a 732 km de Belo Horizonte, João Alves é o caçula de uma família de quatro irmãos. Seu pai, Aldemar Alves Martins (“Seu” Dena) e Braulina Alves (Dona Bróla), já falecidos, vieram para a cidade vizinha de Taiobeiras em busca de uma vida melhor, quando João Alves tinha apenas 5 anos. (fotografia acima de autoria de Lori Figueró - Acervo de João Alves, fornecida pelo artista)
          De família muito humilde, seu pai trabalhava na olaria Piuna, de propriedade do conhecido João da Cruz Santos, o João Lozim. Sua mãe era ceramista. Era João Alves que levava o almoço todos os dias para seu pai. João Alves cresceu nesse meio, do barro, numa região que a terra sustentava famílias, não só pelas olarias, mas sim pelo artesanato em barro, uma das mais antigas tradições do Norte de Minas.
Artista autodidata
          Foi no ano de 1972 que o talento de João Alves começou a despertar. Em suas idas a olaria para levar o almoço para seu pai, João brincava com o barro na olaria, enquanto seu pai almoçava. Era uma diversão de criança. Fazia cavalinhos e cachorrinhos.
          Como a fé estava presente no dia a dia do povo, começou a moldar, no barro, elementos da tradição e fé religiosa. Isso despertou em João Alves sua vocação. Era um artista autodidata. Suas mãos tinham habilidades para moldar o cotidiano, a fé, tradições e a vida do povo de sua cidade e do Norte de Minas. (imagens acima de autorias não informadas. Fotos fornecidas por João Alves)
          Como vivia em uma região onde a vida era dura e fé e confiança do povo do sertão eram característica do povo, João Alves começou a se inspirar em sua própria história, nas histórias de seus antepassados e das pessoas que convivia.
A religiosidade e fé com inspiração
          A fé, os sentimentos, sofrimentos e a religiosidade do povo, junto com a simplicidade, o cotidiano de suas vidas no cuidado com os filhos, nas atividades da roça, no descascar do milho, do trabalho no pilão, nos momentos de fé, no andor que levava os santos nas procissões, no cozinhar no fogão a lenha. São essas cenas que João Alves retrata em suas obras. (imagens acima de autorias não informadas. Fotos fornecidas por João Alves)
          Cercado pela beleza da riqueza cultural do Norte de Minas e se inspirando na fé, simplicidade, jeito de se vestir e as manifestações religiosas do Norte de Minas, João Alves começou a moldar suas peças retratando o cotidiano do povo simples, dos ofícios e modo de vida e do dia a dia de suas vidas, tendo como inspiração a cultura afro-brasileira e o cotidiano de seus parentes, o povo da roça, fogão a lenha, em sua mãe que benzia, sua avó, que fiava, as festas e manifestações de fé do povo de sua comunidade.
Suas primeiras obras
          Desde cedo, suas habilidades na arte de moldar o barro impressionavam tanto que começou a chamar atenção dos vizinhos que logo começaram a adquirir as peças para decorarem oratórios e presépios, uma forte tradição em Minas Gerais. Aos 8 anos, João Alves moldava os 3 reis magos, os animais, anjos, José e Maria, personagens presentes no nascimento do menino Jesus.
          Com o tempo João Alves foi crescendo e aprimorando sua técnica com o artista buscando outros temas para moldar suas peças, sempre inspirando na simplicidade e cotidiano do povo de sua cidade e também na história que os mais velhos lhe contava.
          Sua primeira peça, fora da temática religiosa, foi inspirada em sua avó, fiando algodão. A partir desta obra, começou a fazer outras peças retratando o dia a dia do povo, contando suas histórias através da arte em barro. Foi a partir daí que seu trabalho começou as expressivas e impactantes formas, caracterizando seu estilo próprio, com as peças tendo vida, história e expressando seus sentimentos. (imagens acima sem autorias identificadas. Fotos fornecidas por João Alves)
          O artista contou com o apoio de sua esposa, que aprendeu a manusear o barro para, com seu marido, se dedicar a arte que se tornou a fonte de renda da família.
Talento reconhecido
          Com o tempo, o talento de João Alves se expande para a região, além do artista participar de feiras, eventos e exposições. Isso despertou interesse de amantes da arte mineira, fazendo com que o interesse pela aquisição dos trabalhos de João Alves crescesse substancialmente, fazendo com que seu trabalho se expandisse e se tornasse conhecido em Minas Gerais e no Brasil.(imagens acima sem autorias identificadas. Fotos fornecidas por João Alves)
          A arte que começou como uma brincadeira de criança, foi se aprimorando para a modelagem de peças para decoração de presépios e aprimorando com o tempo, ganhando novas formas e impressionando pela essência natural e simples as peças transmitem
          Isso porque o barro moldado por João Alves, conta histórias, retrata o dia a dia do povo geraizeiro e sertanejo, retrata a simplicidade da fé e religiosidade do povo do Cerrado.
A transformação da argila em cerâmica e arte
          Cada peça, leva em média 20 dias para ficar pronta. É um processo totalmente artesanal. Primeiro extrai-se a argila, deixa secar por 3 dias. Depois disso, a argila é socada no pilão e peneirada. Por fim, é amassada em uma gamela de madeira e deixada em descanso por 2 dias. (imagens acima sem autorias identificadas. Fotos fornecidas por João Alves)
          Somente após esse processo que começa a modelagem das peças e secagem ao natural. Esse processo dura duas semanas. Por fim, a peça é colocada no forno a lenha e queimada por 12 horas. Esse é o processo da transformação da argila em cerâmica. Após todo esse processo, o artista dá o acabamento e a pintura das peças.
Premiações
           A perfeição e simplicidade de suas obras, tornaram João Alves conhecido e premiado, não apenas em Minas, mas no Brasil e com reconhecimento no exterior.
          João Alves foi premiado em 2005 com o quarto lugar no prêmio da Unesco de Artesanato da América Latina e Caribe. Unesco é a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. É uma agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU) com sede em Paris, capital francesa. 
          A entidade tem como objetivo de contribuir para a paz e segurança no mundo através da educação, ciências naturais, humanas, sociais, além da comunicação e informação. Daí a importância dessa premiação a João Alves. 
          Foi a partir dessa premiação em 2005, que o talento de João Alves se expandiu para todo o país, além de sua participação em exposições, feiras e eventos culturais por todo o Brasil.
          Durante a 5ª Edição do Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato, realizado no Rio de Janeiro em 2022, João Alves entrou para a lista dos 100 melhores artesãos do Brasil, tendo sido eleito entre 1.208 artesãos de todas as regiões do país que participaram dessa edição. (imagem acima fornecida por João Alves)
          A premiação tem caráter técnico-científico e tem como objetivo promover as melhores práticas artesanais do Brasil, tendo como base a qualidade técnica, estética, inovação, melhoria contínua do desenvolvimento da arte e experiência comercial.
          Com a premiação, os 100 escolhidos ganham reconhecimento nacional, além do direito de usar o selo Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato.
Obras únicas
          O talento de João Alves e os detalhes expressivos nos moldes de suas peças, são marcas de um talento refinado e envolvente que encanta, impressiona e emociona. São obras únicas, carregadas de sentimentos e histórias reais. (imagens acima de autoria do fotógrafo Lori Figueiró - Fornecidas por João Alves)
          Não só isso, sua origem, sua trajetória e sua paixão e perseverança é um exemplo para as novas gerações. De uma simples brincadeira de criança, surgiu um dos grandes nomes da arte em barro do Brasil. Fruto de seu amor e dedicação à arte de moldar a história de seu povo no barro.
          O contato com o artesão João Alves pode ser feito através do WhatsApp 38-9103-0054.
(Nota: As fotos fazem parte do acervo do artesão João Alves, que nos forneceu as imagens para ilustrar a reportagem, sem contudo precisar a autoria individual das imagens. Caso autores das imagens que não tenha a autoria citada, nos informe para que os créditos autorais sejam citados.) 

sexta-feira, 10 de março de 2023

Vida e obra do artista plástico Clodoaldo Martins

(Por Arnaldo Silva) Talento vem do ventre, do berço. O artista já nasce artista, apenas aprimora seu dom natural com o tempo. Esse é o caso de Clodoaldo Martins, um dos mais respeitados e premiados artistas plásticos do Brasil, com várias premiações e reconhecimentos nacionais e internacionais. 
          Dono de um talento nato, o artista pinta o realismo da vida caiçara e do matuto caipira, estilo de vida, linguajar, música e cultura herdada pelos bandeirantes no século XVIII, presente no interior de São Paulo e Minas Gerais, devido influência dos bandeirantes paulistas que vieram para Minas Gerais a partir de meados do século XVII, se intensificando no século XVIII. (acima e abaixo, mosaico de telas do artista plástico Clodoaldo Martins)
          As obras de Clodoaldo Martins retrata o caipira e povo simples do nosso interior em sua originalidade, numa perfeição de impressionar e por que não, emocionar.
Artista autodidata 
          Natural de Agulha, distrito de Fernando Prestes/SP, Clodoaldo Martins desde criança já demonstrava seu talento fazendo desenhos. Aos 9 anos tomou consciência de sua vocação e buscou, mesmo criança, melhorar suas técnicas. 
          Com 13 anos e com apoio e estímulo dos pais, buscou aprimorar seu talento, estudando artes plásticas na escola do professor Luís Dotto, de Catanduva SP, cidade vizinha a sua cidade. Posteriormente teve aulas de pintura com o artista plástico Sérgio Amorim e, posteriormente, com Celso Bayo. Graduou-se em Educação Artística, com habilitação em Artes Plásticas, pela Faculdade São Luís, em Jaboticabal (SP). (acima, o artista preparando o cenário e abaixo, à esquerda, pintura pronta e à direita, a pintura e a modelo)
Aperfeiçoando técnicas
          Aprimorando mais suas técnicas, teve aulas com Washington Maguetas em 2003 e Alexandre Fausto, discípulo de Arlindo Casttelani de Carli. A partir de 2005, as orientações foram de Luís Cláudio Morgilli, que o apresentou a Gilberto Geraldo e Ronaldo Boner. E foi através dos grupos de estudos ministrados por Boner e workshops conduzidos por Gilberto Geraldo que Clodoaldo Martins direcionou uma nova plástica ao seu trabalho. Atualmente as inspirações são os artistas clássicos e contemporâneos da escola Alla Prima que o influenciam no crescente refinamento de sua produção artística. (acima, mosaico de telas do artista)
Exposições e premiações
          Desde 2002, Clodoaldo Martins participa de exposições solos ou coletivas de seus trabalhos em diversas cidades de São Paulo e ainda em salões de artes e espaços culturais empresariais de cidades brasileiras.
          Além de exposições, consta no curriculum de Clodoaldo Martins premiações diversas por suas obras, em várias cidades paulistas, inclusive no exterior, como o Prêmio Humanidade e Cultura no 5º Concurso de Pintura Figurativa da NTD de Nova York – EUA, em 2019. (acima, mosaico de telas de Clodoaldo Martins)
O preparo para as telas
          Diferente de boa parte dos artistas plásticos que se inspiraram em fotos para pintarem suas telas, Clodoaldo Martins é mais detalhista. Ele mesmo faz seus cenários, cria seus personagens, que são basicamente seus parentes próximos como filhos, esposa, sobrinhos, sobrinhas, sogro, sogra, etc.
          Escolhe e cuida de cada detalhe do cenário, que geralmente são casas na zona rural do distrito onde vive e figurinos de época ou em trajes reais, retratando o modo e estilo do nosso interior. Faz várias fotos do modelo, cenário e a composição da cena em sua mente, transferindo-as para suas telas. (acima, preparação do cenário para a pintura e à direita, a pintura já pronta e acabada)
O Caipira Caçador
          É o caso da impressionante tela O Caipira Caçador, feita em 2012. É impressionante porque 50% de quem vê a tela fica na dúvida se é fotografia e os outros 50%, tem certeza que é foto. É uma pintura hiper-realista nas pinceladas de Clodoaldo Martins, feita no ano de 2012.          
          A obra retrata um matuto caipira de chapéu na cabeça, calça rasgada, sentado nos degraus de uma escada diante uma porta entreaberta de uma simples casa rural já com as paredes bem gastas. Com cigarrinho de palha na boca, enquanto o matuto confere sua espingarda, seu filho caçula se aproxima à porta com olhar curioso, para ver o que seu pai estava ali fazendo. (na foto acima feita em março de 2023, o Sr. Geraldo e Clodoaldo Martins, ao centro a tela O Caipira Caçador de 2012, pertencente ao acervo da Pinacoteca de Catanduva SP)
          No caso da tela o Caipira Caçador, os personagens são seu sogro, Geraldo Rezende e o menino encostado no batente da porta é seu filho, Maurício Rezende. "Essa obra surgiu de um momento totalmente natural e espontâneo, naquela ocasião, em meados de 2012, durante uma visita que fiz ao sitio onde meu sogro ( o caipira da pintura) trabalhava, nos arredores de Agulha-SP, era uma tarde quando cheguei em frente uma casa e deparei com uma cena que iniciou com uma "picada de fumo", que inevitavelmente me fez lembrar da grande obra "O caipira picando fumo" de Almeida Júnior, dai enquanto a conversa seguia a narrativa visual se transformava para, fazendo um cigarro de palha, arrumando o chapéu, conferindo a espingarda, etc. A partir desse momento a inspiração fluiu e alguns meses depois veio se transformar em uma pintura", comentou Clodoaldo Martins.
          A obra Caipira Caçador foi contemplada em 2012 com o Prêmio Aquisição no 16º Salão de Artes Plásticas de Catanduva – SP e passou a pertencer ao acervo da Pinacoteca Municipal da cidade, estando a obra disponível para visualização no local.
          O contato do artista pode ser feito através de sua fanpage no facebook: studioclodoaldomartins ou no instagram: @clodoaldo_martins

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

O Clube, a Esquina e a musicalidade mineira

(Por Arnaldo Silva) Saindo da cidade de Três Pontas, no Sul de Minas, Milton Nascimento chega em Belo Horizonte em 1963. Na capital, Bituca, como era carinhosamente chamado, foi morar no quinto andar Edifício Levy. Neste mesmo edifício, morava a família Borges.
          Nessa época, Lô Borges tinha apenas 10 anos. Quando desceu para comprar pão, ouviu Milton Nascimento cantar. Se interessou logo em conhecer o cantor. Surgiu assim uma amizade e admiração, com Milton Nascimento conhecendo os irmãos de Lô Borges, Milton e Márcio Borges. Pouco tempo depois, se juntava ao grupo Wagner Tiso.
          O pequeno grupo de amigos começou a se encontrar frequentemente, numa esquina da Rua Divinópolis com Paraisópolis, no bairro Santa Tereza (na foto acima do Thelmo Lins). Nesta esquina, conversavam, tocavam e cantavam as canções que cada um compunha.
          Ao pequeno grupo, foram se unindo outros músicos, cantores e compositores mineiros como Fernando Brant, Nivaldo Ornelas, Paulo Braga, Beto Guedes, Flávio Venturini, Tavinho Moura, Nelson Ângelo, Tavito, Robertinho Silva, Luiz Alves, Vermelho, Rubinho, Toninho Horta, dentre outros. (na foto acima de Thelmo Lins, placa em frente à famosa esquina do Santa Tereza)
Gêneros musicais
          Músicos de talentos inigualáveis, os membros do Clube da Esquina representavam o que tinha de mais genuíno e autêntico na música mineira. A sonoridade específica das músicas, os arranjos e letras das composições, são únicos e inconfundíveis.
          Isso se deve à fusão diferentes gêneros musicais, que cada integrante do Clube da Esquina trouxe consigo, ao se juntarem ao grupo, como a Música Regional, MPB, Bossa Nova, Música Experimental, Rock Progressivo e Psicodélico, Smooth Jazz, Jazz Rock, Jazz Fusion, Art Rock, Samba, Música Folclórica mineira, Música Erudita e Mod.
          Essa fusão de sons e gêneros diferentes de cada um dos artistas que formavam o Clube da Esquina, gerou um dos mais impactantes, importantes e impressionantes movimentos musicais do século XX.
          Além disso, o movimento influenciou toda uma geração, tornou popular a música mineira no Brasil, além de ser ter sido um movimento de forte influência musical em nível nacional e mundial.
          No ecletismo dos gêneros musicais predominavam o violão, instrumentos de percussão, bateria, teclados, baixo elétrico, contrabaixo e guitarra elétrica. Com esses instrumentos, os integrantes do Clube da Esquina, mesclavam seus gêneros e entoando notas diferenciadas graças ao talento de seus integrantes, na união de sons e arranjos fantásticos.
O que é o Clube da Esquina?
          O Clube da Esquina não é um clube na expressão literal da palavra e nem seus integrantes formavam uma banda ou grupo musical. Era um grupo de amigos que tinham em comum a música. O grupo se formou de forma espontânea, se encontrando com frequência em uma esquina do bairro Santa Tereza, para trocarem experiências musicais, conversarem entre si, apresentarem suas composições, canções, arranjos. Um grupo de amigos, que tinham em comum a música. (na foto acima e abaixo de Thelmo Lins, placas oficiais na esquina onde foi formado o Clube da Esquina)
          Cada um dos integrantes do Clube da Esquina tinha sua própria carreira musical. Em apresentações solos ou em bandas, cantavam e gravavam suas canções.

          Por serem integrantes do movimento musical e seguirem o gênero musical do grupo, as composições musicais desses integrantes, durante a existência do Clube da Esquina (1972/1978), integram o acervo do movimento musical, imortalizadas como músicas do Clube da Esquina.
          Com o nome Clube da Esquina, apenas dois álbuns foram lançados durante a existência do movimento: Clube da Esquina I (1972) de Milton Nascimento e Lô Borges e Clube da Esquina II (1978), de Milton Nascimento.
          O restante da discografia que faz parte da odisseia dos mineiros do Clube da Esquina, são lançamentos individuais, de cada artista do grupo, seguindo o gênero e sonoridade do movimento musical mineiro. Destaque para discos o e composições de Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges, Toninho Horta, dentre outros, além das composições de Fernando Brant, um dos principais compositores de músicas do Clube da Esquina, reconhecido como um dos maiores compositores brasileiros.
Por que Clube da Esquina
          A esquina onde o grupo se encontrava começou a se popularizar. Foi sugerido ao grupo frequentarem um clube da alta sociedade belo-horizontina da época, mas o grupo recusou. (na imagem acima de Thelmo Lins, placa fixada em frente à famosa esquina do Santa Tereza)
          A ideia de um clube foi atraente, mas todos entendiam que o lugar deles era ali, naquela esquina. Ali era o lugar deles. A esquina do Santa Tereza era o local de encontro e eles, os artistas, eram o próprio clube. Se era para estar num clube, a esquina era o clube.
          Assim ficou, Clube da Esquina que passou a ser muito além de um clube de encontro de amigos que tinham em comum, o gosto pela música, para ser um dos maiores estilos musicais do Brasil, considerado o maior movimento musical brasileiro, depois da Tropicália.
50 anos do Clube da Esquina
          Na década de 1970, o estilo musical do Clube da Esquina já se tornara conhecido e suas canções já influenciava gerações de artistas e amantes da boa música. A partir de 1972, o Clube da Esquina se desponta no Brasil como movimento musical.
          Embora tenha surgido a partir 1963, não como estilo e movimento musical, mas como um grupo de amigos que se encontravam na esquina do Santa Tereza, 1972 é o ano de referência da criação do Clube da Esquina. 1978 é o ano que o movimento musical encerrou sua epopeia. Em 2022, o movimento musical Clube da Esquina completa 50 anos. (na imagem acima de Thelmo Lins, placa em frente à famosa esquina do Santa Tereza)
          Durante os anos de existência do Clube da Esquina, canções, de grande valor para Minas Gerais, o Brasil e a humanidade, surgiram. Verdadeiras joias da música mineira e brasileira. São músicas eternizadas e que nunca saem de moda. Uma verdadeira epopeia musical, nascida numa época de ouro da música mineira e brasileira.
          Mesmo as canções, composições, discos e álbuns individuais dos integrantes do Clube da Esquina, compostas antes de 1972 e durante os anos do movimento, até 1978, são consideradas como sendo do movimento musical, por terem sonoridade e estilo das músicas do Clube da Esquina.
          Canções épicas do Clube da esquina e de integrantes do movimento musical, estão presentes até os dias de hoje em nosso cotidiano e fazem parte da cultura mineira e brasileira.
          Como por exemplo Ponta de Areia, Travessia, Maria, Maria, Canção da América, Planeta Blue, Promessas do Sol, O Vendedor de Sonhos, Encontros e Despedidas, San Vicente, Nos Bailes da Vida, Suíte Minas Gerais, Trem Azul, Para Lennon e MacCartney, Calixbento, Trem de doido, Paisagem da janela, Cravo e Canela, Estrelas, Nada será como antes, Tudo que você podia ser, dentre outras tantas canções, presentes em discos épicos como Travessia (1967) de Milton Nascimento Lô Borges (O disco do tênis - 1972), de Lô Borges, Amor de Índio (1978) de Beto Guedes, Som Imaginário (1970 e 1971), Matança do Porco (1973), dentre outros discos e álbuns lançados pelos integrantes do Clube da Esquina, entre 1963 e 1978.
O Bar do Museu
          Na esquina do local onde os integrantes do Clube da Esquina se encontravam, onde era antigamente o Bar do Godofredo, funciona desde dezembro de 2015, o Bar do Museu – Música, Poesia e Gastronomia. (fotografia acima de Thelmo Lins)
          Está a alguns metros da esquina onde os integrantes do Clube da Esquina costumavam se encontrar, no tradicional bairro de Santa Tereza, entre as Ruas Divinópolis e Paraisópolis.
          O ambiente interno conta toda a odisseia do Clube da Esquina. São objetos, discos de vinil e painéis que nos levam de volta aos velhos e saudosos tempos do Clube da Esquina, relatados poeticamente na música, Rua Ramalhete, do cantor e compositor Tavito.
          Além da decoração temática, o visitante encontra souvenires diversos, camisas e livros alusivos ao Clube da Esquina, pratos, quitutes, sobremesas e bebidas da nossa gastronomia, com nomes de músicas dos integrantes do Clube, além de poesia e apresentações musicais de canções Clube da Esquina. Fica aberto às quintas e sextas-feiras a partir das 16h e sábados, a partir das 12h até as 00:h. No outros dias da semana, não abre.
Patrimônio Cultural e Imaterial de Minas Gerais
          A música e sonoridade do Clube da Esquina, ainda não é oficialmente, Patrimônio Cultural e Imaterial de Minas Gerais, mas está caminhando para ser.
          Está em estudo e análise, desde janeiro de 2022, o projeto dedicado à Mineiridade, da Secretaria de Estado da Cultura e Turismo/Secult-MG. O objetivo final é reconhecer a obra musical do Clube da Esquina e de seus integrantes, como Patrimônio Cultural e Imaterial dos mineiros.

sábado, 17 de abril de 2021

As mãos que transformam o barro, em arte

(Por Arnaldo Silva) Popularmente chamada de barro, a argila, é um dos minerais mais conhecidos e utilizados pela humanidade. Seu uso era bastante comum, desde as antigas civilizações, há milhares de anos, em tratamentos de estética e medicamentos, bem como na fabricação de utensílios domésticos e artesanato. E até os dias de hoje, continua sendo usada para esses fins, em todo o mundo.
          É um mineral riquíssimo, composto por magnésio, cal, alumínio, ferro, sódio, potássio, alumínio, sílica e titânio. É bastante comum e bem fácil de encontrar. Além de ser muito usada em tratamentos medicinais, devido a seus vários benefícios para a pele, é bastante usada ainda para fins estéticos.
          São vários os tipos de argila presentes no mundo, com pigmentos e cores diferentes, como verde, amarela, branca, marrom, vermelha, rosa, cinza e preta.
          Além do uso terapêutico e estético, a argila é bastante usada no artesanato, como matéria principal, sem adição de outro material. Na fabricação de telhas, tijolos porcelanas, louças, pias e vasos sanitários, etc., a argila é usada como complemento a outro material, já que permite o rápido endurecimento da massa, dando assim mais resistência aos produtos. 
O Vale do Jequitinhonha
          Em Minas Gerais, a argila é bastante usada para fins medicinais e terapêuticos. É também a argila, que dá vida e cores ao artesanato mineiro, principalmente no Vale do Jequitinhonha, uma região mineira formada por 55 municípios, a Nordeste de Minas.
          Os primeiros habitantes, em nossa terra a usar a argila, tanto para fins medicinais, quanto para o uso doméstico, foram os índios. Faziam com a argila, urnas funerárias, máscaras para rituais religiosos e objetos para uso domésticos, como panelas, pratos, copos, etc.
          Foi através dos índios, que a arte de trabalhar o barro, surgiu no Vale do Jequitinhonha. Saberes ancestrais, passados ao povo simples do Vale, desde a chegada do sertanejo à região.
          Ao longo dos anos, a arte de trabalhar o barro, recebeu influência do negro africano e também, influência do branco português. Assim, o artesanato do Vale do Jequitinhonha, foi formando sua identidade, com os saberes e seu modo artesanal, passados de geração, para geração.
A transformação da argila em tinta e em arte
          A argila dá vida a um dos mais valiosos artesanatos do mundo, o artesanato em barro do Vale do Jequitinhonha. Além do artesanato, do próprio barro do Jequitinhonha, saem as cores que dão vida às peças. 
          As pinturas, nas peças em argila, não são feitas com tinta e sim com pigmentos das diferentes tonalidades de cores das argilas. Trata-se da própria argila, triturada e peneirada. 
           Coloca o pó peneirado em um pote com água, mistura e deixa curtindo bem. Em seguida, coa-se bem para que não fique nenhum grão de areia, para não atrapalhar a pintura ou estragar a peça. Deve-se deixar o barro curtir bem em um pote, para que fique bom.
          O nome que os artesãos e artesãs do Vale do Jequitinhonha, chamam essa composição simples é, “oleio”. Para fazer o oleio, a argila tem que ser bem selecionada, não sendo a mesma que fez a peça. A melhor argila para moldar as peças e para fazer o oleio, vem dos saberes passados aos artesãos e artesãs, por gerações e segundo os artesãos do Vale, a argila na cor preta, é a melhor para se fazer oleio.
          As pinturas com o oleio são feitas com muita delicadeza, paciência e criatividade. Para fazer os desenhos e texturas nas peças, com o oleio, não usam o pincel comum e sim, pena de galinha, pequenos pedaços de pano, para alisar e olear as peças e sabugo de milho, para moldar peças. 
          É o modo artesanal de fazer a arte, com o sabugo, o pano, a pena de galinha. Cada um com suas utilidades, para o realce e definição das cores e estilos das peças.
          O desenho, a forma e os tons de cores, dependerá da criatividade de cada artesão ou artesã. É o talento e sensibilidade dos artistas que darão às peças, suas identidades e características originais. Após a pintura, as peças são levadas ao forno para a queima. Com a queima, as pinturas e as peças, ficarão mais resistentes e firmes.         
Patrimônio Cultural de Minas Gerais
          O artesanato do Vale do Jequitinhonha é totalmente artesanal, desde a extração do barro, preparação dos pigmentos para o oleio, moldagem das peças, até sua queima, nos fornos.
          O artesanato em argila do Jequitinhonha é tão importante para Minas Gerais, que faz parte da identidade cultural do Estado. O ofício dos artesãos e artesãs, bem como, seus saberes na arte de trabalhar o barro, preservados há gerações, são reconhecidos, como Patrimônio Cultural do Estado de Minas Gerais, desde dezembro de 2018.
          No Vale do Jequitinhonha, o artesanato está presente em todos os 55 municípios. É um complemento na renda de milhares de família e às vezes, a única fonte de renda muitas famílias. 
          Destaque para as cidades de Santana do Araçuaí, distrito de  Ponto dos Volantes, famosa pelas bonecas da Dona Isabel. Do artesanato de Pasmado em Itaobim e Pasmadinho, em Itinga. Além de Campo Alegre, Coqueiro Campo e Campo Buriti, comunidades rurais, entre Minas Novas e Turmalina, com grande tradição no artesanato em argila.
          A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco), diz que um patrimônio cultural imaterial: “São práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades ou grupos, e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”.
          Segundo a Unesco: “Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo para promover o respeito à diversidade cultura e à criatividade humana”.
A artesã Lilia Xavier
          Em uma dessas comunidades, Campo Alegre, nasceu, em 1988, Lilia Xavier, artesã, já na quarta geração de sua família.
          Lilia aprendeu a trabalhar com a argila com sua mãe, Sergina Xavier, hoje, com 54 anos, que aprendeu com sua avó, Maria Gomes Ferreira, hoje com 85 anos, que aprendeu com sua bisavó, Augusta Gomes Ferreira, já falecida, que aprendeu com sua trisavó, Rosa Gomes Ferreira. (na foto acima de Michel/Sebrae, as três últimas gerações de artesãs da família)
          Lilia Xavier, hoje com 33 anos, conta que cresceu vendo sua mãe buscar a argila no mato e a fazer as peças. Incentivada por sua mãe, aos 10 anos de idade, já fazia peças, e as vendia. Eram pequenas peças, do imaginário de uma criança, como porquinhos, pintinhos, sapinhos, etc.
           Com o passar do tempo, foi aprimorando seus conhecimentos e práticas, sempre incentivada por sua mãe e avó. Hoje, seu artesanato tem identidade própria, sua leitura pessoal da realidade e sua própria forma de entender a arte, moldada em barro, detalhes e cores vivas das pinturas que faz, em suas peças.
          A menina que fazia pequenos bichinhos com o barro, hoje transforma esse mesmo barro em filtros, queijeiras, moringas, cachepô, jogo de prato, copos, pratos, bonecas, galinha em tamanho natural, potes, flores, pimenteiras, sopeiras, vasos, etc.
          Além disso, Lilia Xavier, foi a primeira artesã do Vale a fazer queijeiras. Quem deu a ideia e mostrou o modelo, para que a artesã fizesse, fui eu, Arnaldo Silva. Para mim, queijo é a maior identidade mineira e nada melhor que ter uma queijeira em casa, bem no estilo tradicional da arte em barro do Vale do Jequitinhonha. Queijeira está presente nas casas dos mineiros, porque queijo não falta nunca na cozinha mineira. Melhor ainda colocar o queijo numa queijeira feita pelas mãos talentosas das artesãs do Vale. 
          Era uma peça que faltava no artesanato de barro do Vale e Lilia, com seu talento, conseguiu captar a sugestão que dei e fez a primeira queijeira, no qual, tive o privilégio de ter sido o primeiro a adquiri-la. De novembro para cá, quando fez a primeira queijeira, foram várias outras feitas por Lilia, em tons branco, bege e vermelho. São peças lindas e perfeitas!
O barro que vira arte
          É um trabalho difícil, desde a busca do barro na mata, até estar pronto para a venda. O processo é lento e leva dias para ser concluído, seguindo essas etapas:
01 - A argila tem todo um processo, desde o barreiro, até a queima das peças. Primeiro tira a argila no barreiro com uma enxada. A argila tem que ser bem escolhida e não pode ser qualquer uma. O melhor, para o artesanato, é a argila mais escura.
02 - Em seguida, coloca a argila no pilão, já que ele vem em torrões. No pilão, tem que socar bem a argila com a gangorra.
03 - Depois de socado, ele é peneirado, em seguida, coloca-se um pouco de água, para ser amassado, até ficar na consistência de uma massa firme, estando já pronto para modelar as peças.
04 - O barro já estando pronto é colocado sobre uma mesa para dar início a modelagem das peças.
05 - Depois da peça modelada, é necessário o acabamento e deixar secando.
06 - Depois de modelada a peça com as mãos, usa-se uma faca para aparar as arestas, bem como sabuco de milho, para que a peça fique lisa e homogênea. Em seguida, deixa a peça secando sob o sol, para que toda a água e umidade presente na argila, seja eliminada. Essa secagem é de grande importância para evitar que as peças trinquem.
07 - Depois de bem sequinha, passa-se o oleio em toda a peça, com um pedaço de pano.          
08 - Após passar o oleio, deixa a peça secando novamente e quando bem seca, começa a pintura das peças, usando pena de galinha.
09 - Já pintadas e secas, as peças vão para o forno.
10 -  Após a queima, espera esfriar e as peças já estão prontas para serem comercializadas.
          Após as peças serem pintadas, estão prontas para irem para o forno e serem queimadas. O forno é rústico, feito com tijolos de adobe e barreado com a argila do vale. A parte inferior, é onde fica a lenha que será queimada.
          Na "bacia", do tamanho de uma caixa d´água, no fundo, tem alguns "furos". Para o fogo não ir direto nas peças, esses "furos" são cobertos com pedaços de cerâmicas, para o fogo não ir direto nas peças. Assim, o calor do fogo, "assa" as peças, que são todas colocadas dentro da "bacia".
          Ficam no fogo por pelo menos por 10 horas, numa temperatura entre 600 a 900 graus.
          A queima é de grande importância, já que dará firmeza e resistência às peças e pinturas.
          A cor natural do oleio, não será a mesma, durante a queima das peças. Quando no forno, as peças mudam de cores. A peça poderá ter a tonalidade branca, bege ou vermelha. Isso acontece devido a ação do calor, quando as peças vão para a queima, no forno. A queima faz com que a argila, se transforme e modifique a cor. Oleio amarelo, fica vermelho, o preto ou na cor cinza-azulado, muda para a cor amarela, bege, branca ou vermelha, dependendo da tonalidade do pigmento.
          O fenômeno acontece porque durante a queima, a argila é submetida a altas temperaturas, o que ocasiona reação química de todos os seus componentes, principalmente da alumina, que se deforma, no calor. Como consequência da ação do calor na argila, ocorre modificação de suas tonalidades, de acordo com a composição química da argila usada.
 
A vida dura das mulheres do Vale 
          "É uma sensação muito boa, pegar o barro e transformá-lo em peças e cores maravilhosas. É um dom de Deus”, diz a artesã Lilia Xavier, com alegria.
          A artesã demonstra essa alegria, que sai de seu coração: “Lembro que minha mãe trabalhava na casa de minha avó, porque não tinha um local certo de fazer as peças. Eu e minha irmã, Vanderléia, ficávamos ansiosas para chegar o dia seguinte, para irmos com a mãe lá, na casa da nossa avó. Era muita alegria nesse tempo!” 
          Lilia conta que, quando chegavam compradores das peças em sua casa, ela e a irmã, tinham que ir até a casa da avó, avisar à mãe. “Eu e minha irmã, íamos correndo para avisar minha mãe e avó, que os compradores tinham chegado, na comunidade. Andávamos mais de três quilômetros de distância, para chama-las”.
           Com os compradores à porta, mãe e avó, enchiam balaios de peças, colocavam na cabeça e iam às pressas mostrar as artes aos compradores, com todo o peso das peças na cabeça. Assim que chegavam, logo esparramavam as peças no chão, para que escolhessem, conta Lília. (na foto abaixo, a mãe de Lilia Xavier, dona Sergina, hoje com 54 anos, buscando argila no mato)
Jequitinhonha: o Vale das Mulheres
           No século XX, o Vale do Jequitinhonha era conhecido como Vale da Miséria. A vida era dura demais, o trabalho era escasso e a única alternativa dos pais de família, era buscar serviço fora.
          Deixavam suas mulheres e filhos e iam em grupos, para outras regiões de Minas ou outros estados, para trabalharem em lavouras de café, cana-de-açúcar ou outras atividades. Ficavam meses fora e até mais de ano. No Vale, ficavam as mulheres e por isso a região era também chamada de Vale das Mulheres.
           Eram elas que assumiam o sustento de seus filhos, com a ausência dos maridos. E o artesanato era a garantia da entrada de algum dinheiro, que pudesse ajudar no sustento de suas famílias. Praticamente, todas as mulheres do Vale, no século passado, trabalhavam com o artesanato. Até os dias de hoje, a maioria do artesanato feito no Vale do Jequitinhonha, saem de mãos femininas.
          Sempre apareciam compradores. Eram pessoas vindas de outras cidades e até estados. Compravam peças, para revenderem. Pagavam pouco, mas ajudavam em muito às mulheres do Vale.
          Quando vendiam as peças, mesmo por um valor baixo, era uma alegria imensa, conta Lilia. Com o dinheiro da venda das peças, sua mãe e avó, iam direto para o pequeno armazém da comunidade, comprar alimentos.
          Mesmo ainda criança, Lilia conta que percebia as dificuldades da família, em manter casa: “fui vendo as dificuldades delas e com isso aprendi muito. Meu pai trabalhava fora, no sertão, e demorava para voltar e trazer dinheiro, para nossas despesas. As coisas não eram fáceis, nessa época”, conclui.
          “Aos 16 anos me casei com Erinaldo Dias dos Santos. Fui morar na casa de minha sogra. Morei lá por mais ou menos um ano. Depois meu marido viajou para trabalhar numa usina de açúcar e fiquei na casa de minha mãe. Com isso, fui aperfeiçoando mais ainda meus conhecimentos sobre a arte em barro, pois, ajudava minha mãe. Um ano depois, meu marido voltou e compramos uma casinha. Mas o marido continuava viajando para trabalhar e eu ficava aqui, trabalhando com o artesanato”, conta a artesã. 
          Segundo Lilia, seu marido, atualmente, não viaja mais para trabalhar fora, e sim, lhe ajuda nos trabalhos mais pesados, como buscar argila no mato, socar, etc. O casal tem um filho, hoje com 8 anos. (na foto abaixo, Lilia Xavier, sua mãe e seu artesanato)
          Lilia Xavier, na foto acima ao lado de sua mãe, é hoje, uma das mais conhecidas artesãs de sua região e seus trabalhos, valorizados e presentes em todos os estados brasileiros, já que a artesã, usa as redes sociais para divulgar seus trabalhos. O contato com a artesã, mais fácil é pelo WhatsApp: (38) 99852-0991 e pelo Instagram: @atelieliliaxavier
O artesanato do Vale no Século XXI
          A vida no Vale mudou, nessas duas décadas iniciais do século XXI. Realidade bem diferente, da vivida pelo povo no século passado. Falta muito que melhorar ainda, mas, em relação há décadas atrás, melhorou um pouco.
          Os artesãos e artesãs, são hoje conscientes do valor e importância de seus trabalhos. Estão organizados em Cooperativas e Associações de classes. No de Campo Alegre, distrito de Turmalina, onde mora Lilia Xavier, os lavradores, artesãos e artesãs, estão organizados na Associação de Lavradores, Artesãos e Artesãs de Campo Alegre, fundada em 1985.
          A entidade tem parceria com o Sebrae, que ajuda, oferecendo cursos com certificados, como curso de marketing, embalagens, como colocar preços nas peças, etc. Além disso, na sede da Associação, tem uma loja que comercializa peças dos artistas locais, bem como, a entidade, representa os artesãos e artesãs em feiras e exposições, no Estado e no Brasil.
          Organizadas e melhor informadas, tem mais condições de negociarem suas peças, por um preço justo, valorizando seus trabalhos e se valorizando. As mulheres do Vale, por estarem mais organizadas e unidas, além de inseridas no mundo digital, conseguem vender com mais rapidez e facilidade, suas peças. Isso faz com que a arte do Vale do Jequitinhonha, seja conhecida, não só no Brasil, mas em todo o mundo.
          A arte das ceramistas do Vale do Jequitinhonha, está na alma e pulsa no coração do sertanejo. Fazem suas peças com alegria e prazer, não para vender, apenas. Por amor à arte de trabalhar o barro, porque no barro, está a sua vida, a sua história, o passado das mulheres e homens do Vale.
          O Vale do Jequitinhonha, é arte, é de Minas Gerais. Na dureza da terra seca do sertão, saem das mãos calejadas, dos artesãos e artesãs, a sua própria identidade, única e autêntica. Do coração dessa gente, sai a sua própria história, moldadas por suas mãos e expressadas em seu artesanato. 
          Assim é a arte do Vale, assim é o povo do Jequitinhonha, assim é o sertão de Minas Gerais. Como bem disse o escritor Euclides da Cunha (1866/1909): “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
(Todas as peças que ilustram a matéria, foram feitas pela artesã Lilia Xavier para a edição)

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