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terça-feira, 26 de julho de 2022

Novo trem turístico entre Minas e São Paulo

(Por Arnaldo Silva) A Ferrovia Minas e Rio, inaugurada em 1884 pelo Imperador Dom Pedro II, terá parte dos 170 km recuperados e o trem voltará a circular pela histórica ferrovia, para fins de turismo. O trecho a ser recuperado e reativado, ligará a Estação Central de Cruzeiro no Leste de São Paulo à Estação Rufino de Almeida, na zona rural deste município, na divisa com Passa Quatro MG, Sul de Minas. O trecho inicial será de 6 km com projeção de ampliação do trecho entre Cruzeiro/SP e Passa Quatro MG. Entre as duas cidades são 34,5 km de distância.
          Atualmente, apenas 20 km dos 170 km originais da Ferrovia Minas e Rio estão em operação sob a responsabilidade da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). Trata-se do trecho entre o km 24 ao 35, onde opera o Trem da Mantiqueira, em Passa Quatro MG e do km 80 ao 90 do Trem das Águas, entre São Lourenço MG a Soledade de Minas. Em São Sebastião do Rio Verde MG, projeto visa recuperar o trecho férreo que liga a cidade à São Lourenço MG. (na foto acima de Sérgio Mourão/@sergio.mourao, o Trem da Mantiqueira em Passa Quatro, sobre os trilhos da Ferrovia Minas e Rio)
          Os 170 km da ferrovia Minas e Rio ligava diretamente Cruzeiro/SP a Três Corações, no Sul de Minas. A Estrada de Ferro era ligada ao Rio de Janeiro por interconexão ferroviária através da Estrada de Ferro Central do Brasil, Estrada de Ferro Muzambinho e Viação Férrea Sapucaí.
A história da Ferrovia Minas e Rio
          A linha férrea Minas e Rio começou a ser construída em 1881 pela companhia inglesa Waring Brothers. Para a construção, foi criada uma empresa nacional, autorizada pelo Governo Imperial, através do decreto 7.734, de 21 de junho de 1880, com o nome de The Minas and Rio Railway.
          Três anos depois, em 14 de junho de 1884, a Estrada de Ferro Minas e Rio era inaugurada por Dom Pedro II. A viagem Imperial teve inicio na Estação de Passa Quatro MG. Os 135 km de ferrovia entre Passa Quatro MG a Três Corações MG, foram percorridos em 2h.35min a uma velocidade média de 52km/h, recorde para aquela época. (na foto acima, Estação de Cruzeiro SP em 1895. Fotografia de Marc Ferrez/Domínio Público)
          O projeto original da ferrovia iniciava numa estação do Rio de Janeiro, finalizando na Estação Rufino de Almeida, na Zona Rural de Cruzeiro/SP, na divisa com Passa Quatro MG. Em 3 de maio de 1881, foi aprovado uma modificação no traçado estendendo a linha até a Estação Central de  Cruzeiro SP.
          Mesmo a linha férrea passando a ter, a partir dessa época, a estação final na cidade de Cruzeiro SP, manteve-se até os dias de hoje o nome original da ferrovia: Minas e Rio. A recuperação da linha férrea.
Recuperação da linha e previsão de conclusão
         Sob a responsabilidade da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), o trabalho de restauração dos 34,5 km da Ferrovia Minas e Rio já está em andamento, iniciando com a recuperação dos trilhos para que o trem possa operar nos primeiros 6 km do trecho entre a Estação Central de Cruzeiro até a Estação Rufino de Almeida, na Zona rural.
         A conclusão e inauguração da primeira etapa está prevista inicialmente para o início de 2024.
         Futuramente, prevê-se a ampliação do trecho até Passa Quatro MG, no Sul de Minas, com o trem passando pelo Túnel da Mantiqueira, na divisa das duas cidades.
Dois trens turísticos na região
          Em Passa Quatro MG circula o Trem Turístico Serra da Mantiqueira, que sai da Estação de Passa Quatro fazendo o percurso até a Estação Coronel Fulgêncio, nas proximidades do Túnel da Mantiqueira. Essa é outra linha que continuará funcionando normalmente, da forma que está.
          O trem turístico que circulará entre Cruzeiro a Estação Rufino de Almeida em São Paulo, na divisa com Minas Gerais,  é outro trem e outro trajeto, embora na mesma região. Ganha o turismo, as cidades envolvidas e os turistas, que terão mais opções de passeios pela história da região e dos dois estados, lazer e cultura.         
A Revolução de 1932
          Essa região, onde operará o novo trem turístico é de grande importância histórica para mineiros e paulistas, por ter sido palco da Revolução de 1932.
          Os paulistas pretendiam, entre outros objetivos, depor Getúlio Vargas e instalar a Assembleia Nacional Constituinte. Com esse objetivo, embarcaram na Estação de Cruzeiro rumo a Três Corações MG e dessa cidade seguiriam em outro trem até o Rio de Janeiro, então capital do Brasil na época.
          Coube a Minas Gerais impedir a pretensão paulista. E conseguiram. A viagem das tropas paulistas foi curta, parou em Passa Quatro MG.
          Liderados pelo 7°Batalhão de Caçadores Mineiros, hoje 7° Batalhão da Polícia Militar, sediado em Bom Despacho MG, o 7°BCM era comandado pelo do Ten. Cel. Fulgêncio, morto em combate, impediu o avanço dos paulistas.
O Túnel da Mantiqueira
          Passa Quatro MG e o Túnel da Mantiqueira foram os campos de batalha dos mais violentos confrontos entre mineiros e paulistas. Iniciado em 9 de julho de 1932, encerrou-se 87 dias depois, após rendição dos paulistas. O acordo para encerrar o conflito foi assinado em Cruzeiro SP. Números oficiais apontam 934 mortos e outras centenas de feridos, de ambos os lados.
          O Túnel da Mantiqueira foi o palco das mais sangrentas batalhas desse conflito. Até hoje, marcas de tiros ainda podem ser vistos no túnel. Esse túnel, inaugurado por Dom Pedro II em 1884, fará parte do trajeto do novo trem. (na foto acima do Paulo Santos, o Túnel da Mantiqueira)
          Além das bucólicas e impressionantes paisagens da Serra da Mantiqueira, o novo trem turístico será de grande valor cultural e histórico para Minas Gerais e São Paulo.

sábado, 7 de maio de 2022

Tacho de cobre é liberado na produção de doces

(Por Arnaldo Silva) A arte de fazer doces é tradição em Minas Gerais desde o século XVIII. Os doces feitos em fogão a lenha, com enormes tachos de cobre e colheres pau, faz parte da vida de centenas de milhares de família mineiras.
          Nas cozinhas das fazendas e quintais mineiros, em fogão a lenha ou a gás, fazer doce é uma tradição que vem de gerações. Minas Gerais é o maior produtor de doces caseiros do Brasil, desde os tempos do Brasil Colônia. (fotografia acima de Arnaldo Silva)
          A partir de 2007, a tradição mineira, de fazer doces em tachos de cobre foi proibida e usar colher de pau também. A proibição teve como base decisão da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), que restringiu o uso desses utensílios na produção de doces.
          Por ser o maior produtor de doces do Brasil, a proibição do uso de tachos de cobre foi um duro golpe, não só na tradição mineira, mas na vida de milhares de produtores que dependem da iguaria para sobreviverem. O resultado foi a diminuição na produção de doces artesanais.
Argumentos da Anvisa
          Segundo argumentos da Anvisa, com o movimento da colher de pau, o cobre solta-se durante o cozimento, ao longo do uso. Com o longo tempo de cozimento e a forma de misturar usando a colher de pau, faz com que o metal se desprenda e se misture ao doce.
          Como consequência, o cobre presente no alimento pode causar danos neurológicos ao organismo, além de problemas no fígado, rins, sistema nervoso, ossos, além de provocar perda de glóbulos vermelhos, segundo a Anvisa.
          A recomendação da Anvisa virou lei em 2007, cumprida pelos órgãos sanitários mineiros, como a Vigilância Sanitária Estadual (Visa).
          Pela lei, os doceiros não podiam usar o tacho de cobre e se usar, tinham que revestir o tacho com outras substâncias que impedissem que o cobre se misturasse ao doce. O que era inviável para a maioria dos doceiros, devido o aumento do custo.
          Fazer doces em tacho de cobre, usando colher de pau é mais que tradição. Esses utensílios, com o leite e talento dos doceiros, formam um conjunto que dão cor, sabor e originalidade aos doces. Em tachos e colheres de inox, o metal mais recomendado atualmente na produção industrial, o sabor e a cor do doce não os mesmos. Perde-se com isso a tradição e a originalidade dos doces.
          A partir dessa época, os doceiros começaram a se unir, devido a controvérsias dos argumentos da Anvisa para recomendar a proibição dos tachos de cobre e colher de pau e comprovar que a lei é injusta. E conseguiram!
Contra-argumentos
          Além de fazer parte da tradição mineira, o cobre tem a preferência dos mineiros na produção doceira por ser mais barato que o inox e por ser uma excelente fonte de distribuição de calor, além de preservar o sabor e a cor original do doce.
          Isso porque o metal inativa as enzimas que modificam cor e sabor das frutas usadas na produção do doce. No tacho de inox é ao contrário, o doce perde a cor original, além do sabor não ser o natural. Por isso a opção pelo tacho de cobre.
          Além disso, o cobre é eficaz contra a proliferação de fungos, bactérias e de vírus, segundo afirmou a engenheira química, mestre em alimentos e doutora em Bioquímica, Amazile Biagioni Maia, durante audiência pública que discutia a proibição do tacho de cobre, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
          Ainda segundo a especialista, A FDA - Food and Drug Administration (agência americana que controla alimentos e medicamentos) o índice máximo de consumo diário de cobre é de 1 mg, isentando de risco até 10 vezes maior que esse número diário, afirmando que doces feitos em tachos de cobre não atingem esse limite diário.
Liberado o uso dos tachos
          Desde 3 de maio de 2001 que a lei de 2007 foi flexibilizada, permitindo o uso dos utensílios de cobre na produção de doces, sem revestimento, a critério das autoridades sanitárias municipais.
          Em 3/05/2022, em audiência na Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) foi confirmado pela própria Vigilância Sanitária Estadual (Visa) a liberação dos tachos de cobre e o uso da colher de pau na produção de doces mineiros, com recomendação do uso de boas práticas de higiene.
          O produtor de doces, segundo a Visa, deve manter o local da produção bem limpo e arejado, bem como todos os utensílios usados, higienizados corretamente.
          Visando conscientização sobre as boas práticas na produção de doces, os doceiros mineiros terão orientação da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), para adequarem suas docerias às normas sanitárias.
           A liberação do tacho de cobre e o uso da colher de pau na produção d doces é uma vitória da tradição e da mineiridade. Com isso, os doceiros mineiros podem voltar a produzir seus doces da mesma forma que há 200 anos, no fogão a lenha, em tachos de cobre e usando colher de pau, mas de forma consciente, respeitando as normas sanitárias. (na foto acima de Arnaldo Silva, Dona Doquinha, tradicional doceira de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto MG)
          É o resgate da originalidade da cozinha mineira e dos fazeres, sabores e saberes tradicionais das origens gastronômicas mineiras.

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Noiva do Cordeiro: a vila das mulheres

(Por Arnaldo Silva) Noiva do Cordeiro é distrito da cidade de Belo Vale, no Vale do Paraopeba. A cidade está a 82 km de Belo Horizonte e Noiva do Cordeiro a 17 km distante de Belo Vale.
História
          A história de Noiva do Cordeiro começa a partir de 1890, no século XIX, quando Maria Senhorinha de Lima, nascida em Casa Branca, distrito de Belo Vale, foi forçada por seu pai a casar-se com Arthur Pierre. Mas o grande amor de Maria Senhorinha era Francisco Fernandes, morador do distrito de Roças Novas.
          Mesmo casada, mantinha relacionamento com seu antigo amor. Quando se descobriu grávida de Chico Fernandes, como era chamado, decidiu abandonar seu casamento e viver com seu amante.
          O ato de Maria Senhorinha de Lima foi um escândalo na época, considerado uma afronta aos preceitos religiosos católicos. Era uma época de rígidas normas religiosas e sociais e de extremo preconceito para quem ousasse desafiar tais normas.
          Maria Senhorinha de Lima foi excomungada, bem como sua descendência até a quarta geração amaldiçoada, pelo padre Jacinto, da paróquia local. Sem contar a reação de sua família, que não escondeu a excomunhão de Senhorinha de Lima e a atitude do casal, fazendo questão de tornar o fato público. Isso gerou ações de extremo preconceito e hostilidades ao casal, por parte dos moradores da região.
          O casal optou em viver em Roças Novas, mas chegando ao local, foram hostilizados pelos moradores. Chico Fernandes tinha terreno, herdado de seu pai e para lá foi com Senhorinha.
O velho e o novo casarão
          Chico e Senhorinha passaram a viver de forma isolada, longe da sociedade, nas terras herdadas por Chico, no mesmo lugar que está hoje a comunidade de Noiva do Cordeiro.
          Construíram sua moradia e nesse local formaram uma família de 12 filhos.
          Os filhos de Chico e Senhorinha cresceram, formaram novas famílias. A comunidade crescia e o casarão também. Mesmo quem viesse de outras localidades, eram acolhidos e ficavam. Com o tempo, se transformaram em uma grande família, vivendo num só lugar.
          A antiga casa construída pelo casal já não comportava mais tanta gente. Um outro casarão foi construído, com dois pavimentos, mais cômodos, salas grandes, cozinha enorme e muitos quartos. Esse casarão é chamado pelos moradores de Noiva do Cordeiro de “Casa Mãe”. É nesse casarão que a comunidade se reúne e faz suas refeições. Além de ser a casa de várias famílias atualmente, foi a casa de praticamente toda a comunidade, em décadas passadas.
          A antiga casa que viveu o casal Chico e Senhorinha foi reformada e nela atualmente, vivem duas famílias. Além desta casa e da “Casa Mãe”, atualmente toda a comunidade de Noiva do Cordeiro é formada por 85 casas.
          Francisco Fernandes e Maria Senhorinha de Lima foram sepultados no cemitério do distrito de Santana em Belo Vale MG, ao lado da Igreja de Santana.
Isolamento, preconceito e discriminação
          Mesmo vivendo isolados e distante da sociedade, o casal, bem como seus filhos, continuaram a serem vítimas de hostilidades, preconceitos e discriminações. As mulheres que viviam no casarão, eram tidas como prostitutas e adúlteras pela sociedade, e o lugar não era bem visto na região.
          A sociedade não perdoava o adultério de Senhorinha, além das consequências morais e sociais impostas pela excomunhão e maldição por 4 gerações, que o casal sofreu.
          Chico e Senhorinha e seus descendentes sofreram um violento lacre social, principalmente nas primeiras décadas do século XX. Fruto de uma sociedade que julga, condena e discrimina, tendo como base preceitos de puritanismo religioso e social.
          As mulheres de Noiva do Cordeiro eram difamadas, maltratadas e discriminadas pela sociedade e não conseguiam trabalho. Eram isoladas socialmente.
          A vida era dura naqueles tempos, muito difícil. O casarão abrigava todas a mulheres solteiras e não solteiras. As que tinham um companheiro, conheceram seu par na própria comunidade.
          Como Noiva do Cordeiro foi formada por uma família e ao longo do tempo, outras pessoas foram acolhidas pela comunidade, a maioria tem algum tipo de parentesco entre si, mesmo que bem distante.
          Viver no casarão, compartilhar e dividir o que tinham, era a forma que encontraram para sobreviverem à solidão e o isolamento. No casarão, tudo era compartilhado e dividido entre todos.
          As mulheres trabalhavam duro na roça. Plantar e colher era a única forma que encontraram para sobreviverem à fome. Plantavam para comer, comia do que plantavam.
Porque Noiva do Cordeiro?
          Noiva do Cordeiro é um termo bíblico. O cordeiro simboliza Cristo e noiva, a Igreja. É o que tira o pecado do mundo. Soa contraditório uma comunidade ter sido formada a partir da excomunhão de Chico e Senhorinha de Lima, ter o nome religioso de Noiva do Cordeiro.
          A história do nome começa a partir da década de 1950, quando chega à comunidade, Anísio Pereira, pastor evangélico. O pastor ficou na comunidade, fundou uma igreja denominada Noiva do Cordeiro e por fim, casou-se com Delina Fernandes, nascida em 25 de agosto de 1944. Na época, Anísio Pereira tinha 43 anos e Delina, apenas 16. O casal teve 15 filhos.
          Pastor Anísio Pereira deu início a um processo de conversão de todos da comunidade e mudança radical no comportamento social e religioso das mulheres.
          Os cultos eram realizados no próprio casarão. A comunidade passou a ser conhecida por Noiva do Cordeiro.
          O porque que Anísio Pereira escolheu esse nome, é mistério, embora obviamente, a noiva de Cristo é a igreja. Ou seja, cada pessoa que se arrepende de seus pecados, aceita Jesus como seu salvador e se converte, passa a fazer parte da Igreja.
          Segundo a fé Cristã, é Jesus quem tira os pecados do mundo e salva o pecador. A noiva é a igreja se preparando para o casamento com o cordeiro, o Cristo, segundo a cristandade.
          Baseado em suas crenças, o pastor criou regras rígidas como orações diárias e longas, jejuns constantes e até castigos públicos. Proibiu ainda, entre outras coisas, bebidas alcoólicas, música, cigarros, cortar os cabelos e considerava um pecado gravíssimo o uso de qualquer tipo de contraceptivos. Dai a explicação para as famílias com grande número de filhos, nessa época.
          O fato de a comunidade ter uma igreja evangélica, aumentou mais ainda o preconceito da sociedade local, majoritariamente católica, contra as mulheres de Noiva do Cordeiro.
O fim da liderança de Anísio Pereira
          Por desconhecer ou não entender a vocação feminista e o espírito de luta das mulheres da comunidade, pastor Anísio foi perdendo força e influência. Tudo que elas faziam era considerado pecado, até que uma de suas filhas, Rosalee Fernandes Pereira, casada desde os 16 anos e aos 21, já com 3 filhas, decidiu contrariar as ordens do pai.
          Rosalee, escondida do pai e do próprio marido, liderou um grupo de mulheres da comunidade e se submeteram à cirurgia de laqueadura. Começa a partir desse ato o início do fim da liderança e domínio do pastor sobre a comunidade.
          Já idoso e desacreditado pela comunidade, pastor Anísio faleceu em 1995. Os dogmas e rígidos preceitos religiosos aplicados pelo pastor, foram sendo abandonados pela comunidade. Resta hoje apenas o nome, Noiva do Cordeiro, que permaneceu como nome da comunidade.
          Mesmo passando mais de um século após a fuga de Senhorinha e Chico, o preconceito e hostilidades da sociedade, continuaram. Se antes o casarão era mal falado e considerado abrigo de adúlteros e prostitutas, passou a ser chamado, após a morte do pastor Anísio de “morada do diabo”.
Delina Fernandes
          Com a morte de Anísio Pereira, sua viúva, Delina, assumiu a condição de líder da comunidade, bem como a propriedade do casarão e de toda a gleba, formada por 41 hectares.
          A comunidade, principalmente os jovens, começaram a experimentar o sabor da liberdade que nunca tiveram, como cortes diferentes no cabelo, roupas justas, maquiagens, além de experimentar o cigarro e o álcool. Tudo que era proibido, durante a vigência da liderança do pastor Anísio, começaram a experimentar.
          Delina assumiu a liderança da comunidade e buscou orientar os jovens, principalmente. Conseguiu conscientizá-los que o caminho que estavam indo não era o ideal, além de ser prejudicial à vida família, provocar atritos e dividir a comunidade.
          Fez questão de mostrar que, apesar da falta de liberdade nos anos de vida religiosa a que foram submetidos, a vida em comunidade, o amor ao próximo e a união, foram positivas para o fortalecimento de Noiva do Cordeiro. Que deviam ser livres sim, mas com responsabilidade
          Além disso, mostrou aos que excediam, que a comunidade podia aproveitar a liberdade que conquistaram e solidificar o amor, a união e o respeito que todos tinham entre si. Delina queria transformar a liberdade que passaram a ter em algo bom, para toda a comunidade. E conseguiu!
          Todos da comunidade são livres para viverem a vida conforme se sintam bem, mas longe de más companhias e das consequências do vício. Hoje, todos usam suas liberdades em prol da comunidade, da família, do respeito e união.
A Grande Mãe
          Delina, hoje com 77 anos, viveu, sentiu e presenciou todo o preconceito e discriminação sofridas por seus avós, pais, filhos e netos. As gerações mais novas, sabem da história de Noiva do Cordeiro e todo o sofrimento que as primeiras gerações passaram através da vida e memória de sua matriarca.
          Sua capacidade, equilíbrio, consciência, experiência, sabedoria e conhecimento da história de seus antepassados, fez de Delina, mestre, guru, líder e a “Grande Mãe” de Noiva do Cordeiro.
          Foi Delina a responsável pela união das mulheres de Noiva do Cordeiro. É a espinha dorsal da comunidade, a mãe de todos. Até mesmo quem não tem parentesco com Delina, a chama de mãe, tamanho o respeito e liderança da matriarca.
          Delina criou regras de convivência, comportamento e defesa das mulheres do povoado com base na união e respeito mútuo, sem imposições. “Todos são por um, e um é por todos”, essa era sua filosofia e a que rege a comunidade atualmente.
          Delina conseguiu unir todas as mulheres e homens da comunidade em torno de sua filosofia, formando com isso uma comunidade sólida e unida.
A união que fortalece
          Com o tempo, os papéis de todos começaram a serem definidos. As mulheres cuidavam dos afazeres do casarão e da lavoura e os homens buscaram trabalhos fora, para garantir a subsistência de suas famílias e comunidades. As mulheres foram cuidar das terras e os homens, partiram em busca de trabalhos na indústria de mineração e outros segmentos, em outras cidades.
          De todo o rigor imposto pelo pastor Anísio, Delina reconhece que o pastor ensinou à comunidade sobre o que é o amor e a importância da união de todos. Mas concluiu que não precisa passar fome, frio e fazer sacrifícios para se tornar filha de Deus. Por isso, continuou a reunir a comunidade e fortalecer a união de todos.
          Deus está presente no coração e vida das famílias de Noiva do Cordeiro, mas não em templos de paredes e sim em seus corações, que consideram morada de Deus.
          Creem e temem a Deus, respeitam a todas as doutrinas religiosas, mas não veem necessidade de uma religião, para ter fé em Deus, manifestar amor ao próximo e viver em harmonia. Vivem o amor em família, ao próximo e o respeito, pois acreditam ser que é a base da fé em Deus.
          São conscientes de sua história e da experiência de terem convivido, há mais de um século com preconceitos, difamações, calúnias, fofocas e humilhações. A dor depura a alma, fortalece o coração e o discernimento. Isso tudo se transforma em um aprendizado e experiência de vida, que passa de geração por geração.
Vila das mulheres
          Embora a comunidade de Noiva do Cordeiro seja formada por mulheres e homens, praticamente em proporções iguais. São 45% são mulheres, 40% homens e 15%, crianças. Mas o que mais se vê na comunidade são mulheres. Isso dá a impressão de que Noiva do Cordeiro é uma comunidade só de mulheres.
          Os homens não são vistos sempre na comunidade, por um motivo muito simples. Não tem emprego na comunidade e para conseguir o sustento de suas famílias, tem que ir para outras cidades em busca de trabalho.
          Os homens de Noiva do Cordeiro trabalham em empresas de mineração da região e em outras cidades, como em Horizonte. Só retornam à comunidade nos fins de semana ou em dias de folga, para ficarem com suas famílias. Durante a semana, somente mulheres, crianças e adolescentes ficam em Noiva do Cordeiro.
Uma grande família
          A vida em Noiva do Cordeiro, é desde sua formação, em torno do casarão. A comunidade de Noiva do Cordeiro é formada por cerca de 420 pessoas. Atualmente, são cerca de 90 famílias, formando uma comunidade de cerca de 300 pessoas. Estima-se que mais ou menos 120 pessoas com origens na comunidade, vivam em outras cidades de Minas e até em outros estados.
          Como Noiva do Cordeiro foi formada por uma família, que ao longo do tempo acolheu outras pessoas que passaram a residir na comunidade, todos de Noiva do Cordeiro, de alguma forma, tem algum grau de parentesco, mesmo que bem distante.
Trabalho em comunidade
          O dia a dia de trabalho em Noiva do Cordeiro é muito bem organizado. Trabalharam em forma de mutirão. As mulheres exercem as funções de acordo com suas vocações.
          Quem gosta de cuidar da lavoura, vai para a lavoura. Quem gosta de cozinhar e arrumar a casa, exerce essas funções. Quem prefere educar as crianças na escola da vila, dá aulas. Quem prefere trabalhar na fábrica, com artesanato, vai fazer o que gosta.
          A vida é em comunidade, mas todas são donas de si e suas escolhas e gostos são respeitados. A ninguém é imposto nada.
          A exceção é pela faixa etária. Evita-se ao máximo pessoas de mais idade, seja homem ou mulher, exercer atividades na lavoura, que é um trabalho mais pesado. Os mais velhos fazem trabalhos mais leves, como por exemplo, na fábrica de confecções. 
          Caso os idosos da comunidade não tenham condições de trabalhar, ajudam com parte de suas aposentadorias quando alguém precisa comprar remédios, viajar para fazer consultas e outras necessidades. Todos se ajudam de alguma forma. Ninguém fica desamparado em nada na comunidade.
Mulheres belas e vistosas
          Jovens, entre 20 e 35 anos, as mulheres de Noiva do Cordeiro são belas e vistosas e não tem dia ruim para o trabalho. Seja com sol, chuva ou frio, seguem para o trabalho do dia a dia com um sorriso no rosto.
          É assim desde o começo. Vão para o trabalho juntas e retornam juntas. Colhem o que plantam, comem do que colhem.
Trabalho na roça e na fábrica
          O dia começa antes do amanhecer do sol com o tilintar das brasas no fogão a lenha do velho casarão. É o café da manhã sendo preparado. Após a refeição da manhã, seguem para o trabalho, todas juntas.
          O trabalho na roça e na comunidade é dividido e organizado em forma de cooperativa. Uma parte das mulheres ordenham, alimentam os porcos e cuidam das galinhas. Outras aram a terra, capinam e cortam lenha. Outras trabalham na lavoura, plantando arroz, feijão, milho, mexerica, café, mandioca e hortaliças em geral.
          Quando podem, os homens da comunidade também ajudam nos serviços da roça, como na capina.
          Outra parte fica na comunidade cuidando dos filhos, fazendo produtos de limpeza e outras na pequena fábrica de roupas, tapetes e colchas. Boa parte da matéria prima da fábrica vem de doação como retalhos, que possam ser reaproveitados na produção de roupas e adereços de acordo com a necessidade da comunidade e demanda comercial.
           As peças feitas na fábrica, tem hoje um bom mercado, mas o começo não foi fácil. Tentaram inicialmente vender a produção da fábrica em Belo Vale e comunidades rurais, mas as vendas eram pequenas.
          Mesmo assim, não desanimaram. Pegaram a produção da fábrica e foram para Belo Horizonte, oferecendo seus produtos de porta em porta.
          Hoje, uma parte da produção da fábrica é vendida na própria comunidade para turistas e visitantes, que sempre vem à Noiva do Cordeiro. Outra parte da produção é vendida em feiras e exposições de artesanato em várias cidades mineiras. Uma parte da produção agrícola fica na própria comunidade, outra parte, é vendida para a Ceasa de Belo Horizonte.
          As máquinas da pequena fábrica só param na época da colheita quando todas se juntam e vão para roça.
A comunidade de todos
          Com o dinheiro da venda da produção agrícola, da fábrica e juntando com o dinheiro que os homens da comunidade, doam, conseguem comprar sementes, bois, porcos, galinhas, ferramentas, além de ajudar em tratamentos médicos, reforma de casas, transporte dos moradores para outras localidades, caso necessitem, etc.
          Além disso, com esse dinheiro, compram matérias primas para a pequena fábrica e ainda, investem em melhorias na comunidade, além de manter as despesas da “Casa Mãe”, que são muito grandes.
          Todo o serviço comunitário é voltado para o sustento de todas as famílias da comunidade. Trabalham muito, mas não ao ponto de levantarem 4 da manhã e só retornarem no fim da tarde. Não são escravas do serviço. Isso porque trabalham em comunidade, em mutirão. Assim, o trabalho rende mais, é feito em menos tempo e se torna menos cansativo. Não trabalham para enriquecer e sim para terem o necessário e manter a qualidade de vida de todos da comunidade.
          Embora ninguém em Noiva do Cordeira seja rico, todos vivem na fartura, com conforto, segurança e tranquilidade.
          Em horas de folga, boa parte das mulheres da vila fazem pequenos trabalhos, como cigarro de palha, artesanato, ou seja, cada uma encontra uma forma de ganhar um dinheiro extra para comprar coisas pessoais como por exemplo, produtos de beleza, uma roupa nova, um celular melhor, fazer um passeio, etc.
          Quando alguém da comunidade quer algo e não tem condições financeiras para conseguir, todos ajudam, fazendo vaquinha.
          O foco da vida em Noiva do Cordeiro não é o dinheiro e sim no bem estar de todos e preservação vida em comunidade, da união, fraternidade, amor e respeito ao próximo.
          O trabalho em comunidade de Noiva do Cordeiro é um trabalho coletivo para o bem de todos, seguindo a filosofia da matriarca Delina: “Todos são por um, e um é por todos”
Lazer, diversão e o Sábado da Viola
          O maior lazer dos moradores de Noiva do Cordeiro é o prazer em estarem todos juntos, seja nas refeições, no trabalho da roça e nas horas de descanso. A maior diversão e alegria em Noiva do Cordeiro é o convívio saudável em família.
          Mulheres e homens da Vila, tem talentos natos para a música, artes cênicas e dança. Todos os sábados, no grande salão da Casa Mãe, acontece o sábado da Viola com a presença de toda a comunidade.
          São apresentações artísticas feitas pelos próprios moradores em apresentações solo, em duplas, como a dupla sertaneja Márcio e Maciel que compõem inspirados na história de Noiva do Cordeiro ou em grupos, como o grupo da Keyla Gaga (cover de Lady Gaga).
          Além disso, durante o Sábado da Viola, tem apresentações do grupo de teatro Quinta Geração, o Coral da Noiva e outras atividades culturais.
          É uma diversão para todas as idades e envolve toda a comunidade, além ser um momento de manifestação da união de Noiva do Cordeiro. Após as apresentações, alguns moradores sobem no palco para agradecer algo ou mesmo, se desculpar por algo que tenha feito.
          O Sábado do Viola é um momento de cultura, diversão e lazer, mas também de fortalecer a união, amizade e sentimento de amor e respeito que todos tem uns pelos outros.
O mundo e o Brasil descobre Noiva do Cordeiro
          No século XX, a história de Noiva do Cordeiro, era pouco conhecida em Minas e no Brasil. No século XXI, foi diferente.
          A epopeia de Noiva do Cordeiro despertou interesse da imprensa, com a comunidade e sua história se tornando conhecida, não só no Brasil, mas em todo o mundo.
          O canal de televisão por assinaturas, GNT, foi o primeiro veículo de comunicação da documentar e tornar conhecida em todo o Brasil, a história de Noiva do Cordeiro. Mas foi no ano de 2014, que a epopeia de Noiva do Cordeiro ganhou os holofotes nacionais e internacionais, de forma mais contundente.
          De uma hora para outra, Noiva do Cordeiro virou notícia mundial através de reportagens de sites jornalísticos britânicos, alemães, americanos, turcos, tailandeses e chineses. Esses sites divulgaram matérias com um tema totalmente fora da realidade de Noiva do Cordeiro, apresentando a comunidade como terra de mulheres solteiras, para casamento.
          Nas reportagens dos sites de notícias estrangeiros, o vilarejo era mostrado como terra de mulheres solteiras em busca de casamentos. “Alerta aos solteiros: jovens de comunidade no Brasil estão em busca de homens’, era a manchete de um site. Em outro, a manchete era: “Cidade brasileira faz apelo aos solteiros.”. Até o Telegraph, de Londres entrou na história, com o título de sua matéria: “O vale das beldades brasileiras espera solteiros”.
          O erro das manchetes e reportagens, claro, causou enorme alvoroço na comunidade e perplexidade entre os mineiros.
          Além disso, as reportagens despertaram o interesse de vários homens solteiros de vários países do mundo, que acreditando na história, se interessaram em conhecer as mulheres solteiras de Noiva do Cordeiro. Foram vários homens, de vários países que vieram até Noiva do Cordeiro em busca de casamento.
          Com o tempo, a situação foi esclarecida através de informações corretas aos estrangeiros que apareceram na comunidade e à imprensa.
          Os estrangeiros e a imprensa de modo geral, conheceram melhor a história e a forma de vida das mulheres, bem como a história da comunidade. E ainda, que as mulheres da vila não estavam em busca de casamentos, e muito menos, desesperadas para casar, como mostravam às reportagens de jornais estrangeiros.
          O positivo nas matérias dos sites de notícias internacionais na comunidade foi o temor dos homens de Noiva do Cordeiro que não estavam levando muito a sério os namoros com as mulheres da comunidade. Trataram de assumir logo a relação, temendo perder suas namoradas para homens estrangeiros. O resultado foi o afloramento do amor entre os casais de Nova do Cordeiro e a solidificação de muitas uniões.
A epopeia de Noiva do Cordeiro na grande mídia
          Outro ponto positivo das reportagens internacionais foi que Noiva do Cordeiro se tornou conhecida não só no mundo, mas no Brasil e em Minas Gerais.
          A partir das reportagens internacionais, a imprensa brasileira se interessou mais à fundo Noiva do Cordeiro, bem como outros veículos de comunicação internacionais.
          Diversas emissoras de tv´s, jornais e revistas de Minas Gerais, do Brasil e de todo o mundo, já mostraram a história de Noiva do Cordeiro, bem como apresentadores de programas de TVs regionais e nacionais, além de Fernando Gabeira, que foi à Noiva do Cordeiro para fazer um documentário sobre a história da Comunidade, dentre outros tantos.
Estilo de vida únicos no mundo
          A presença de veículos de comunicação nacionais e internacionais, bem como de turistas brasileiros e de vários países do mundo, fez a comunidade entender que o estilo de vida da comunidade era diferente do restante do Brasil.
          Em Noiva do Cordeiro se vive em família, com foco no amor, na fraternidade, na solidariedade, na vida em comunidade e na busca de se tornarem pessoas melhores, a cada dia.
          É um ajudando o outro e todos trabalhando para todos. Perceberam com isso a diferença da vida na comunidade para o estilo de vida do restante do Brasil e do mundo. Não há a busca desenfreada por enriquecimento e individualidade, tradicional na sociedade capitalista que vivemos.
          Vivem de forma diferente e são felizes assim. Perceberam que eram diferentes e que a comunidade em que viviam era um lar familiar, um lugar onde são felizes e se sentem seguras.
          A forma de vida em Noiva do Cordeiro é única no Brasil. Foi um processo que surgiu naturalmente, ao longo de mais um século, para se protegerem da fome, do preconceito, da discriminação e solidão.
Exposição positiva
          Toda a exposição da mídia, ao longo dos últimos anos, foi muito importante para a comunidade, pois tiveram contato com a imprensa e pessoas de diferentes culturais, línguas e histórias de todo o mundo.
          Foi um aprendizado, que ajudou a comunidade a evoluir humanamente. Em Noiva do Cordeiro se valoriza o ser humano e não os bens materiais. Com tudo isso, aprenderam a dar mais valor ainda à comunidade e ao estilo de vida que viviam.
          É uma comunidade única no mundo. Todos são desapegados dos sonhos de consumo do capitalismo. Vivem o amor, a fraternidade, a amizade, o respeito ao próximo, a união entre todos e a vida em família.
Noiva do Cordeiro pelo mudo
          Foram inúmeros convites para cursos, palestras, estudos e viagens pelos Brasil e vários países do mundo. A convivência com pessoas de outras culturas foi muito importante para a comunidade, pelo conhecimento adquirido, pela maior evolução humana, principalmente, por entenderem o grande exemplo e valores humanos de Noiva do Cordeiro.
          Um fato importante a destacar é que mesmo com o convívio com outras culturas em viagens pelo Brasil e vários países do mundo, buscaram aprender e conhecer os estilos de vida diferentes do que vivem, com o objetivo de evoluírem humanamente. Em momento algum mostraram interesse em evolução material.
          As belas mulheres que cantam, dançam, interpretam, continuam na lida na roça, na fábrica, vivendo na comunidade e vivendo a vida em família, onde se sentem segura, protegidas e são felizes. Buscam sempre seguir o conselho da matriarca, Delina, que é sempre buscar ser melhor a cada dia.
Talento artístico para o mundo
          Com a exposição na mídia, o talento artístico da comunidade tornou-se conhecido com os grupos da comunidade, principalmente da banda de Keyla Gaga (a cover de Lady Gaga), se apresentando em eventos e mega eventos por Minas e outras cidades brasileiras, além da banda ser conhecida também em outros países, através de vídeos e reportagens diversas.
          Isso fez com que a comunidade e os artistas tivessem mais contato com a internet, entenderem sobre organização de shows, eventos, além de conhecerem as tendências musicais e outros idiomas. Foi um aprendizado profissional, que levou maior aprimoramento dos artistas de Noiva do Cordeiro.
          Com isso, os shows artísticos dos grupos de Noiva do Cordeiro, estão no mesmo nível dos grandes shows, de artistas famosos.
Estrutura para turistas
          Em Noiva do Cordeiro todo visitante e turista é bem-vindo e são recebidos com muito calor humano e alegria pela comunidade.
Não tem pousada e nem restaurante. Normalmente os turistas vem e voltam no mesmo dia. Caso alguém queira ficar, são recebidos nas casas das famílias da Vila, que preparam os quartos da casa, o café da manhã, bem como o almoço.
          Para atender às necessidades da comunidade, foi criada uma loja com produtos de beleza, bijuterias, calçados, etc. Isso evita que os moradores tenham que se deslocarem para a cidade grande para comprarem esses itens. O turista pode adquirir ainda os trabalhos feitos na fábrica, como tapetes, roupas e colchas.
Visão da sociedade atual
          Se no passado, Noiva do Cordeiro foi uma comunidade isolada, marginalizada e discriminada, devido ao amor de Chico Fernandes e Senhorinha, pela igreja evangélica instalada no local e pela opção da comunidade em não ter religião e nem frequentar igrejas, hoje é bem diferente.
          Noiva do Cordeiro é respeitada na cidade de Belo Vale, nos povoados e cidades das redondezas. As barreiras sociais que isolaram a comunidade, foram diminuindo ao longo do tempo, permitindo com isso uma convivência amigável e respeitosa com sociedade regional e a igreja, tanto católica, quanto evangélica.
Comunidade única
          Em termos gerais, a visão é de que Noiva do Cordeiro é uma comunidade única. Um jeito ideal e correto de viver em comunidade, sonhado por filósofos, intelectuais, por pacifistas, ambientalistas, enfim, por todos que buscam uma vida em sociedade harmoniosa, solidária, cooperativa, com respeito e união fraternal.
          Só que chegar a esse nível de convivência social, não é fácil. Não tem apenas que ter vontade, um grupo ou um sonho, mas uma opção pelo desprendimento de dogmas religiosos, de filosofias materialistas, do egoísmo, do consumismo desenfreado, da ganância pelo conforto material e do individualismo.
          Desprender disso tudo não é fácil e a maioria não está disposta a abrir mão do conforto individual, para viver uma vida coletiva. Por isso, vão à Noiva do Cordeiro, admiram a história, a forma como vivem em comunidade, o estilo de vida simples e desprendido de ambições materiais, mas param por aí. Optam por continuar a vida que levam.
          O estilo de vida da comunidade de Noiva do Cordeiro se formou ao longo de mais de um século, até ser o que é hoje. Pais dão exemplo de vida em comunidade, desprendimento e trabalho comunitário e os filhos aprendem. E assim segue o aprendizado e solidificação da vida em comunidade.
          O estágio atual atingido por Noiva do Cordeiro foi uma consequência gradual da união, respeito, amor ao próximo, aprendizado e evolução de todos da comunidade.
Melhor vila turística do mundo
          Melhor Vila Turística do Mundo é um concurso anual promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo do concurso é premiar pequenas comunidades alinhadas com 17 objetivos relativos ao desenvolvimento sustentável, definidos pela entidade. Entre esses objetivos destacam a preservação ambiental, preservação das tradições, da promoção da igualdade social e de gênero, produção agrícola sustentável, fome zero, consumo e produção responsáveis, etc.
          O concurso é anual e cada país pode indicar até 3 vilas. A indicação só pode ser feita pelo Ministério do Turismo. No caso, as prefeituras indicam suas vilas e a equipe do Ministério do Turismo analisa e escolhe três para concorrerem com as vilas do mundo.
          Noiva do Cordeiro preenche os quesitos para entrar para o seleto grupo das Melhores Vilas Turísticas do Mundo. Cabe a prefeitura de Belo Vale tomar a iniciativa junto ao Ministério do Turismo. Vale a dica.
Informações e fotografias fornecidas por Márcia Fernandes. Contato para informações sobre Noiva do Cordeiro, bem como agendamento de visitas: 31 99903-3531.
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sábado, 12 de março de 2022

Doresópolis e os Cânions do Alto São Francisco

(Por Arnaldo Silva) Doresópolis é cidade com boa estrutura urbana. Pequena, pacata e charmosa, a cidade faz parte do Alto São Francisco, no Centro Oeste Mineiro com origens no século XVIII. Sua emancipação política e administrativa ocorreu em 30 de dezembro de 1962, quando foi elevada de distrito de Perobas, à cidade chamada, com o nome de Doresópolis, por ser Nossa Senhora das Dores, a padroeira do município.
          O acesso ao município se dá pela BR-354 e MG-050. Atualmente, vivem no município cerca de 1600 habitantes. Está a 249 km distante de Belo Horizonte, 545 km de São Paulo, 625 km do Rio de Janeiro e a 805 km de Vitória. Doresópolis faz divisa com os municípios de Piumhi, Pains, Iguatama e Bambuí. (na foto acima de Marcelo Bastos, o Rio São Franscisco em Doresópolis MG, com sua margem ladeada por cânions e abaixo de Eduardo Valente, a Praça da Matriz da cidade)
Solo de alta qualidade e rico em calcário
          Em Doresópolis e região a vegetação de Cerrado predomina, além de contar em suas terras planas, vários mananciais de água, como o Ribeirão dos Patos e o Córregos Perobas. A cidade faz parte da Bacia do São Francisco, sendo o Rio São Francisco, o principal que banha a cidade.
          Além disso, a região no entorno de Doresópolis, é formada por solo plano e turfoso (camada de terra escura formada devido a decomposição vegetal). São solos com sistema de aluvião, de baixadas, composto ainda por uma textura argilosa e calcário. A argila presente no solo da região faz com que o solo retenha água, e decomponha com mais rapidez a flora vegetal, enriquecendo o solo, formando as turfas. Como consequência imediata, torna o solo de alta qualidade e fertilidade, excelente para agricultura e pecuária, outra base da economia do município.
          A vegetação presente em Doresópolis é conhecido como Mata de Pains, riquíssimo em calcário, argila e água. Os municípios que compõem a Mata de Pains são Doresópois, Iguatama, Arcos, Formiga, Córrego Fundo, Pimenta, Piumhi e Pains, de onde originou-se o nome, Mata de Pains. (imagem acima de Eduardo Valente na região de Doresópolis MG)
          Somente esses municípios tem esse tipo de solo, predominante em Doresópolis, Iguatama e Pains. A Mata de Pains, embora esteja numa onde predomina o bioma Cerrado, se difere das demais regiões mineiras de Cerrado, devido as rochas, argila e calcário presente no subsolo. É uma das regiões de maior concentração de calcário do mundo, principalmente em Arcos, considerada a Capital Mundial do Calcário.
          Além da riqueza desse tipo de mata, é uma região de rara beleza e formações rochosas que impressionam, além de contar sítios arqueológicos de grande valor científico.
Museu Pré-histórico
          Na Mata de Pains, já nas terras do município de Pains, encontra-se o Museu Arqueológico do Carste do Alto São Francisco com vários objetos e materiais coletados na região, pertencentes a antigas povoações indígenas pré-históricas, datas de 11 mil a 500 anos atrás. (na foto acima de Marcelo Bastos, paisagem do Carste do Alto São Francisco)
          Além disso, em Pains, como na região formada pelas Matas de Pains, são encontradas várias grutas, formações rochosas impressionantes, como a Pedra do Cálice, dentre outros atrativos naturais e mais de 300 sítios arqueológicos pré-históricos, presentes em uma área de cerca de 1.500 km², na região.
Os Paredões em Doresópolis
           Em Doresópolis, a beleza da Mata de Pains pode ser notada em suas formações rochosas e cânions. São enormes paredões que impressionam e até assustam, além de várias furnas (fendas abertas naturalmente, entre rochas) e cavernas. (na imagem acima enviada por Lucas do Rampa, as formações rochosas às margens do Rio São Francisco entre Piumhi e Doresópolis MG)
Povoação da região
          Com a descoberta de minas de ouro em Minas Gerais, no início do século XVIII, ocorreu uma intensa onda migratória de bandeirantes para encontrar ouro, diamantes e esmeraldas nesta região. 
          A região do Alto São Francisco começou a ser povoada por volta de 1732, quando se instala na margem direita do Rio São Francisco, na Piraquara, hoje município de Bom Despacho, o bandeirante paulista João Batista Maciel,  acompanhado dos filhos, e um bom número de agregados e escravos. (na imagem acima, enviada por Lucas Du Rampa, balsa e barcos de pescadores próximo a Ponte São Leão. A única forma de ver os paredões de perto é por barco)
          A bandeira de João Batista Maciel, subiu o Rio São Francisco, vasculhando tudo que podia em suas margens, em busca de ouro. Esse é o marco da povoação da região.
A Trans Canastra
          A rica história, cultura, música, tradições, gastronomia, belezas naturais, festas e feiras do Centro Oeste de Minas foi transformada na rota turística Trans Canastra é um trecho de leste para oeste da Picada de Goiáz e está inserido no projeto de revitalização, recuperação de todo o percurso da Picada de Goiáz, tanto o Caminho Velho, que tem início em Sabará MG, quando do Caminho Novo, que tem início em São João Del Rei MG. O destino final da Picada de Goiáz é a cidade de Vila Boa, em Goiás.
          A Trans Canastra é uma rota pelo mais genuíno sertão mineiro, na parte alta do Vale do São Francisco, que há séculos desperta o interesse de aventureiros, estudantes, espeleólogos e arqueólogos. (na imagem acima enviada por Lucas Du Rampa, barco de pescador no Rio São Francisco em Piumhi MG)
          A rota, formada pelos municípios de Formiga, Córrego Fundo, Pains, Doresópolis, São Roque de Minas e Desemboque, distrito de Sacramento MG, foi idealizada por Eduardo Valente, ex-secretário e Cultura e Turismo de Dores do Indaiá MG, além de ser o idealizador e coordenador da restauração de todo o Caminho do Sertão, a Picada de Goiáz. 
          Com apoio do fotógrafo Marcelo Bastos, Eduardo Valente criou o mapa da Rota da Trans Canastra (acima), além de registro em vídeos e fotos de todo o caminho. O objetivo é detalhar e planejar o uso turístico da rota, bem como fomentar o aquecimento da economia dos municípios que formam a Rota Trans Canastra, com o aumento do fluxo de turistas.
          É um caminho incrível, do início ao fim, com aventuras, farras, suor, novos amigos, muita comida e bebida típica mineira, belas cidades, história. Tudo isso e muito mais numa rota que tem história, tradição, cultura e a hospitalidade marcante de um povo único, forjado nas mais fortes matrizes antropológicas da nossa brasilidade.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Picada de Goiáz: história, revitalização e turismo

(Por Arnaldo Silva) Antes da chegada de bandeirantes e portugueses no território mineiro, todo o Estado era ocupado por diversas etnias indígenas. Os índios abriam picadas nas matas ligando tribos, ou mesmo, a lugares que consideravam sagrados, como picos e topos de montanhas.
          Com a descoberta de ouro em Minas Gerais no início do século XVIII, as picadas abertas por índios começaram a ser usadas pelos bandeirantes e com seu trajeto ligado e ampliado, quando foram encontradas minas de ouro na região habitada por indígenas da etnia Goyazes, na Região Centro Oeste do Brasil. (na imagem acima de Arnaldo Silva, parte do Caminho Velho da Picada de Goiáz no Garça, em Bom Despacho MG)
          Para escoar as riquezas do território goiano, as antigas picadas dos índios foram sendo unificadas em um só caminho, começando em Sabará MG, cidade histórica a 20 km de Belo Horizonte, adentrando no sertão mineiro, seguindo em sentido poente, do Leste para o oeste, passando pelo Centro Oeste de Minas, Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro até o Noroeste de Minas, entrando em solo goiano até Vila Boa de Goiáz, terra natal da poetisa e contista Cora Coralina.
          O trajeto original da Picada de Goiáz, de Sabará até Vila Boa de Goiáz, com aproximadamente 1300 km de extensão. São cidades mineiras e goianas ao longo de todo o percurso, num total de 79, unindo os caminhos velho e novo. (no mapa acima, o traçado original do Caminho Velho e Novo da Picada de Goiáz em Minas Gerais e Goiás)
          Depois da Estrada Real, a Picada de Goiáz era o mais importante caminho para escoamento de riquezas para a Colônia. Não ligava apenas o Sul e Sudeste a Goiás, mas também a Cuiabá e Amazônia.
          As riquezas extraídas do solo goiano, seguiam para Minas em cortejos formados por dezenas de carros de bois e mulas, até Sabará. A partir de Sabará, os cortejos seguiam pela Estrada Real até o porto de Paraty/RJ, onde uma parte das riquezas extraídas na Colônia eram encaminhadas à Corte e a maior parte, para Portugal.
          Nascia assim o Caminho Velho da Picada de Goiáz, a grafia do estado goiano na época. Por este caminho, povoados, vilas e cidades foram sendo formadas, desde o século XVIII. Em todo o trecho, casas isoladas, povoados em formação surgiam, bem como foi o início de nossa mineiridade, formada por gente com origens indígena, bandeirante, africana, tropeira, boiadeira, mercadores e viajantes estrangeiros. Esses diferentes tipos de povos, deram origem a um novo povo, nascido e formado nas picadas do Caminho Velho da Picada de Goiáz e também na Estrada Real.
Bom Despacho MG
          Foi em torno desse caminho e presença desses povos, que surgiu uma povoação no final do século XVIII, que mais tarde deu origem ao município de Bom Despacho MG, a 150 km de Belo Horizonte, hoje com 55 mil habitantes.
          Bom Despacho teve grande importância na formação do Caminho do Sertão, como era chamada a Picada de Goiáz. Isso porque a cidade tem o Rio São Francisco como seu divisor. (panorâmica de Bom Despacho na fotoacima de Arnaldo Silva)
          A rota da Picada chega à Bom Despacho pela estrada de Leandro Ferreira, que termina nas proximidades do antigo Caic, no bairro Ana Rosa, seguindo pela Avenida Dr. Roberto, pegando a Avenida Doutor Juca, seguindo pela estrada da Garça, até a Fazenda da Piraquara. (na imagem acima, desenhada pelo Eduardo Valente, o trajeto da Picada de Goiás no perímetro urbano de Bom Despacho MG)
          Da Piraquara descia até o Engenho do Ribeiro, distrito de Bom Despacho, até o Rio São Francisco, onde foi construída uma ponte, lingado a Picada à Dores do Indaiá. (na imagem acima, de Arnaldo Silva, a estrada da Garça em Bom Despacho MG e abaixo a ponte de concreto sobre o Rio São Francisco, que substituiu a original, de madeira, ligando Bom Despacho a Dores do Indaiá)
          
Essa parte da Picada de Goiáz, de Bom Despacho a ponte do Rio São Francisco, entre Dores do Indaiá MG, era chamado de Caminho da Piraquara. A Fazenda da Piraquara seria de ponto de pouso, onde as tropas paravam, descansavam, se alimentavam, se banhavam, pernoitavam e ainda, levavam alimentos para seguirem a viagem, até a próxima parada.
          O caminho da Piraquara era um dos pontos de parada mais importantes da Picada de Goiás, além de ter água em abundância e terras férteis, o que atraiu moradores para a região, dando origem a formação de um povoado, vila, distrito e por fim, à cidade de Bom Despacho MG.
          A partir de Dores do Indaiá (na foto acima de Sueli Santos), a Picada de Goiáz seguia para a Serra da Saudade, Alto Paranaíba e Noroeste de Minas, quando a partir de Paracatu MG, entrava em solo goiano.
Caminho tropeiro e boiadeiro
          Com o fim do Ciclo do Ouro, a Picada de Goiáz continuou sendo usada para transportar riquezas, mas dessa vez para escoamento da produção agrícola de Minas Gerais e das regiões Norte e Centro Oeste do Brasil.
          Todos os dias, mulas, cavalos e carros de bois, cortavam o sertão mineiro e goiano, buscando e trazendo alimentos, mercadorias essenciais para a época como querosene, sal, açúcar, roupas, sapatos, etc., além de gado e porcos. (na foto acima de Arnaldo Silva, a Picada de Goiáz na Garça em Bom Despacho MG)
          Para ampliar o comércio e facilitar a distribuição das mercadorias, foi criado o Caminho Novo da Picada de Goiáz. O novo caminho iniciava em São João Del Rei MG passava por Oliveira, Itapecerica e Formiga, entrando na Serra da Canastra seguindo até o Desemborque, distrito de Sacramento, no Triângulo Mineiro que é a liga dos três caminhos da Picada de Goiáz. Do Desemboque, o Caminho Novo segue até Vila Boa de Goiáz. O Caminho Novo é formado por 39 cidades com aproximadamente, 700 km de extensão.
O caminho que virou trilho
          No final do século XIX, começa a implantação de ferrovias no Brasil e no início do século XIX, os automóveis começam a se popularizar, bem como ônibus e caminhões. Com isso, o transporte de cargas e alimentos feito com o uso de animais, começa a declinar e os velhos caminhos abertos no século XVIII, a serem esquecidos, alguns trechos transformados em estradas vicinais e boa parte, para passagem de trilhos.
          Aberto pelos índios, usado e ampliado por bandeirantes, de grande utilidade para tropeiros, parte desses caminhos abertos no século XVIII e XIX, foram utilizados na implantação de ferrovias, como por para colocação de trilhos da Estrada de Ferro Paracatu que ligava Belo Horizonte e o Centro Oeste Mineiro até Paracatu, no Noroeste do Estado, na divisa com Goiás. (na imagem acima de Arnaldo Silva, a Picada de Goiáz entre Bom Despacho e Leandro Ferreira MG, passou a ser caminho do trem da Estrada de Ferro Paracatu)
          Com o fim deste ramal ferroviário, o caminho da Picada de Goiáz em Minas acabou sendo esquecido, ficando apenas na história.
A reconstrução da Picada de Goiáz
          A partir de 2017, o Caminho Velho e Novo do Sertão da Picada de Goiás, sai do esquecimento para se transformar num projeto de reativação e recuperação. O objetivo é recuperar parte da história de Minas e incrementar o turismo nas cidades surgidas durante a existência da Picada de Goiáz.
          O projeto prevê ainda a demarcação com tótens de ACM para as áreas urbanas, de concreto para as áreas rurais e urbanas e de eucaliptos, para as encruzilhadas da zona rural. Esses tótens seguirão o estilo dos tótens da Estrada Real, contando ainda com o mapa de todo o percurso do Caminho da Picada de Goiáz.
          Quem está à frente do projeto é Eduardo Valente (na foto acima/ Arquivo Pessoal), morador da cidade de Dores do Indaiá, no Centro Oeste de Minas Gerais. Foi feito um mapeamento do Caminho Velho e Novo da Picada de Goiás, com Valente percorrendo os cerca de 2 mil km dos dois caminhos, registrando as cidades, as picadas, as belezas naturais e turísticas às margens da Picada de Goiáz. Todo o trajeto foi catalogado em fotos, feitas pelo fotógrafo Marcelo Bastos, primordial para o registro visual com imagens de excelente qualidade de todo o trajeto. 
          Eduardo Valente é formado em Gestão em Comunicação Organizacional Relações Públicas – UNA- BH – MG, fez Extensão em Politicas Publicas do Turismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e Extensão em Politicas Publicas da Cultura – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
          Além disso, foi Secretário de Lazer, Cultura e Turismo em Dores do Indaiá (2008 a 2017) Fundador, presidente, gestor e articulador do Circuito Turístico Caminhos do Indaiá, foi também Gestor e articulador do projeto Minas – Goiás e ainda ex-presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural de Dores do Indaiá e ex-presidente do Conselho Municipal de Turismo de Dores do Indaiá.
          Empenhado na reestruturação do Caminho Velho e Novo da Picada de Goiáz, Eduardo Valente concedeu entrevista sobre as atividades feitas até o momento e de como está todo o trabalho, visando a recuperação da Picada de Goiáz, que visa transformar o Caminho Velho e o Novo, em atrativo turístico das cidades que fazem parte da Picada de Goiáz.
Entrevista com Eduardo Valente
Conheça Minas: Quando foi criado o Caminho Picada de Goiáz? Conte um pouco sobrea história desse importante caminho surgido no século XVIII.
Eduardo Valente: As
 “Picadas de Goyáz” designam os caminhos antigos dos povos originários, batidos pelos Bandeirantes em direção a Goyáz, e ao poente, seguindo as lendas Tupi do Peabirú... Esses velhos caminhos e trilhas de entradas no Sertão dos Goyáz, bem como os locais de aprazíveis paragens deram origem às lindas cidades de arquitetura “Colonial” e “Barroca” espalhadas pelo interior de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
          A gestão dos caminhos no Império foi estratégica. Explodiu a brasilidade. Os caminhos se firmam no Século XVIII, administrados como “estradas reais” ligando as importantes vilas do Sul e Sudeste com Goyáz, Cuiabá e Amazônia.
          A picada aberta de Sabará até a Vila Boa de Goyáz é muito antiga. Parte de Sabará, atravessa o Rio São Francisco, passa na Fazenda da Piraquara, sobe pela Serra da Saudade e vai até Paracatu. De Paracatu segue até Vila Boa do Goyáz e Goyáz, terrinha amada de Cora. Essa Picada de Sabará ficou conhecida como “Caminho Velho de Goyáz” ou Caminho da Piraquara.
          No final do século XVIII firmou-se o Caminho Novo pra Goyáz, que partia de São João Del Rey e chegava em Vila Boa de Goyáz, passando por Oliveira, Itapecerica e Formiga, transpunha a belíssima e pavorosa Serra da Canastra e chegava em Araxá e Uberaba, sendo caminho muito batido no século XVIII, que ajudou a povoar o Centro-Oeste.
          Ao longo dessas Picadas para Goyáz surgiram paragens amenas, vilas e arraiais, cidades e distritos muito bonitos e aconchegantes, que oferecem raros atrativos turísticos, povoam lendas, casos e histórias, dispondo de recursos e paisagens naturais e culturais de extrema importância mundial à disposição de investidores e visitantes. (na imagem acima de Marcelo Bastos, Argirita, distrito de Ibiá MG)
          A “Picada de Goyáz” nasce nas terras de Mata Atlântica e Cerrado, pelos trilhos dos povos originários, pelas casas e currais de gentes que a habitam desde tempos imemoriais. Descendem de índio, bandeirantes, tropeiros, boiadeiros, mercadores e viajantes estrangeiros, que precisam participar efetivamente de um progresso sustentável!
Conheça Minas: Qual a origem do nome Picada de Goiáz
Eduardo Valente: Foi denominada Picada de Goyáz pelo motivo de levar às minas de ouro dos Goyazes, povos originários da região. Em todos os estudos de pesquisa, o caminho é denominado Picada de Goyaz pelos escritores e historiadores.
Conheça Minas: Porque a Picada de Goiáz é também chamada de Caminho Real do Sertão?
Eduardo Valente: Pelo motivo de ser caminhos oficiais da Coroa Portuguesa e passar pelo sertão das Minas Gerais, em sua vegetação predominante que é o Cerrado.
Conheça Minas: Com o declínio do ouro, foi aberto outro caminho até Goiáz, conhecido como Caminho Novo da Picada de Goiáz. O Caminho Velho e o Caminho Novo da Picada de Goiáz tinha início em quais cidades mineiras?
Eduardo Valente: O caminho se deu início no litoral brasileiro onde chegavam as embarcações dos colonizadores. Os bandeirantes seguiam uma rota já provavelmente existentes feitas pelos povos originários. Seu sentido é leste oeste, sol nascente para quem seguia a oeste e poente para quem retornava rumo as cidades litorâneas, trazendo mercadorias que seriam enviadas aos países da Europa. Como os navegadores para se referenciarem e não se perderem usavam o sol como direção. Com a rota já denominada pelo Instituto Estrada Real até as Minas, tivemos como ponto de partida Sabará no caminho velho e São João Del Rey no Caminho Novo como ponto de partida na entrada das Gerais.
Conheça Minas: Do início ao fim são quantos km?
Eduardo Valente: Temos dois caminhos. Caminho Velho e Caminho Novo. O Velho tem aproximadamente 1300 quilômetros e o Novo por volta de 700 quilômetros.
Conheça Minas: Qual a finalidade desse caminho que ligava Minas Gerais à Goiás Velho?
Eduardo Valente: Caminho mais curto e reto rumo ao litoral para escoamento de pedras preciosas e mercadorias que eram trazidas por exploradores, garimpeiros e comerciantes.
Conheça Minas: Sabe descrever quais foram os personagens ilustres de nossa história que passaram pelo Caminho Real do Sertão?
Eduardo Valente: Todos que você possa imaginar. Borba Gato, Tiradentes, Botânico August Saint Hilaire, Anhanguera e muito mais.
Conheça Minas: Antes da chegada dos europeus e bandeirantes nosso território era habitado por diferentes etnias indígenas, que se comunicavam entre si abrindo caminhos no sertão. Os bandeirantes que buscavam ouro, aproveitaram que o caminho que já existia e passaram a usá-lo?
Eduardo Valente: Já existam aglomerações de povos originários por todo o continente muito antes da chegada dos europeus. As civilizações indígenas eram nômades e percorriam a região a procura de alimentos (caça) e locais seguros para morada. Existem relatos históricos que os caminhos (trilhas ou picadas) foram aproveitados pelos europeus sendo os caminhos do Peabirú.
Conheça Minas: O traçado da Estrada de Ferro Paracatu aproveitou do Caminho Picada de Goiáz? O antigo caminho virou estrada de ferro?
Eduardo Valente: Grande parte da Picada sendo o caminho velho ou novo são margeadas pelas ferrovias. O grande exemplo do caminho velho (nosso caminho) é que de Pitangui a Barra do Funchal, localizada no município da Serra da Saudade, existem estações e estruturas ferroviárias que tinham como objetivo chegar a Paracatu.
Conheça Minas: Por quanto tempo a Picada de Goiáz foi usada como caminho por bandeirantes e tropeiros?
Eduardo Valente: Estes caminhos antigos eram usados frequentemente até a criação do automóvel movido a combustão. Com isso novas rotas com mais infraestrutura foram criadas como por exemplo a BR-262 que mudaram o fluxo de pessoas, fazendo com que as antigas rotas que não foram estruturadas, ficando a ser apenas estradas vicinais.
Conheça Minas: Você vem se empenhando para resgatar o caminho da Picada de Goiáz em sua originalidade. O que foi feito até agora?
Eduardo Valente: Existe todo um processo para que uma rota histórica vire um produto turístico, seguindo as orientações do Ministério do Turismo. A primeira fase e o mapeamento da rota que vem sendo trabalhada desde 2017. Nesta segunda fase estamos dando início a roteirização, para que podemos saber onde hospedar, alimentar, abastecer e reconhecimento dos atrativos culturais e naturais, gastronomia entre outros possam ser visitados pelos turistas. (na imagem acima de Marcelo Bastos, carro da equipe da Picada de Goiáz no Desemboque MG)
Conheça Minas: Pretendem catalogar os pontos turísticos, a gastronomia, cultura e folclore das cidades que fazem parte da Picada de Goiáz?
Eduardo Valente: Esta etapa é realizada na roteirização.
Conheça Minas: Como que está sendo feito o resgate do Caminho Real do Sertão? Vocês têm apoio de prefeituras, órgãos do Governo, empresários?
Eduardo Valente: Possuímos apoio institucional dos estados de MG e GO, assim como apoio financeiro de prefeituras e iniciativa privada. Temos apoio também de Instancias de Governanças regionais que fazem parte das políticas de regionalização do estado, onde as mesmas representam municípios localizados na rota da Picada. (na imagem acima de Marcelo Bastos, fazenda histórica as margens da Picada de Goiáz)
Conheça Minas: Como as prefeituras estão reagindo ao projeto?
Eduardo Valente: Os apoios das prefeituras estão sendo fundamentais para o desenvolvimento da Picada. Tivemos e estamos tendo grande apoio da prefeitura de Dores do Indaiá, Itapecerica, Formiga e Oliveira.
Conheça Minas: Pretendem demarcar a Picada de Goiáz com tótens, como foi feito do Caminho Velho e Novo da Estrada Real?
Eduardo Valente: Estamos na fase de criação do projeto piloto de sinalização. Estamos elaborando três tipos de totens sendo eles o de concreto para as zonas urbanas e rural, o de ACM para colocar na zona urbana e o de eucalipto para demarcar as encruzilhadas da zona rural. Os totens de concretos serão instalados em atrativos e comunidades importantes do trajeto. O de ACM em atrativos urbanos onde terá em sua composição o mapa e localização do percurso.
Conheça Minas: Após a demarcação e de catalogar os pontos turísticos, a gastronomia, folclore e cultura das cidades que fazem parte do Caminho Picada de Goiáz, o que será feito em seguida?
Eduardo Valente: A partir daí teremos produtos turísticos referenciados pela picada. Poderão ser criados rotas curtas ou longas onde os receptivos locais e comunidade poderão conduzir os turistas de acordo com a disponibilidade do turista.
Conheça Minas: Pretendem organizar cavalgadas, passeios ciclísticos, ralis do Caminho Real do Sertão e festividades no trajeto do Caminho Velho e Novo?
Eduardo Valente: Pretendemos realizar sim eventos desses tipos assim como eventos de conhecimento como seminários e encontros de historiadores.
Conheça Minas: O nome original do Caminho é Picada de Goiáz. A grafia portuguesa sofreu modificações ao longo do século passado, como exemplo, palavras no português antigo com final em Z, teve essa letra alterada para s. Então, Goiáz é hoje, na atual grafia portuguesa, Goiás. Pretendem manter o nome original do Caminho Picada de Goiáz ou mudarão para Picada de Goiás?
Eduardo Valente: Pretendemos sim manter a grafia antiga, até para que remeta aos tempos antigos.
Conheça Minas: Quais cidades do Estado de Goiás fazem parte do Caminho Velho Picada de Goiáz?
Eduardo Valente: Cristalina, São Bartolomeu, Luziânia, Alexânia, Abadiânia. A partir daí entramos na rota denominada como Caminho de Cora Coralina pelos goianos, passando por Corumbá de Goias, Cocalzinho de Goiás, Pirenópolis, Caxambu (distrito de Pirenópolis), Radiolândia, São Francisco de Goiás, Jaraguá, Itaguari, Cidade de Goiás. Para o caminho novo fazer conexão com o velho passamos por Catalão no estado de Goiás. 
          Para os goianos o trecho da Picada denominado como Caminho de Cora Coralina foi assim chamado por motivos de marketing de produto para ficar mais comercial, espalhando poesias de cora por todo o percurso. Pela lógica, quem existiu primeiro? Cora ou a picada? Claro que a picada ao qual Cora percorria por algum motivo. Vemos isso como vantagem para os viajantes da picada pelo motivo do trecho já estar estruturado para os turistas.
Conheça Minas: Quantas são e quais as cidades de Minas e Goiás que fazem parte do Caminho Novo da Picada de Goiáz?
Eduardo Valente: O Caminho Novo é formado por 39 municípios. A primeira cidade é São João Del Rei MG (na foto acima de César Reis), com o caminho seguindo para Ritápolis, São Tiago,  Morro do Ferro, distrito de Oliveira, Oliveira, Carmo da Marta, Lamounier (distrito de Itapecerica), Itapecerica, Formiga.
          Neste ponto ao caminho se divide em três caminhos: Caminho de Bambui, Transcanastra e Caminho de Saint Hilaire.
O Caminho de Saint Hilaire tem início em Córrego Fundo, Pimenta, Santo Hilário (distrito de Pimenta), Piumhi, Capitólio, São João Batista do Glória, Babilônia (distrito de Delfinópolis), Delfinópolis, Desemboque (distrito de Sacramento MG), o ponto final dos três caminhos
          O Caminho de Bambuí começa em Formiga, segue para Arcos, Iguatama, Bambuí, Medeiros, Pratinha, Argenita (distrito de Ibiá), Araxá, Tapira, chega em Desemboque, distrito de Sacramento MG.
          O Caminho TransCanastra tem também início em Formiga, passando também por Córrego Fundo, seguindo para Pains, Doresópolis, São Roque de Minas, Sacramento, chegando em Desemboque.
          Os três caminhos se encontram em Desemboque e tem sua continuação em um único caminho até Guarda Mór MG, seguindo para Conquista, Peirópolis (distrito de Uberaba), Uberaba, Tapuirama (distrito de Uberlândia), Indianópolis, Araguari, entrando em Goiás por Catalão GO, Pires Belo (distrito de Catalão GO), Santo Antônio do Rio Verde (distrito de Catalão GO). (na imagem acima de Marcelo Bastos, travessia de balsa em Indianópolis MG, na divisa com Goiás e abaixo, a cidade de Catalão/GO)
          Guarda Mor em Minas faz a ligação Caminho Novo com o Caminho Velho
Conheça Minas: Quais as cidades mineiras que fazem parte do Caminho Velho da Picada de Goiáz?
Eduardo Valente: O Caminho Velho é formado por 40 municípios. Começa em Sabará MG (na foto acima de Arnaldo Silva), segue para Belo Horizonte, passando por Contagem, Betim, Juatuba, Mateus Leme, Florestal, Pará de Minas, Conceição do Pará, Onça do Pitangui, Pitangui, Leandro Ferreira, Bom Despacho, Dores do Indaiá, Serra da Saudade, São Gotardo, Guarda dos Ferreiros, Rio Paranaíba, Carmo do Paranaíba, Lagoa Formosa, Pilar, Lagamar, Vazante, Guarda Mor (liga com o caminho novo).
          De Guarda Mor, cidade mineira que liga o Caminho Novo com o Velho, segue para Paracatu, a última cidade mineira da Picada de Goiáz. Entra em território goiano por Cristalina, seguindo para Luziânia, Alexânia, Abadiânia, Corumbá de Goiás, Cocalzinho de Goiás, Pirenópolis, Radiolândia, São Francisco de Goiás, Jaraguá, Itaguari, Itaberaí e por fim, Cidade de Goiás, encerrando a o Caminho Velho do Sertão. 


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