A parte paulista do túnel começava no km 23 e a parte mineira, no km 24. Um ano depois de iniciada a obra, o túnel foi inaugurado em 5 de março de 1883 e contou com a presença do Imperador, acompanhado pela Família Real e com a presença de figuras importantes de Minas e São Paulo que entendiam ser esta obra de grande importância para o desenvolvimento da região, tanto de Minas, quanto de São Paulo.
Esse trecho entrou em operação em 14 de junho de 1884. A inauguração foi registrada em foto, como podem ver, acima, com autoria atribuída a Marc Ferrez.
A construção desse túnel uniu mineiros e paulistas, pelos benefícios que a obra traria para os dois lados. A ferrovia significava desenvolvimento.
Da esperança de desenvolvimento à guerra
Já no século XX, neste mesmo lugar, onde mineiros e paulistas estavam unidos e satisfeitos com a obra, ironicamente, foi marcado por uma das mais sangrentas batalhas do século XX, justamente entre mineiros e paulistas. A alegria da inauguração ficou para trás. No túnel ficaram lembranças de lágrimas, dor, sofrimentos e tristeza. (foto acima de Paulo Santos, o túnel hoje, abandonado)
Vargas e a Revolução
Getúlio Vargas (São Borja/RS, 19/02/1882 - Rio de Janeiro, 24/08/1954) assumiu o poder em 1930, decorrente de um movimento chamado de “Revolução de 1930”, instalando o chamado “governo provisório” que durou 15 anos. Foi um governo ditatorial, com ações implacáveis e sangrentas contra seus adversários.
Com ascensão de Vargas ao poder, a elite paulista, principalmente os produtores de café, perdeu os privilégios que tinha quando era presidente, o paulista Washington Luís, derrubado por Getúlio. Tentando reaver seus privilégios e discordando com os rumos que o Governo dava ao país, os paulistas tentaram unir os estados para derrubar Getúlio Vargas.
O Governo Federal não ficou parado. Vargas agiu rápido, mobilizando tropas e conquistando apoios dos presidentes dos estados (governadores) e conseguiu neutralizar a tentativa de influência paulista nos estados, preparando-se política e militarmente para por fim a revolta. Mas os paulistas acreditavam que conseguiriam depor Getúlio Vargas, promover novas eleições e aprovar uma nova constituição, através de uma Assembleia Nacional Constituinte, suas principais reivindicações.
Acreditando que tinham forças para derrubar Getúlio do poder, a elite paulista mobilizou as massas populares para marcharem rumo a Capital Federal, na época, o Rio de Janeiro. Iniciaram o que passou a se chamar “Revolução Constitucionalista de 1932”. Saíram da Estação de Cruzeiro SP, rumo a Três Corações, no Sul de Minas, para fazerem baldeação até o Rio de Janeiro.
A viagem dos paulistas foi curta, durou apenas 34 km. As tropas que iriam para o Rio de Janeiro, não passaram de Passa Quatro MG, cidade mineira na divisa com Cruzeiro/SP.
No meio do caminho: Minas Gerais
Para chegar a este destino, de ocupar a Capital Federal e depor Getúlio, tinham que passar por Minas Gerais. Esse era o problema, Minas Gerais estava no caminho dos paulistas e reagiu a tentativa das tropas paulistas entrarem em Minas Gerais. As tropas mineiras, aliadas à Getúlio Vargas, não permitiram o avanço das tropas paulistas em seu território, minando o objetivo inicial dos revoltosos de chegar ao Rio de Janeiro. O Sétimo Batalhão de Caçadores Mineiros
Coube ao 7º Batalhão de Caçadores Mineiros, sediado em Bom Despacho MG, Centro-Oeste de Minas, comandado pelo Tenente-Coronel Fulgêncio, impedir o avanço dos paulistas. As tropas mineiras deixaram Bom Despacho de trem, rumo a Passa Quatro, no Sul de Minas, entrando em confronto direto com as tropas paulistas. Mineiros e paulistas entraram em guerra. Era a Revolução de 1932. (na foto acima oficiais e praças do 7ºBCM na Estação de Trem de Bom Despacho MG, antes do embarque para o Sul de Minas/Foto 7ºBPM de Bom Despacho). Juscelino Kubitscheck Às Tropas Mineiras, se juntou o médico Juscelino Kubitschek, anos depois, prefeito de Belo Horizonte, Governador de Minas e Presidente da República. JK havia ingressado na Força Pública de Minas Gerais em 1931, com a patente de capitão-médico, atuando no Hospital Militar.
Casou-se com Sarah Lemos, em 30 de dezembro de 1931 e no dia 9 de julho de 1932, com apenas 6 meses de casado, foi enviado ao front de batalha. JK assumiu o hospital de campanha, instalado em Passa Quatro, se dedicando com afinco à sua tarefa, sem hora para começar ou encerrar os trabalhos no hospital.
A sede do 7º Batalhão de Caçadores Mineiros continua até os dias de hoje sediado em Bom Despacho MG, hoje com o nome de , 7º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais. À época, o 7ºBCM tinha uma extensa área de atuação regional, que compreendia o Centro-Oeste Mineiro, Campo das Vertentes, Noroeste de Minas, Triângulo Mineiro e Sul de Minas. (na foto abaixo, militares do BCM se preparando para embarcar para a divisa de Minas com São Paulo, na Estação de Trem de Bom Despacho MG. Foto cedida pelo 7ºBPM de Bom Despacho MG)
Os homens do 7º BCM foram para o combate com o firme propósito de defender o território mineiro e a unidade do Brasil, já que a maioria dos Estados da Federação estavam aliadas ao Governo Federal. Foram para impedir e encerrar de vez o movimento revoltoso iniciado pelos paulistas. E foram vitoriosos. Os militares mineiros partiram da Estação de Bom Despacho rumo ao Sul de Minas. (na imagem abaixo, momento da partida dos militares rumo ao Sul de Minas, na Estação de Bom Despacho MG, antes, os militares rezam e são abençoados pelo vigário da cidade. Foto cedida pelo 7º Batalhão da Polícia Militar, de Bom Despacho). A batalha entre mineiros e paulistas
As tropas do 7º BCM, ao chegarem ao Sul de Minas, foram logo se preparando para o confronto, se instalando em pontos estratégicos nas cidades mineiras na divisa com São Paulo. Sob o comando do Tenente-Coronel Fulgêncio, os militares mineiros montaram barricadas e ações estratégicas de guerra, fechando o cerco ao paulistas. 87 dias de guerra A guerra foi travada entre julho e outubro de 1932, sendo o Túnel da Mantiqueira, entre os vários campos da batalha nas divisas dos dois estados, palco das mais duras ações de guerra.
Com o avanço dos mineiros, impondo derrotas e muitas baixas aos paulistas, e temendo ficarem encurralados, recuaram e por fim, se renderam, encerrando o conflito.
Foram 87 dias de intensos combates, com um saldo oficial de milhares de feridos e 934 mortos de ambos os lados. Informações extraoficiais dizem que esse número de mortos e feridos foi bem maior, principalmente do lado derrotado, o dos paulistas.
Um desses mortos, foi o comandante das tropas mineiras, o Tenente-Coronel Fulgêncio. Como todos os outros militares que foram para o combate, deixou sua cidade, se despediu da família, dos amigos e foi cumprir sua missão e como tantos outros, não voltou para casa.(a foto acima, cedida pelo 7ºBPM, mostra a missa de corpo presente em Passa Quatro, do Tenente-Coronel Fulgêncio).
Na imagem acima, cedida pelo 7º BPM, momento que o caixão do militar é levado para sepultamento e abaixo, o seu sepultamento, em Passa Quatro MG. Quem ganhou, quem perdeu?
Numa guerra não existe vencedores e nem perdedores. Existe dor, perdas, mortes, tristeza, traumas. Todos perdem. Não há o que se comemorar. Guerra é uma mancha vergonhosa no coração de um povo. Ficaram as lições desse episódio triste da nossa história para as gerações e as marcas de uma guerra de brasileiros contra brasileiros, de mineiros contra paulistas, presentes nesse local. Por isso o Túnel do Embaú, é de grande importância para a história, mineira, paulista e brasileira, do século XIX e XX.
Apesar de derrotados, os paulistas foram atendidos posteriormente em algumas de suas reivindicações como a convocação de uma Assembleia Constituinte, com a finalidade de criar uma nova constituição, que foi promulgada em 1934.
A ditadura Vargas se manteve por 15 anos no poder, de 1930 até 1945. Getúlio Vargas retornou ao poder em 1950, desta vez por volto popular, ficando no cargo até agosto de 1954, quando se suicidou.
9 de julho e o Sétimo Batalhão
Dia 9 de julho marca para os paulistas o início da "Revolução Constitucionalista de 1932", inclusive a data é comemorada pelos paulistas. Por ironia do destino, 9 de julho marca a fundação do 7º Batalhão de Caçadores Mineiros.
A data do aniversário do Batalhão e não da Revolução de 1932, é lembrada todos os anos em Bom Despacho MG pela importância do 7º BCM, hoje 7ºBPM, para a história de Minas Gerais, pelos homens que contribuíram para nossa história e deram suas vidas em defesa do território de Minas Gerais, honrando seus compromissos com a sociedade. Homenagens ao Coronel Fulgêncio
Em Passa Quatro, onde o Tenente-Coronel Fulgêncio tombou em combate, a Estação de Trem que ficava na divisa com Cruzeiro SP, teve o nome mudado logo após o fim do conflito, para Tenente-Coronel Fulgêncio. Foram os próprios militares, em honra ao seu comandante, que alteram, com permissão das autoridades da época. Como podem ver na imagem ao lado, cedida pelo 7ºBPM.
Em Bom Despacho, o Tenente-Coronel Fulgêncio e os combatentes que deixaram a cidade rumo ao Sul de Minas e morreram em confronto, nunca foram esquecidos e são sempre lembrados, um por um, nome por nome. No quartel, um museu com fotos, cartas e objetos da época da Revolução de 1932, conta a história do conflito e é aberto a visitação pública.
Em 26 de setembro de 1985 foi criada a Medalha do Mérito Coronel Fulgêncio de Souza Santos, pelo decreto nº 24.973, destinado a agraciar, em diferentes graus, integrantes da Polícia Militar que participaram do movimento revolucionário de 1932, no Túnel da Mantiqueira, instituições e personalidades civis que tenham prestado relevantes serviços à União dos Militares de Minas Gerais. Essa medalha é uma das principais honrarias mineiras. (na imagem abaixo, cedida pelo 7ºBPM, carta manuscrita descrevendo a morte do Tenente-Coronel Fulgêncio). O fim do ramal ferroviário
As atividades ferroviárias do túnel foram encerradas em 1991, com o fechamento do ramal de Cruzeiro/SP a Três Corações/MG e o túnel foi esquecido, mas sua história e marcas, não.
Hoje, o Túnel da Mantiqueira é ponto turístico para os visitantes que fazem o passeio no Trem da Mantiqueira, que faz o trajeto entre a Estação de Passa Quatro, até a Estação Coronel Fulgêncio, na divisa com Cruzeiro/SP. (Coronel Fulgêncio é este da foto que está na galeria dos ex-comandantes do 7º Batalhão da Polícia Militar, em Bom Despacho MG. Foi o primeiro comandante do Batalhão, instalado em 9 de julho de 1931. Foto cedida pelo 7ºBPM). O tombamento do Túnel da Mantiqueira