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sábado, 6 de janeiro de 2018

A casa de meus avós

(Por Arnaldo Silva) Quando eu ia pra roça, de longe já avistava a casa dos avós, no povoado do Salitre. Era uma casa em estilo barroco, na cor branca por dentro e por fora, com janelas e portas em madeira, pintadas de rosa. Não tinha chaves, nem cadeados. Eram trancadas com tramelas. (a imagem acima é uma tela do artista plástico Alfredo Vieira e mostra a semelhança do lugar com a casa de meus avós.)
          Ao redor da casa tinha um quintal enorme. Ao lado um curral bem cuidado, cheio de vacas leiteiras. Tinha também um paiol ao lado que vivia sempre abarrotado de milho. 
          No quintal tinha um enorme cajueiro. Vários pés de laranjas e mexericas. Jabuticabas e goiabas tinham demais. Jambo, manga, romã. Entre um pé de manga e o cajueiro, tinha algumas varas de bambus que servia de poleiro para as galinhas, que eram criadas soltas.
          Elas faziam os ninhos no mato e saíamos sempre pelo mato a fora para encontrar os ninhos. Rapidinho já estava de volta com cestos cheios de ovos.
          Ao lado da cozinha tinha um giral, onde minha avó colocava as panelas lavadas e bem areadas. Minha avozinha querida sabia fazer sabão caseiro e muito bem.
          O fogão a lenha era um brinco, muito bem cuidado e barreado todos os dias. Tinha uma travessa de madeira sobre ele, onde sempre tinha lingüiça e carne pendurados para defumar naturalmente.
          Pra lavar roupas tinha uma mina, a uns 100 metros da casa. A água era pura e cristalina e as roupas ficavam limpinhas. Minha avó fazia as roupas. Tinha uma roda de fiar e máquina de costura. Costurava como ninguém e ensinou isso para todas as filhas.
          Água pra beber e fazer comida vinha da mina. Minha avó buscava na mina em potes de barro e sempre ficava fresquinha. Um sabor totalmente diferente.
          A cama era feita com madeira de cerejeira, encontradas na mata mesmo. O colchão era pano cheio de palha e o travesseiro era pano cheio de flor de paina.
          Não podia deixar de ter na casa, claro, uma dispensa. Nessa dispensa eram guardados o arroz, o feijão e mantimentos. Nela também se fazia os queijos. Lembro bem, no teto, tinham tábuas amarradas em cordas, cheio de queijos. Tinha uma porta e uma pequena janela, sem iluminação. Parecia uma caverna. Por isso que os queijos da minha avó eram bons demais. 
          A maioria dos queijos era para vender ou trocar e claro, fazer as quitandas que minha avó sabia fazer como ninguém. Tinha um mandiocal na fazenda e meus tios colhiam as mandiocas e minhas tias faziam farinha e polvilho. Nunca comi quitandas tão gostosas como minha avó fazia.
          Na casa, sempre tinha biscoitos de queijo e de polvilho para os filhos, netos e claro, para as visitas.
          A casa era grande. A família era numerosa. Com a minha mãe eram 11 filhos. Naquela época ninguém tinha menos de sete filhos. Não existia a época as opções de diversão de hoje, nem energia elétrica.
          O jeito era deitar cedo e namorar. Como não existia anticoncepcionais naqueles tempos, quase todo ano era um filho. E ter muitos filhos era motivo de orgulho dos pais e quanto mais filho melhor. Desde pequenos, os filhos já iam para o trabalho na roça. Tinha criança de sete anos pra cima já tirando leite, buscando gado no pasto ou fazendo algum tipo de trabalho na roça. Debulhar milho, cortar mandioca, bater feijão ou arroz eram os trabalhos mais comuns que todos faziam. 
          O curioso era a casa por dentro. Tinha sala, cozinha, copa e quartos normais. O quarto dos homens era normal, com porta. Das mulheres não. A entrada ou saída é por um único lugar, pelo quarto dos pais e sem porta. Se elas fossem entrar ou sair, tinham que passar pelo quarto dos pais. 
          Isso era para proteger as moças ou no caso, as famílias da desonra, caso algum interesseiro aparecesse ou as moças pensassem em dar uma escapulida à noite ou mesmo fugir. Ao entrarem para o quarto para dormir, lá ficavam. Não saiam para nada. Se tivessem vontade de fazer algo, tinha penico embaixo da cama, mas sair à noite, de jeito nenhum.
              Assim também era a casa. O quarto das moças, que na verdade eram dois quartos, tinha entrada por dentro do quarto do casal. A cama ficava rente a porta de entrada do quarto das meninas e ao lado, uma vara de marmelo. Caso elas aprontassem, a vara comia no couro delas.
          Não tinha banheiro dentro de casa. Pra eles isso era falta de higiene. Tinha o que antigamente se chamava de “casinha”. Era uma pequena casinha, sobre uma fossa, com um buraco no meio. Sempre tinha sabugo de milho dentro da casinha. Não tinha papel higiênico e o sabugo era para limpar mesmo. Ardia que era uma beleza! Tinha uns que usavam folhas de bananeiras, mas era muito lisa e escorregava e acabava sujando mais que limpando.
A maioria preferia ir para o mato mesmo.
          Mas ninguém nunca morreu por causa disso. O avô paterno de minha mãe morreu com mais de 100 anos, dizem que ele morreu com 127 anos. Meu avô materno viveu até os 87 anos e os outros irmãos dele, passaram dos 90. Minha tia, irmã de minha avó morreu com 91 anos. 
          Eles trabalhavam muito. Levantavam cedo, antes de o galo cantar para buscar o gado no pasto, tirar leite ou ir para a roça plantar ou colher. Arroz, café, feijão, mandioca, milho.          Começavam de madrugada e só voltavam ao pôr do sol. Cada um levava uma cabaça cheia de água, enxada, foice e na capanga, tinha um caldeirão pequeno com a comida, uma vasilha com biscoitos e outra cabacinha com café. E assim passavam o dia.
          Nos meses de maio, agosto e dezembro, todos os membros da família se reuniam para um almoço especial. Além do tradicional almoço de domingo. Dias das Mães, Dia dos Pais e Natal era imprescindível a presença de todos na casa. E era um encontro maravilhoso. Os parentes vinham de longe só para visitar os pais nessas datas. Ausência era por um motivo muito justo e quase que injustificável. A família era valorizada e não tinha trabalho ou compromisso que impedisse a viagem. Só algo grave mesmo.
          Quando eles se foram desse mundo, não teve mais esses encontros de família. O encontro era em torno deles e todos os filhos os respeitavam. Tradição tão linda que se foi.
          Era obrigatório tomar bênção dos avós, tios, pais e padrinhos. Sempre fomos ensinados a isso. Ao levantar e ao deitar sempre se ouvia “bença mãe, bença pai”, “bença tio, bença tia”, “bença vó, bença vô”.
          São atos tão fáceis, tradicionais e de enorme valor sentimental. Pena que a geração de hoje não conhece isso. O prazer da reunião familiar em torno dos pais, da obediência aos mais velhos e de pedir a bênção para um pai, mãe, tios e avós. Receber um “Deus te abençoe meu filho” faz bem para o coração e alma.

4 comentários:

  1. Que lindo vivi uma parte de tudo isso

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  2. Graças a Deus, eu vivi e participei dessa era. Tenho oitenta e um anos.

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  3. Eu tambem participei dessa era.Tenho oitenta e dois anos e os melhores dias da minha vida eu passei com meus avós.

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  4. Tão bom saber que ainda tem gente como a gente!Obrigado

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