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segunda-feira, 20 de maio de 2019

Cores e sabores da infância!

(Por Arnaldo Silva) "Aê o chup-chup!" Dava gosto ouvir alguém gritando assim na porta da escola ou mesmo pelas ruas de terra de nosso bairro. Os olhos da criançada até brilhavam de alegria e era baratinho. No final da aula, estavam lá vários meninos com caixa de isopor gritando, oferecendo aquele saquinho com sucos coloridos, que a criançada adorava. 
          Os vendedores chegavam com as caixas cheias e logo estavas vazias. (a foto acima foi enviada pelo José Ronaldo de Bom Despacho MG)
          Onde eu morava, Belo Horizonte o nome era chup-chup. Em outros lugares chamam de dindim, gelinho, sacolé, geladinho e outros nomes. Mas para nós tanto faz o nome, o que vale é o sabor da saudade, a nostalgia daquele tempo gostoso de nossa infância.
          Ainda hoje o chup-chup faz sucesso, mas não é igual ao de antigamente. É raro vermos hoje pessoas saindo nas ruas com a caixa de isopor vendendo como antigamente, está industrializado e se encontram em supermercados e sorveterias. 

          Colocar suco num saquinho de plástico e congelar foi uma das ideias mais simples e que mais se popularizam no Brasil.
          Hoje a qualidade do chup-chup é melhor. Feito com água filtrada, leite pasteurizado e até com sucos naturais. Tem até chup-chup com leite condensado, coisa inimaginável para nossa época. Antes o chup-chup vinha das casas, feitas pelas famílias, hoje, praticamente essa prática artesanal acabou.
          Naqueles saudosos tempos meu amigo, era feito em casa mesmo, com água, açúcar e o popularíssimo ki-Suco. Nada mais que isso. E dá saudades viu. Quem viveu esse tempo, sente saudades, da alegria que esse saquinho proporcionava. Uma gostosa nostalgia. 

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Leandro Júnior: o artista da tinta de barro

(Por Arnaldo Silva) Ele transforma barro em tintas que viram arte em suas telas. É Leandro Júnior, artista plástico natural de Cachoeira do Norte, distrito da cidade de Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha.
Do Vale do Jequitinhonha surgem grandes artistas mineiros. Leandro Júnior é um deles. Suas esculturas e telas refletem a realidade do povo mineiro, em especial do povo do Vale do Jequitinhonha. 
E é do Vale que sai o rico artesanato mineiro, feito em argila e barro, já que a região produz barro com tonalidades diferentes, por isso a riqueza valiosa do artesanato local, Patrimônio Imaterial de Minas Gerais. Deste mesmo barro, Leandro Júnior faz sua própria tinta e suas esculturas.
Segundo o artista, ele pinta suas telas com a tinta que extrai do barro. Além da tinta feita com barro, Leandro Júnior cria esculturas em barro, com o tema de suas obras voltadas para o período da Escravidão no Brasil.
Para fazer a tinta de barro, ele retira da natureza barros com tonalidades tonalidades, encontrados facilmente em sua região. 
- A terra retirada passa por uma socagem. 
- Em seguida é peneirada  até virar pó. 
- Toda impureza como restos de mato, são retirados desse pó.
- Feito isso, acrescenta-se água limpa ao pó. 

- Mistura-se bem e coa num pano, ficando somente o líquido do barro. 
- Esse líquido é colocado numa panela e levado ao fogo para ganhar consistência. 
- Por fim é só acrescentar cola comum porque a cola ajuda na fixação da tinta na tela.  
- Mistura-se bem até que a cola esteja toda dissolvida no líquida e com consistência homogênea.
Está pronta a tinta para uso, como pode ver na foto acima as tintas já prontas para uso. Esse processo é feito com cada cor de barro. Não se mistura todas as tonalidades de barro num mesmo processo. 
Quem quiser contatar com o artista pode ligar para seu whatsapp: 33 99989-2435 ou instagram:@artistaplasticoleandrojr

sexta-feira, 15 de março de 2019

Folia de Reis em Buritis MG: religiosidade e tradição

A Folia de Reis é tradição no município de Buritis MG, Região Noroeste de Minas, desde antes da cidade se emancipar. Na metade da década de 30 e início de 40, o casal Cândida Fonseca Melo (Dona Duchinha) e Antônio Durães Coutinho (Sr. Biá), nascidos em Buritis, casaram-se se estabeleceram na fazenda onde hoje é a atual região da comunidade do Pernambuco, a 10km da cidade. Lá o casal teve filhos, netos e muitos descendentes surgiram a partir deste casamento. Este casal é conhecido como os percursores da folia de reis na região e hoje, a maioria dos componentes da folia de reis são descendentes diretos da Dona Duchinha e do Sr. Biá.
          Até o presente momento, a família do Sr. Biá Durães (nascido em 02/10/1913) é uma das famílias mais fecundadas de Buritis. O casal teve 15 filhos, mais de 100 netos e 50 bisnetos. Hoje não estão mais vivos, deixaram um grande legado de um casamento de mais de 60 anos de duração.
          As fotos antigas acima, são do casal Sr. Biá Durães e Dona Duchinha. Fazem parte do Arquivo histórico da TV Rio Preto Buritis MG.
          A Comunidade Pernambuco, em Buritis, realiza todos os anos, na data da Festa de Santos Reis, 6 de janeiro, a tradicional Folia de Reis, festividade católica que celebra a epifania do senhor e homenageia os três reis magos.
          Na comunidade, a folia é tradição da Família Durães e inicialmente era organizada por Duchinha e Biá e hoje fica por responsabilidade de seus descendentes que continuam com a tradição na Comunidade Pernambuco.
          A Folia de Reis é realizada entre famílias do povoado, que recebem em suas casas os mais de 20 foliões. Em frente a lapinha, os foliões entoam canções e fazem apresentações de danças que animam a comunidade presente. Numa combinação de violas, caixas e pandeiros, os foliões se divertem com a tradicional curraleira.
As fotografias, exceto as antigas do casal, são de autoria de Marcilei Farias e Celestino Filho. As imagens e textos foram enviados por Gilberto Valadares, da TV Rio Preto de Buritis MG

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

O escultor das violas de bambu

(Por Arnaldo SilvaA viola que fabrica está nas mãos de vários artistas brasileiros como Almir Sater, Adriana Farias do Barra-da-Saia, Chico Lobo, Fernando Sodré, Pereira da Viola, Zico e Zeca, Zé Mulato e Cassiano, dentre outros. Não é só no Brasil não. Amantes da viola e artistas de vários países do mundo compram sua viola como artistas Japão, Estados Unidos, Argentina, Portugal, Inglaterra e outros países. 
          Mas quem é esse luthier tão famoso que fabrica violas que encantam tantos artistas no Brasil e no mundo? É o Antônio José Cabral, mais conhecido como "Seu" Cabral das Violas. Um senhor simpático, que recebe todos bem em sua residência, onde nos fundos da casa, tem sua pequena fábrica suas violas. "Seu" Cabral tem 78 anos e mora no bairro São Vicente, em Bom Despacho, Centro Oeste de Minas Gerais.
          Antes de continuarmos falando do trabalho do "Seu" Cabral, vamos explicar o que é um luthier. Essa palavra é de origem francesa, lutherie, em português, luteria. É a arte da construção e concerto de instrumentos musicais. A expressão em francês é a mais usada porque a arte de fabricar instrumentos de cordas era bastante comum na França nos idos antigos. Hoje a profissão de luthier é abrangente a todos que consertam e fabricam instrumentos musicais. É uma profissão respeitadíssima no mundo artístico. O que seria de um músico sem instrumentos musicais?
          Para ser um luthier tem que ter talento, conhecer bastante sobre o instrumento que fabrica e claro, de música.
          
Esse é o caso do "Seu" Cabral. Pela idade que tem, você imagina que ele esteja nesse ofício desde muito jovem, como é comum nesses casos. Mas não é. 
          "Seu" Cabral vem de uma família ligada a carpintaria. Pai, avós, bisavós. Herdou de seus ancestrais a arte de fazer móveis, que é uma atividade tradicional em Bom Despacho, onde existem várias fábricas de móveis.
          Somente em 1995, aos 52 anos que o "Seu" Cabral resolveu mudar de ramo e fabricar violas, instrumento que desde muito jovem gostava de ouvir e tocar. Assim, resolveu começar a fazer o instrumento.
          E fez sua primeira viola aos 52 anos e não parou mais. Hoje tem 78 e perdeu a conta de quantas violas já fez na vida, mas garante que é mais de mil.
          A qualidade das violas fabricadas pelo luthier bom-despachense começou a ganhar fama e atrair os ouvidos de artistas e violeiros do mundo inteiro. A imprensa também se interessou por seu talento.
          A viola do "Seu" Cabral já foi tema de reportagem do programa Globo Rural, e ainda foi entrevistado pela reportagem da Rede Integração, afiliada da Rede Globo em Minas Gerais. Uma revista inglesa, sediada em Londres, mandou um repórter a Bom Despacho para documentar o seu trabalho. Ele não lembra o nome da revista e nem o nome do repórter que o entrevistou.
          O que chama a atenção no trabalho do "Seu" Cabral é o carinho que ele tem pelas violas e o prazer que tem em fazer esse instrumento. Pra fazer as violas ele usa madeiras de cedro, jacarandá-mineiro, pau-marfim, caviúna e outras madeiras. Mas você pensa que ele derruba árvores para fazer suas violas? Não, ele não faz isso.
          O interessante nesse trabalho do "Seu" Cabral é que ele aproveita madeira antiga. Várias pessoas que tem móveis antigos em casa como mesas, cadeiras, guarda-roupas, de madeira maciça, que não querem mais, ao invés de jogá-los fora, doam ao luthier. Com esse material ele reaproveita a madeira boa e faz suas violas. Ficam perfeitas!
          Além de usar madeira antiga, usada, "Seu" Cabral inovou em sua arte e passou a usar madeira de bambu. É o pioneiro nessa arte de fazer violas usando bambu.
          Segundo explicou "Seu" Cabral,  o processo não é o mesmo das violas feitas com as madeiras maciças. Exige muito conhecimento para escolher o bambu e prepará-lo.
          Segundo "Seu" Cabral, tem uma época certa para cortar o bambu. O corte tem que ser feito na lua minguante, mas não pode ser no início e nem no fim do mês. Tem que ser num dia intermediário. E ainda, o mês do corte em lua minguante não pode ter a letra R.
         Passado o corte, vem o preparo. O melhor bambu é aquele grosso. Corta o bambu, cozinha com água e querosene. Segundo "Seu" Cabral, esse cozimento com querosene e água, evita que surjam carunchos na viola.
           Depois de cozida o bambu fica secando. Quando está seco, ele pega a madeira e prepara a chapa de fundo, batente e tampa. Vai trabalhando pedaço por pedaço com as tiras do bambu, colando uma a uma. Assim vai dando forma à futura viola. O cavalete, a escala e o braço das violas são feitos com madeira normal, o corpo da viola é todo feito de bambu. As vezes ele faz toda a viola em bambu.
          É um trabalho que requer muita concentração e conhecimento, isso porque os amantes da viola são exigentes. Esse é o diferencial do "Seu" Cabral, ele conhece, gosta de viola e sabe fazer e faz viola por amor, por prazer acima de tudo.
          Perguntei a ele se havia alguma diferença no som da viola, usando madeira de bambu, cedro, caviúna, pau-marfim e jacarandá. Ele garantiu que sim. Para um leigo que não conhece muito de instrumento e som de viola, pode ser a mesma coisa, mas para um músico, com ouvido apurado, é diferente. O som que a viola de bambu, por exemplo, produz, é diferente do som que sai da viola feita com madeira de cedro. Mesma coisa a viola feita com madeira de jacarandá, é diferente do som de uma viola feita com caviúna, e por ai vai.
          O cantor e violeiro Almir Sater comprou e gostou demais da viola de bambu fabricada por "Seu" Cabral, bem outras pessoas em Minas, no Brasil e no mundo que compram suas violas. 
          A viola é Patrimônio Imaterial de Minas Gerais. Está presente na cultura mineira há séculos e reconhecida pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico de Minas Gerais como um bem imaterial dos mineiros, por sua identidade com o povo e por fazer parte da história do Estado Mineiro. 
A viola de bambu do "Seu" Cabral das Violas custa em média R$1500,00 e quem quiser contatá-lo pode ligar para seu whatsapp: 37 99912-3363 - Fotografias e Reportagem de Arnaldo Silva

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A saudade fala português

(Por Maria Eugênia de Viveiros) Eu tenho saudades de tudo que marcou a minha vida . Quando vejo retratos, quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado, eu sinto saudades...
        Sinto saudades de amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem não mais falei ou cruzei... 
        Sinto saudades da minha infância, do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro, do penúltimo e daqueles que ainda vou vir a ter, se Deus quiser...
        Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro... 

        Sinto saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...
      Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei, de quem disse que viria e nem apareceu; de quem apareceu correndo, sem me conhecer direito, de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.
          Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito; daqueles que não tiveram como me dizer adeus; de gente que passou na calçada contrária da minha vida e que só enxerguei de vislumbre; de coisas que eu tive e de outras que não tive mas quis muito ter; de coisas que nem sei que existiram mas que se soubesse, decerto gostaria de experimentar.
        Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes, de casos, de experiências... 
       Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer, dos livros que li e que me fizeram viajar, dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar, das coisas que vivi e das que deixei passar, sem curtir na totalidade. 
        Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que, não sei aonde, para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...
        Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades em japonês, em russo, em italiano, em inglês, mas que minha saudade, por eu ter nascido brasileira, só fala português embora, lá no fundo, possa ser poliglota.
        Aliás, dizem que se costuma usar sempre a língua pátria, espontaneamente, quando estamos desesperados, para contar dinheiro, fazer amor e declarar sentimentos fortes, seja lá em que lugar do mundo estejamos. 
        Eu acredito que um simples “I miss you”, ou seja lá como possamos traduzir saudade em outra língua, nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha. Talvez não exprima, corretamente, a imensa falta que sentimos de coisas ou pessoas queridas. 
        E é por isso que eu tenho mais saudades... 
        Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos.
        Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis, de que amamos muito do que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência...
        Sentir saudades, é sinal de que se está vivo!

Maria Eugênia de Viveiros é advogada, escritora e mora no Rio de Janeiro. 
Artigo publicado com autorização para Conheça Minas  
Imagem ilustrativa de Arnaldo Silva em Bom Despacho MG

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Banho de rio, boi bravo, fruta do mato

(Por Maria Mineira/São Roque de Minas) Na roça quando se matava um porco, era costume se repartir com a vizinhança um pedaço de carne fresca. Havia um recurso para que as crianças não beirassem as tachas com banha fritando, carne cozinhando. A minha vó Geralda costumava separar os embornais de cada comadre e nos mandava às fazendas e sítios vizinhos, fazer as entregas. Sair de turma era bom demais da conta!
          Antes de pegar a estrada, ouvíamos um punhado de recomendações:
— Ocêis num sai da estrada.
— Oia no chão mode cobra.
— Num come fruta do mato, qui é veneno.
— Cuidado pá num caí da pinguela,
— Num passa dend'água cum corpo quente, sinão constipa.
— Num vai no mei do pasto, sinão panha carrapatinho.
— Cuidado cum as vacas de bezerro novo e os boi brabo.
— Põe sintido no Zé Carlo e no Valadir, qui ês indé piqueno.
— Num roba melancia nas roça dos vizinho...
          Estas e mais uma imensidão de conselhos que nem ouvíamos, pois já corríamos estrada afora. Éramos mais ou menos, uns sete meninos e meninas. Eu e a Irene do Jairim Preto — minha grande amiga de infância — cada uma carregava um irmão pequeno na costas.
          Éramos um bando de crianças barulhentas na estrada. Mal saíamos das vistas dos adultos, entrávamos no pasto por debaixo do arame farpado. Às vezes rasgando a roupa, riscando pernas no capim, espinhando pés descalços, cortando mato, seguindo trilhas até chegar à primeira casa.
          Era uma gritaria, pois o cachorrão bravo nos recebia na porteira; nos perseguindo e nos fazendo subir nas tábuas do curral. O tio João vinha, espantava o bicho e estava entregue a primeira encomenda.
          A turma seguia caminho para casa do tio Roque. Havia ali uma descida íngreme no capim rasteiro; sentávamos de dois a dois em cascas de palmeira deslizando morro abaixo, era o nosso tobogã. Certa vez, perdi o equilíbrio e desci aos trambolhões, indo parar lá embaixo no brejo. Credo!
          Em algumas casas nos davam grandes argolas de biscoito de polvilho que colocávamos nos braços, feito pulseiras comestíveis.
          Contrariando os conselhos, comíamos tudo quanto era fruta do mato: gabiroba, bacupari, araçá. Era bom demais passar perto do coqueiro macaúba que dava aqueles coquinhos de casca dura, mas por dentro eram amarelos e doces, fazíamos sacolas com as saias e os meninos com as camisas. Havia também o Jatobá, um fruto do cerrado, que a gente quebrava a casca para roer a polpa farinhenta-adocicada que ficava grudada nos dentes.
          Uma vez, arriscamos passar perto de bois bravos para ir até uma árvore carregada. Entramos todos no pasto e logo ouvi uma gritaria... Era o Sereno! Boi trochado, com chifres enormes, vindo em nossa direção. O animal estava tão bravo que furava o chão com os cascos. Alguns se empoleiraram rápido nas árvores. Irene e eu não conseguimos subir com os pequenos no colo, então corremos feito loucas, num desespero só...
          Duas meninas em disparada na frente do boi com os irmãos enganchados na cintura. Fiquei com as pernas bambas quase sem conseguir levantar do chão. Foi a única vez que a vi Irene branca que nem cera. Até hoje não sei como conseguimos passar no vão daquela cerca de cinco fios de arame farpado carregando as crianças sem ninguém se machucar. Acho que o anjo da Guarda estava atento.
          Para abrandar o susto, entramos numa capoeirinha de árvores altas onde os cipós floridos se emaranhavam uns nos outros formando arcos. Seguindo o caminho estreito coberto de folhas, uma curva aqui, outra ali e logo se avistava o riacho de água transparente que deixava ver o fundo coberto de pedrinhas e areia.
          Ninguém podia pisar na água, antes de refrescar o corpo. Todo mundo deitava na margem e enfiava o rosto dentro d’água para beber e ver os lambaris correndo entre as pedrinhas. Lamentávamos a falta de uma peneira.
          Depois de matar a sede, molhar os pulsos e a nuca, o banho estava liberado. Era de roupa mesmo, verdadeira festa de jogação de água uns nos outros. Uma vez, a Irene se distraiu e seu irmãozinho Valadir rodou córrego abaixo. Ainda bem que o salvamos a tempo. Achamos o molequinho chorando e todo embaraçado nos embiris. Se via apenas os dentes branquinhos e seu cabelinho crespo brilhando ao sol. Foi um susto, coitadinho!
          O sol já estava a caminho da serra quando alguém lembrava que ainda tinha casa do Seu Diolino para entregar carne. Molhadas, as roupas grudavam nas pernas, estorvando os passos. Quando não secavam no caminho, havia que se inventar uma boa desculpa: uma chuvinha passageira, uma queda da pinguela, porque já na chegada uma mãe reparava:
— Qui rôpa moiada é essa, minina?
          Todo mundo era cúmplice, até os pequenos se calavam...
          Levar uns puxões de orelha nem doía muito. Sarava rápido.
          O que entristecia era a ameaça de que na outra arrumação de porco não iam nos deixar entregar as encomendas.
Imagem de Arnaldo Silva em Bom Despacho MG

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Da gratidão

(Por Miryan Lucy Resende/Uberlândia MG) Cada dia tem seu milagre. Escondido na curva de um sorriso, no canto de um pássaro que dá seu bom dia à flor do seu jardim. Dentro do sonho que te acompanha: aquele de uma vida inteira. O milagre está dentro de nós, fora de nós, disponível a quem queira merecê-lo.
         Quem sabe hoje tenha sido o dia do seu maior milagre. Naquela hora em que você mudou o trajeto. Escolheu outra rua. No momento em que o pneu furou, você perdeu o ônibus, a hora – ganhou a vida. 
         São muitos os mistérios e poucos a percebê-los. Distraídos, vamos acumulando graças, presentes, mais um dia, mais um mês, mais uma chance. E não agradecemos. Nem sequer pensamos a respeito. Preferimos, até, a reclamação, o aborrecimento. Abominamos a adversidade sem ao menos perceber que, ali, bem ali, esteve nosso milagre. 
          Aquele momento em que sua célula quase, quase se multiplicou desordenadamente, mas suas defesas funcionaram – e você continuou saudável. Aquela batida errada do seu coração, que poderia ter sido a última, e ele corrigiu o passo, acertou seu compasso e não te deixou na mão. E você ganhou de presente novos poemas para serem lidos, outras e novas risadas, ganhou de volta pequenas coisas, das quais você, com certeza, sentiria muita falta, embora passe por elas sem reconhecer o milagre que elas encerram. 
         Ainda que o momento seja de tragédia, quando os nossos incêndios particulares e coletivos parecem nos levar quase tudo, procure entre as ruínas: ali há de vicejar um milagre. Não deite nunca sobre os seus escombros. No máximo pense neles como os alicerces da mais necessária e possível reconstrução. Nós podemos. Acredite. O milagre está, é, existe. Decida merecê-lo. Procure por ele a cada final de dia. 
         Essa é a hora em que você poderá eleger o que vai levar para sua noite de sono. A palavra boa de um amigo, o cheirinho bom de um café feito com amor, a doce lembrança de uma imagem, aquele melhor pedaço, a mais gostosa fatia, ou aquela palavra atravessada, a preocupação, a ofensa, a discórdia, tudo o que pode virar ferida.
         Nada vale mais a pena nesse momento em que se fecha o dia, a não ser silenciar e procurar pelo seu milagre . Afinal, amanhecemos sob o mesmo sol e ele se pôs sobre nossas cabeças. E você caiu de pé. Vai duvidar desse milagre? 
Imagem ilustrativa de Sempre-vivas, fotografada pela Giselle Oliveira em Diamantina MG

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

De alguma saudade

(Por Myriam Lucy Rezende/Uberlândia) Quem nunca passou por ela, nunca conheceu tramela, porteira e mourão. Não ouviu galo abrindo manhã, não acendeu fogo em lenha, não viu gato enrolado no rabo do fogão.
      Quem nunca passou por ela, não seguiu procissão em dia santificado, não levou flores aos finados, nunca dedilhou violão. (foto acima de John Brandão - In Memoriam em São Tomé das Letras MG)
     Quem nunca passou por ela, não levou o dedo no tacho, não lavou a cara em riacho, não brincou de queimada, boneca, bola e balão. 
     Não sentou à beira da estrada, não viu noite enluarada, não fez pipa, não jogou no único degrau da entrada as cinco pedrinhas com os primos e irmãos. 
     Quem nunca passou por ela, não sabe o que é jardineira, estribeira, algibeira, roda d’água, nem banhou-se em cachoeira, seguiu a corredeira, virou cambota, acreditou em assombração – e na beira da alvorada andou com os pés calçados só de relva molhada e chão. (foto acima de Arnaldo Silva, em Ouro Preto MG)
     Mas se viveu uma história assim bonita e singela, é bom, seu moço, saber. Um dia ou outro, encostado, ao muro chamado passado, ela se abrirá mansa – uma rosa caipira na palma da sua mão. 
     E o seu olho molhado, que nem chuva no roçado, vai te mostrar que é saudade esse quadro bem pintado, para sempre pendurado, no umbral do coração. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Casa da mãe depois que os filhos se vão

(Por Míryan Lucy de Resende/Uberlândia MG) Casa de mãe depois que os filhos se vão é um oratório. Amanhece e anoitece, prece. Já não temos acesso àquelas coisinhas básicas do dia a dia, as recomendações e perguntas que tanto a eles desagradavam e enfureciam: com quem vai, onde é, a que horas começa, a que horas termina, a que horas você chega, vem cá menina, pega a blusa de frio, cadê os documentos, filho.
          Impossibilitados os avisos e recomendações, só nos resta a oração, daí tropeçamos todos os dias em nossos santos e santas de preferência, e nossa devoção levanta as mãos já no café da manhã e se deita conosco.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é lugar de silêncio, falta nela a conversa, a risada, a implicância, a displicência, a desorganização. Falta panela suja, copos nos quartos, luzes acesas sem necessidade…
          Aliás, casa de mãe, depois que os filhos se vão, vive acesa. É um iluminado protesto a tanta ausência.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre o mesmo cheiro. Falta-lhe o perfume que eles passam e deixam antes da balada, falta cheiro de shampoo derramado no banheiro, falta a embriaguez de alho fritando para refogar arroz, falta aroma da cebola que a gente pica escondido porque um deles não gosta ( mas como fazer aquele prato sem colocá-la?), falta a cara boa raspando o prato, o “isso tá bão, mãe”. O melhor agradecimento é um prato vazio, quando os filhos ainda estão. Agora, falta cozinha cheia de desejos atendidos.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é um recorte no tempo, é um rasgo na alma. É quarto demais, e gente de menos.
          É retrato de um tempo em que a gente vivia distraída da alegria abundante deles. Um tempo de maturar frutos, para dá-los a colher ao mundo. Até que esse dia chega, e lá se vai seu fruto ganhar estrada, descobrir seus rumos, navegar por conta própria com as mãos no leme que você , um dia, lhe mostrou como manejar.
          Aí fica a casa e, nela, as coisas que eles não levam de jeito nenhum para a nova vida, mas também não as dispensam: o caminhão da infância, a boneca na porta do quarto, os livros, discos, papéis e desenhos e fotografias – todas te olhando em estranha provocação.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão não é mais casa de mãe. É a casa da mãe. Para onde eles voltam num feriado, em um final de semana, num pedaço de férias.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão é um grande portão esperando ser aberto. É corredor solitário aguardando que eles o atravessem rumo aos quartos. É área de serviço sem serviço.
          Casa de mãe depois que os filhos se vão tem sempre alguém rezando, um cachorrinho esperando, e muitos dias, todos enfileirados, obedientes e esperançosos da certeza de qualquer dia eles chegam e você vai agradecer por todas as suas preces terem sido atendidas.
          Por que, vamos combinar, não é que você fez direitinho seu trabalho, e estava certo quem disse que quem sai aos seus não degenera e aqueles frutos não caíram longe do pé?
          E saudade, afinal, não é mesmo uma casa que se chama mãe?
Fotografia ilustrativa acima de autoria de Arnaldo Silva em Bom Despacho MG

sábado, 22 de setembro de 2018

A simplicidade que virou arte

(Por Arnaldo Silva) A simplicidade, a humildade e o talento, juntando com a vontade de mudar o mundo em sua volta. É assim que podemos descrever esse trabalho da artista plástica D´Jane Silper.
          D`Jane usou seu talento, sua arte e sensibilidade para transformar casa em que mora. Transformou sua vida e os corações de quem conhece sua obra e contempla sua arte. Nas paredes de seu lar, existem agora jardins, cupidos, vasos com flores, pássaros, borboletas, adornos romanos.... A calçada, lembra o teclado de um piano, dando mais magia ao lugar e sensibilizando os corações pela simplicidade e beleza que ficou. (veja abaixo como era a casa antes da arte da D`Jane)
          Quando concluiu sua arte e publicou as fotos no Facebook chamou a atenção de todos seus amigos e as imagens passaram a ser compartilhadas, despertando o interesse de centenas de milhares de pessoas pelo Brasil e também do mundo. Pessoas da Rússia, China, Portugal, França, Turquia, Japão e Alemanha mantiveram contatos com a artista encantados com sua arte.(na imagem abaixo a artista iniciando a pintura da fachada)
          D`Jane não é mineira, é baiana, nascida em Itanhém em 1979. Começou a pintar em 1999 e nunca mais parou. Ela banca o seu próprio material, com seu trabalho que exerce. É auxiliar na Secretaria de Assistência Social de Itanhém.
          Sua arte teve influência da artista plástica mineira Edilene Torino, que conheceu em 2013. A artista afirma sempre que esse encontro com mineira Edilene Torino foi decisivo para ela e consolidação de sua arte, definida hoje como gentileza urbana.
          A arte de D´Jane Silper é exemplar. A sensibilidade dela e beleza de seu trabalho, tem que ser mostrado, conhecido e divulgado para que outros artistas se inspirem no talento da jovem baiana e transformem, com seus talentos, sua casa, sua rua, sua praça, seu bairro, sua cidade.
Quem quiser conhecer a artista e seus trabalhos em sua cidade, a artista está nas redes sociais com o nome D´Jane Silper.

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