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segunda-feira, 2 de maio de 2022

Tradição e nostalgia das antigas vendas e botecos

(Por Arnaldo Silva) A geração atual convive com grandes hipermercados, lojas de conveniências, bares sofisticados e shoppings. A geração anterior, vivia nos tempos dos antigos armazéns de Secos e Molhados, botequins e vendas de esquina. Embora antigos, são tradicionais e alguns resistem ao tempo e modernidade, estando presentes, mesmo que em menor número, em todas as cidades mineiras, inclusive na capital.
          As mercearias e armazéns tem praticamente o mesmo significado e funcionavam no mesmo lugar. Os armazéns surgiram em Minas Gerais, nos tempos do Brasil Colônia. Era um espaço amplo, onde eram armazenados produtos secos e molhados, para serem vendidos nas mercearias. Eram os armazéns que abasteciam as mercearias e em sua maioria, os armazéns também eram mercearias.(na foto acima de Lucas Vieira, a tradicional Venda do Zeca na Zona Rural de Jaboticatubas MG, na MG-10, Km 98, na ativa desde 1911)
          Eram os armazéns que abasteciam as mercearias e em sua maioria, os armazéns também eram mercearias.(na foto acima do Fabinho Augusto, uma antiga e tradicional que existiu em Barro Branco, distrito de Ponte Nova MG, até bem pouco tempo)
As mercearias e armazéns          
          No significado geral, mercearia era uma loja para venda das especiarias, bebidas, gêneros alimentícios e miudezas de uso doméstico, que ficavam armazenadas nos armazéns, garantindo assim estoque. As construções eram divididas. A frente era a mercearia e os fundos, o armazém, onde os estoques eram guardados.
          
 Eram lojas formais, presentes nos grandes distritos e cidades, que vendiam seus produtos em suas mercearias, bem como, para outras mercearias. Os armazéns eram comércios atacadistas e varejistas. (na foto acima de Elpídio Justino de Andrade, um desses tradicionais armazéns, que também eram mercearias. É o Armazém 2 Irmãos, datado de 1854, em Faria Lemos MG, Zona da Mata)
          Compravam e vendiam produtos oriundos das fazendas como feijão, arroz, manteiga, banha, fumo, palha para cigarro, linguiça, carnes, leite, doces, queijos, etc., e principalmente, de necessidades básicas que não eram fabricados nas cidades onde estavam estabelecidos, como sal, querosene, tecidos, linhas, agulhas, lamparinas, panelas, penicos, baldes, ferramentas, roupas, sapatos, chapéus, etc. Esses produtos chegavam às cidades pelos tropeiros ou mesmo, em carros de bois. Eram viagens longas, que levavam meses.
Boteco, Botica e Botequim
          Existiam também nas pequenas vilas e cidades, os botecos ou botequins, sendo estes muitos populares. A origem do boteco vem de botica, que literalmente, era uma caixa de madeira, tradicional em Portugal e introduzida no Brasil, nos tempos do Brasil Colônia. Nessa caixa de madeira eram colocados remédios e levados às cidades e vilas.
          Não existia na época remédios em cápsulas ou comprimidos. Eram medicamentos líquidos e colocados em vidros. No Brasil Colônia, as boticas eram levadas pelos mascates e tropeiros em carroças e carros de bois, cortando as estradas do nosso sertão. (na foto acima de Thelmo Lins, uma tradicional venda em Virginópolis MG)
          Com o crescimento dos povoados e cidades, foram surgindo lugares próprios para a venda desses remédios nas cidades, que passou a se chamar boticas. Sãos as antigas boticas, as precursoras das farmácias, de hoje.
          As boticas foram inspiração para surgir lugares para a venda de bebidas, não para curar as mazelas do povo, mas para vender as bebidas típicas das localidades em garrafas, como cachaça, vinhos, licores. Tempos depois, começaram a servir petiscos, como chouriço, linguiça, mandioca, torresmos, etc.
          Boteco ou Botequim são, literalmente, diminutivos de botica. Botecos em Minas são populares, hoje chamados de bares. Antigamente os botequins serviam de encontros entre boêmios, hoje, os bares são lugares de encontro, entre amigos e amigas.
          Alguns botecos são tão populares, pitorescos e tradicionais que passaram a ser ponto de encontro de amigos, para conversar, beber um pouco, comer algo juntos, como por exemplo o Boteco Zé do Arame, em Conceição de Ibitipoca, distrito de Lima Duarte na Zona da Mata, à esquerda da foto acima da Giseli Jorge. Se prestar atenção, a data de fundação do boteco está assim na placa: Desde 19 e 00 (bolinhas). 
          Outro boteco famoso e charmoso em Conceição de Ibitipoca, é este, na foto acima o do Lucas Vieira, o Pão, Linguiça & Cia. Pela imagem, dá para perceber que é um lugar gostoso demais, bem no meio da charmosa Vila Colonial, porta de entrada para o Parque do Ibitipoca. 
As vendinhas de esquinas         
          Já as vendas, mais populares e mais comuns que os botecos e armazéns, são um pouco dos dois. Surgiam aos montes nas esquinas das vilas e cidades e geralmente, faziam parte da casa dos donos. Os nomes das vendas eram geralmente associados aos nomes ou apelidos dos seus donos. Vendiam tudo o que era vendido nos armazéns, bem como, tudo que era vendidos nos botecos, por isso eram chamadas de vendas.
          Embora cada dono de venda, organizava seu estabelecimento conforme o espaço que tinha, as vendas era bem parecidas. Eram de esquina, com 2, 3 ou 4 portas na frente, sem janelas, com estantes em madeira nas paredes, onde ficavam as bebidas e vários produtos e miudezas. Um balcão de madeira com vidro, onde ficavam as guloseimas.  Caixotes, onde eram colocados os produtos a granel, como feijão e arroz. Balança com pesos comparativos, sobre o balcão. Tinham algumas vendas com balanças mais modernas para a época, como a Filizola. (na foto acima e abaixo de Arnaldo Silva, a Venda da Emília, no Arraial do Conto em Cordisburgo MG, região Central)
          Sobre o balcão das vendas, nunca faltava baleiros, além de um monte de miudezas penduradas no teto e um rádio de pilha, sintonizado na rádio AM da cidade. Em algumas vendas tinha até radiolas e gravadores rodando fitas k-7, para os fregueses. Tinha também uns tamboretes e mesas rústicas, onde os amigos sentavam para prosear e tomar umas pingas e comer uns tira gostos caseiros. (na foto abaixo, de Arnaldo Silva, a Venda da Emília)
          Mesmo com o espaço pequeno das vendas, nelas, cabia de tudo e dificilmente não se encontrava o que se procurava. Desde linha, agulha, carne de sol, discos de vinil, réstia de alho, xarope de groselha, colcha de chenile, fitas k-7, salame, bucha, fumo de rolo, manivela para pipa, vara de pescar, anzol, bacalhau, prego, bolinhas de gude, ratoeira, enxada, açúcar, ki-suco, picolé, pilhas para rádio, lâmpadas, arroz e feijão vendidos em granel, brinquedos, pratos, canecas, carrinho de mão, bules, raticidas, naftalina, gaiolas, doces.
          Além disso, tinha balas, sapatos, shampoo, banha de porco, lápis, borracha, linguiça, sal, querosene, lamparina, marmelada, baldes, trempe para fogão a lenha, esmalte, tachos de cobre, maria-chiquinha, sabão, pasta de dente, leite, queijo, farinha, fubá, panelas, penico, bacias, pão de sal.
          Sem contar a utilíssima Folha Mariana, a tabuada, café moído na cara do freguês e em algumas vendas, o café era também coado na cara do freguês, se ele preferisse. Era tudo bem embrulhado. 
          Nas vendas, o que não era encontrado era porque ainda não tinha sido inventado.
A caderneta
          Poucas pessoas pagavam na hora. Tudo anotado numa caderneta, item por item. No início do mês, o freguês ia lá, sem falta, e pagava. A confiança e honestidade eram valiosos e todos faziam questão de honrar seus compromissos, com os donos das vendas. Ninguém se preocupava em vender fiado, sabiam que todos pagavam.
Ponto de encontro de amigos e famílias
          As vendas eram lugares para todos da família. Tinha de tudo para todos até para as crianças. Os baleiros eram o encanto da infância, tinha todas as balas que a criançada adorava. Dentro do balcão tinha tantas guloseimas, que os meninos, ao olharem, ficavam com os olhos brilhando. (na  foto acima do Amauri Lima, a Venda e Mercearia do Israel São João Batista do Glória MG)
          As mulheres encontravam nas vendas utilidades para seu dia a dia, bem como para os cuidados da casa. Já os homens, eram os grandes frequentadores das vendas, isso porque, além de ter tudo o que precisavam para seu dia a dia, tinha também as pingas e os amigos, frequentadores da venda. Além da pinga, em algumas vendas, serviam tira gostos de torresmo com mandioca e os populares pão com salame e pão com linguiça frita. O que não faltava nas vendas era o xarope de groselha. Adoravam misturar 
pinga com groselha. 
Diferença de vendas antigas e mercados atuais
          As fotos acima retratam bem como eram bem organizadas, pitorescas, nostálgicas e aconchegante as vendas antigas. Dá vontade de chegar e ficar. (na foto abaixo do Deocleciano Mundim, o Bar do Baiano, local que serviu por muito tempo como rodoviária da cidade de Lagoa Formosa MG, Alto Paranaíba)
          
Diferente de hoje, com os mercados e grandes mercados, você entra, coloca tudo num carrinho, paga e vai embora. As vendas, eram lugares de amigos. Mesmo para comprar um ou dois itens, chegando nas vendas, demorava para sair. Sempre encontrava-se amigos, parentes e conversas rendia, enquanto o tempo passava. Mas ninguém ligava, não existia a correria do dia-a-dia de hoje.
          Isso porque o bom de estar numa venda, é conversar com o dono e sua família e com os amigos, compadres e comadres, que lá estavam. O ambiente era totalmente familiar e os frequentadores, eram chamados de fregueses.
A origem de freguesia e fregueses
          No século XVIII, os pequenos povoados que surgiam, antes de serem elevados a distrito ou cidades, eram elevados a Freguesias. Quem morava numa freguesia, era chamado de freguês. Nessas freguesias, existiam, apenas um armazém de Secos e Molhados, que garantia o abastecimento da freguesia. Existiam várias vilas e distritos, mas eram bem distantes umas das outras, o que dificultava a ida a outras freguesias. Assim, os fregueses, só compravam nos armazéns de sua freguesia. Com o tempo, a palavra freguês se 
popularizou, como aquela pessoa que só comprava num determinado lugar, se mantendo sempre fiel, bem como uma tradição de comprar no mesmo lugar, que passava para gerações.
        Nas vendas, nem precisavam de dinheiro, bastava uma simples caderneta onde eram anotadas as compras dos fregueses. Quem era freguês de uma determinada venda, dificilmente comprava em outra. Isso porque, além de serem fregueses, mantinham laços de amizades, afinidades e respeito ao dono da venda, sendo esse o segredo da boa freguesia. Os fregueses não andavam de venda em venda. Iam direto nas vendas de sua freguesia. (na foto acima da Elvira Nascimento, a tradicional Venda do Chico em Ouro Preto, que funciona num casarão colonial, no Largo do Cinema).
          Hoje, com a modernidade dos grandes comércios, a palavra freguês passou a desuso, substituída pela palavra, cliente, que literalmente significa, comprador. É aquela pessoa que compra, independente do mercado, loja ou estabelecimento, sem ser fiel ou comprar exclusivamente, em determinado estabelecimento. E assim são vistos pela empresa, não como amigos, como nas antigas vendas, apenas como compradores.
Ainda existem
          Apesar das facilidades e conforto da modernidade, em pleno século XXI, em muitas cidades mineiras, muitas das tradicionais vendas e antigos armazéns, ainda resistem ao tempo, da mesma forma que antes, sem nada mudar e ainda, vendendo fiado, com tudo anotado nas cadernetas. (na foto acima Luiz Fernando, a tradicional venda Venda Alto Minchillo em Guaranésia MG)
          São lugares que nos faz voltar ao tempo e mesmo a geração atual, se emociona com a beleza rústica e poética das antigas vendas, botecos, mercearias e armazéns, presentes principalmente nas cidades e vilarejos do interior mineiro. 

2 comentários:

  1. Um passeio encantador por nossas infâncias e juventude! Parabéns Minas!

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  2. Adorei essa matéria!!! Boníssimas lembranças! Tinhamos muitas opções na infancia. Venda do Seu Geraldo, Armarin do Tuim, Armarin do Seu Nagib, Venda do Baiano, Venda do Seu Salim, e muito mais.

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