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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Alagoa e a história da centenária receita de seu queijo

(Por Arnaldo Silva) Alagoa é uma cidade charmosa, elegante, tradicional, aconchegante e de um povo gentil e hospitaleiro. São pouco mais de 2800 mil habitantes, que vivem do pequeno comércio, da prestação de serviços, da pequena indústria como laticínios, produção de azeite de oliva e queijarias artesanais, além da agropecuária. O município fica no Sul de Minas, a 1132 metros de altitude, no alto da Serra da Mantiqueira. Faz divisa com os municípios de Itamonte, Aiuruoca, Baependi e Bocaina de Minas, estando distante 420 km da capital. Para chegar à cidade, a opção é pela estrada que vem de Itamonte ou por Aiuruoca. (foto abaixo enviada pelo Osvaldo Filho do Queijo D´Alagoa) 
          Embora seja um dos menores municípios de Minas, em número de habitantes, Alagoa é uma das mais antigas povoações mineiras, tendo sua história iniciada em 1710, no século XVII, com a chegada de bandeirantes em busca de ouro. Quando os bandeirantes chegaram à região, encontraram uma enorme lagoa com cerca de 3 km de extensão e ainda, em seu leito, tinha o tão procurado metal, o ouro. A lagoa não tinha nome, era chamada apenas de “a lagoa”. 
          A busca desenfreada pela retirada do ouro foi tão intensa, que da lagoa nada existe. Sobrou apenas o nome pela qual era chamada, “a lagoa” que passou a ser o da cidade, juntando o “a” com “lagoa, ficando, Alagoa, elevada à cidade emancipada em 28 de dezembro de 1962. (foto abaixo enviada pelo Rafael Faria, da queijaria Sítio do Morro)
          A cidade preserva a religiosidade, a cultura, a gastronomia, história e tradições de Minas. Seus moradores tem hábitos tipicamente mineiros. Todos se conhecem e boa parte, tem algum tipo de parentesco. Visita que chega vai logo pra cozinha, tomar café, comer pão de queijo e biscoitos assados no forno do fogão a lenha, tomar aquele café coado em coador de pano e claro, comer queijo.

          Casario colonial bem preservado, ruas calçadas com paralelepípedos. Os poucos carros que circulam em suas estreitas ruas, dividem espaço com as tradicionais charretes ou pessoas montadas em cavalo, pela cidade. Em Alagoa, os dias da semana parecem com os domingos. Dias calmos, sossegados, e tranquilos, rompidos apenas pelo barulho dos sinos da Matriz. (fotografia acima e abaixo de autoria de Marlon Arantes)
          Cidades assim, geralmente passam despercebidas, mas Alagoa é diferente, por um detalhe que a torna famosa e conhecida em Minas, no Brasil e no mundo inteiro: o seu queijo, cuja receita é preservada há mais de 100 anos. Um queijo especial, de sabor único, só encontrado no município e em nenhum outro lugar. 
          No final do século XIX e início do século XX, chegaram ao Brasil centenas de milhares de imigrantes europeus. Alguns desses imigrantes, em especial, dinamarqueses e italianos, vieram para o Sul de Minas.
          Entre esses imigrantes, chegou a Alagoa, Paschoal Poppa, com sua esposa Luiza Altomare Poppa. De origem familiar queijeira, o casal conhecia muito bem a arte de fazer queijos. Perceberam a semelhança do clima das montanhas da Mantiqueira, a qualidade da água e da terra, que permitia uma pastagem de qualidade, além da geologia e da altitude, com as terras italianas. Semelhanças essas que, aliada aos conhecimentos dos italianos sobre a produção de queijos e vontade de, literalmente, pôr a mão na massa, são fatores primordiais para se produzir queijos de qualidade.
          Poppa começou a desenvolver sua receita, inspirada no queijo Parmesão, de Parma, na Itália. Embora tenha percebido semelhanças com o clima italiano, há uma grande diferença entre semelhança e ser igual. Isso porque, em se tratando de queijos, o que define a qualidade, aparência, cor, textura e sabor dos queijos, além da pastagem, manejo de gado, clima e qualidade da água, são as bactérias benéficas presentes no leite e os fungos que se formam durante a maturação e não propriamente dito, uma receita. (na foto abaixo, enviada pelo produtor Renato, a Fazenda Bela Vista, onde se produz o queijo Bela Vista)
          Queijo é um alimento vivo e cada região tem bactérias e fungos lácteos próprios, sendo formados de acordo com as características climáticas da região, bem como a qualidade e manejo do gado. Não é receita que dá textura, cor, característica, aparência e sabor aos queijos e sim bactérias e fungos, formadas durante o preparado e maturação dos queijos.
          Por esse motivo que o queijo feito em Alagoa é o Queijo de Alagoa, com identidade, peculiaridade, com características únicas e próprias, porque as bactérias e fungos presentes nesse queijo, são características de Alagoa, presentes nesta região somente e em nenhuma outra região, por isso é queijo é único.
          Com sua receita, Poppa começou com uma pequena queijaria. em sua propriedade. O negócio foi crescendo, o queijo foi caindo no gosto dos moradores da região. Em parceria como o produtor rural João Luís da Fonseca, construiu três laticínios no município, aumentando a produção e abrindo novos mercados na região, bem como tornando o queijo popular, atraindo o interesse de outros produtores em produzir queijos. Poppa passou sua receita para Gumercindo Ferreira Pinto, que ensinou a seus filhos, passando de pai para filho, de laticínio para laticínio, de família para família, até os dias de hoje. O mesmo aconteceu com outras famílias, que aprenderam a receita de Paschoal Poppa e começaram a fazer queijos e continuam até hoje.
          Aos poucos o Queijo Artesanal de Alagoa foi saindo das divisas alagoense e alcançando outras cidades da região, inclusive cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, na divisa com Minas Gerais. No início, os queijos eram levados por tropeiros, em lombos de burros, cortando a Serra da Mantiqueira. (na foto abaixo, enviada pelo Renato, queijos da Fazenda Bela Vista)
          Assim surgia o Queijo Artesanal de Alagoa, um queijo único no mundo, com sabor inigualável. Hoje, o Queijo Artesanal de Alagoa é a principal identidade gastronômica da cidade.
          Experimentei o Queijo Artesanal de Alagoa e constatei que ele tem um nível maior de umami. Esse nome tem origem japonesa e significa delicioso, saboroso. É o chamado “quinto sabor”, que alguns alimentos especiais, proporcionam e nos fazem descobrir. Alimentos umami se caracterizam por dar água na boca, além de salivar, ao olhar. É aquele alimento que colocamos na boca e demoramos um pouco para engolir, para aproveitar mais o sabor e querer comer mais.
          No caso do Queijo Artesanal de Alagoa, um sabor a mais, diferente e único que desperta o quinto sabor (umami) das pessoas, agradando e aguçando os mais exigentes paladares.
          Seu sabor único e inigualável e seu terroir próprio, são os motivos de tanto sucesso. Terroir (pronuncia-se “terruá) é uma palavra francesa que define um conjunto de características próprias do produto de um determinado lugar, que faz com que a produção local seja única. Em Minas pronunciamos “Trem-ruá”, nominação dada pelo Mestre Queijeiro Túlio Madureira, do Serro MG. 
          No caso de Alagoa, é a combinação das montanhas, pastagens, clima, água, solo, manejo do gado e evidentemente, bactérias e fungos, que resultam no “trem-ruá” próprio e único do Queijo Artesanal de Alagoa. (na foto acima enviada pelo Rafael Faria, Queijo Artesanal de Alagoa Sítio do Morro)
          A centenária receita é guardada com carinho pelos alagoense. A mesma receita pode ser feita em outras cidades, outras regiões com leite de qualidade, mas nunca vai ser igual ao queijo feito em Alagoa, como citei acima, devido às bactérias e fungos, presentes nas regiões, no caso de Alagoa, são bactérias e fungos naturais da região.
          Tem como levar uma receita para outra região ou mesmo fazer a mesma receita em outro país, mas levar fungos e bactérias junto com a receita, é impossível. Pode fazer a mesma receita, seguindo tudo à risca, mas a ausência das bactérias e fungos que caracterizam o queijo, fará que o sabor, textura e até a cor, sejam diferentes, pode até lembrar ou parecer, mas igual, com certeza, nunca será. É isso que define o terroir ou o nosso trem-ruá.
          Das queijarias de Alagoa, dezenas de produtores preservam a tradição da produção de queijo em família e a receita original e centenária do Queijo Artesanal de Alagoa. Mesmo com as atuais exigências legais e sanitárias, dos maquinários modernos usados para fazer os queijos hoje, do trabalho que dá fazer, aguardar a maturação e comercializar os queijos, continuam a produzir um queijo de altíssima qualidade, mantendo o sabor único, tradicional e original dos queijos, desde 1920.
          Ainda tem as famílias alagoenses que produzem seus queijos da forma tradicional, exatamente como no século passado, totalmente artesanal. (na foto abaixo do Jerez Costa, o Queijo D´Alagoa, do produtor Osvaldo Filho)
          O começo da produção do queijo artesanal começa já na pastagem. Tem que ser capim de qualidade, bem como a água, tem que ser limpa e pura, preferencialmente, água vinda direto da mina. Pastagem e água de má qualidade, interferem no sabor do leite, e como consequência, no sabor do queijo.
          O queijo é feito com leite cru, fervido no fogão a lenha. O fermento sai da própria produção que sobra do produto. Os vasilhames usados para produzir o fermento não são lavados com detergentes, para não alterar o ácido e prejudicar a formação do fermento, que é feito num dia e usado no dia seguinte.
          Em seguida o queijo é colocado em gamelas bem limpas, de madeira de pinho, ótimas para conservar melhor o queijo, além de fazer com que a massa absorva a cor da madeira, dando ao queijo uma cor amarela, e ainda, ajuda na maturação. Resumidamente, esse é o processo de produção do Queijo Artesanal de Alagoa.
          O queijo está presente na vida do povo mineiro desde o século XVIII. É uma das principais identidades de Minas Gerais e Alagoa tornou-se uma das principais regiões queijeiras do Estado, justamente pela qualidade de seus queijos, reconhecida e premiados em nível estadual, nacional e internacional. 
          Destaques para os queijos da Fazenda Bela Vista, do produtor Renato, medalha de ouro no último concurso internacional do Mondial Du Fromage, a copa do mundo dos queijos, realizado na França em 2019, além do Queijo D´Alagoa, do produtor Osvaldo Filho, medalhas de prata e bronze, no mesmo concurso. O mesmo queijo, do Osvaldinho, como é conhecido, foi eleito o Queijo do Ano em 2018, em São Paulo. (na foto acima, enviada pelo Osvaldo Filho, o Queijo D´Alagoa, marcando presença em París/França)
          Outros produtores do município, vem entrando no mundo dos queijos artesanais mineiros e se destacando pela qualidade e sabor, como o queijo artesanal Sítio do Morro, da família do produtor Rafael Faria.
          O Queijo Artesanal de Alagoa é tão especial e importante para Minas que a região foi identificada e reconhecida pelo Governo de Minas Gerais, através do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER/MG), órgãos ligados à Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa/MG), como região produtora de queijo artesanal, através das portarias 1985 e 1986, anunciada em junho de 2019.
          Nesse mesmo dia, além do reconhecimento como região produtora de “Queijo Artesanal de Alagoa”, foram reconhecidas as cidades de Aiuruoca, Baependi, Bocaina de Minas Carvalhos, Itamonte, Liberdade, Itanhandu, Passa Quatro e Pouso Alto, no Sul de Minas, como produtoras de “Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas”.
          Tanto o Queijo Artesanal de Alagoa, bem como o “Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas”, tem características, peculiaridades e identidades próprias, que os diferem do Queijo Minas Artesanal (QMA), produzidos nas atuais 7 regiões queijeiras mineiras que são: Canastra, Cerrado, Serra do Salitre, Araxá, Triângulo Mineiro, Campo das Vertentes e Serro. Os queijos das regiões QMA são produzidos com o pingo, ao contrário dos queijos da região queijeira de Alagoa e da Serra da Mantiqueira de Minas, que utilizam fermento natural, além de aquecer o leite durante o processo de produção. A similaridade é que todas essas regiões, usam o leite cru na produção dos queijos. 
          Segundo dados de 2019, da Emater/MG, em Alagoa existem 139 queijarias artesanais, com uma produção anual de 58,4 mil toneladas de queijo, sendo vendidos na região, presentes ainda em pontos de vendas e algumas queijarias, como a Queijo D´Alagoa (na foto acima enviada pelo Osvaldo Filho, se destaca pela venda de seus queijos em loja física e online, com entrega pelos correios.

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