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terça-feira, 31 de março de 2020

Proseando em português e mineirês

(Por Arnaldo Silva) Aqui ó gente, mesmo eu estando arroiado de trabalho, arredei a mesa para um canto e resolvi conversar um pouco com vocês, mas garanto que não estou culiado com ninguém. Vamos apiá aqui em casa, sentar a beira do fogão a lenha e prosear.
         Não vou escrever nada errado, na grafia portuguesa, só vou mostrar como é o nosso mineirês. Escrever errado é uma coisa, é falta de conhecimento de nossa língua. Sotaque são as características do linguajar e dialeto é uma variedade linguística de cada região, como por exemplo, o dialeto caipira. Entendeu? Se não entendeu, dá um jeito de entender porque eu não vou desenhar não, vou é escrever. 
         Para não atazaná oceis, vou ataiá a a prosa para que entendam bem. Já estou avisando, não é nenhuma bagaça e muito menos bobiça o que vai ler. Mas também não é para caça confusão comigo por causa disso. Capaiz que eu vou querer me enfiar em confusão. Estou é cascando fora disso.
          Quero só que entendam a diferença de escrever certo e escrever em mineirês, que não é errado, é dialeto, se escreve como se pronuncia, mas agora, entender, ai já é outra coisa, só mineiro entende mesmo.
          Arrudia todo mundo e vamos lá entender o meu causo. Se alguém ficar com dor na cacunda, levantae dá uma esticada e se reclamar, vai é levar uma cunda daquelas. Já que arrudiou aqui, cê num pode arriá logo agorinha né. Só se você não for de atacá nada, ai já é problema do seu trem.
          Vou tomá só um cadim desse cafezinho aqui na minha xicrinha, cadiquê tô gosto de cafezim quentim, descendo pelas guela antes de escrever. Assim o causo fica bão dimais da conta né sô? É aquela lasquêra uai!
          E por falar nocê sô, como cumé que está a cumade? Ceis tão bão ou não? Seus filhos continuam custosos? Eu fico só espiando eles, divera que são levados por dimais. Êta disgrama só. Tem hora que dá aquela girisa de tanta bagunça que eles fazem, mas deixa, são meninos. Deixa bagunçá a vontade.
          Mas toma um golin de café também. Não vai me fazer a disfeita de não tomar. Isso é feidimais. Pega a xícra e toma a vontade.
          Mas cumpadi, não é que estou te deixando encantoado, mas não fica encasquetado comigo não. É que quero saber quem que embuchou por essas bandas? Tem muita gente enrabichado por aqui, eu tô meio vuado dos causos aqui da vila.
          Não fica pensando que eu sou entojado e nem esteja estorvano, mas eu sempre fico veiáco com essas coisas e não gosto mesmo de me fingi di égua, mesmo que eu nem facidéia do que é ou esteja garrado em algum trem.
          Mas se não quiser falar, não tem problema. Nada de gastura compadi, fica tranquilim ai porque aqui ninguém vai inventá moda pra te intojá..
          Istudia mesmo teve um caboclin aqui e perguntou onde era a casa do Zezín da Fiota. Expliquei direitim. No dia seguinte o caboclo parou por essas bandas de novo numa brabeza danada. Ele disse que andou muito. Bobiça dele. Só que porque eu disse que era logo ali ó! Era mesmo, mais ou menos uns 300 km de a pé. Pertin né sô. Num pulin de nada ele chegava lá. Não precisava fazer malcriação comigo e nem caçuá de mim e ficar dando manota na porta da casa do zôto. Fiquei com uma raiva dele que até esqueci de colocar minha matula na capanga.
        Pelo menos aquela murrinha foi embora. Ô moço intojado sô! Estava me deixando um mucado jirizado e ainda ficou jogando nhaca nimim.
         Nusinhora do céu, me benzi com isso, curuiz incredo, mas trem ruim não pega nimim não. Mas não custa nada umas rezadinha né.
          E ainda queria fazer umas catiras comigo. Não tenho nada para catirar nem liguei. Vai ver que ele queria me passar a manta. Óia só, melhor panhá o terço na jibêra e rezá. Assim a gente vai pelejando e esquecendo o pocaso dos outros prá mode não deixar as coisas prus coco qui nem uns tipim faz.
          No final das contas eu rachei os bico de ri daquele marmota. Não estou nem quimportamilando com isso. Eu sarto é de banda mesmo. Sungo os trem pra riba e assim a gente segue em frente.
          Tem base um trem desses eu ficar com a moringa quente por isso? Pra mode quê? Quem esquenta a moringa é cabeça de fosqui eu lá tenho fucin de fosqui? Trem trapaiado sá! Não é sô, é sá mesmo. Tô falando é com a mulher do compadi agora.
          O jeito é pegar minhas trenheira e arraiá na cama né uai? A hora que eu estiver varado de fome vou lá na cozinha e como qualquer trem que tiver por lá.
          Vou esquecer aqueli tipin, já tô berando uns 50 e tantos, tá na hora de não ficar aperriado com trenzim a toa. Só sei que se ele bater por essas bandas, vou socá um trem nele que ele não mete o fucim aqui nunca mais.
          Inté logo cumpadi e cumadi que eu vou arriá de vez!

Fotografia ilustrativa de Nilza Leonel em Vargem Bonita MG)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Em Minas a sala é a cozinha

(Por Arnaldo Silva) A sala da casa do mineiro é a cozinha. A visita vai logo pra cozinha, sendo recebido com café, queijo, doces, licores, biscoitos, bolos e uma boa prosa. Se for a cinco casas de mineiro por dia, terá que tomar cinco cafezinhos e comer todas as quitandas que tiver, em cada uma delas. E não pode recusar porque para um mineiro, recusar um cafezinho ou suas quitandas, é uma ofensa. Tem que comer tudo.
          A cozinha geralmente fica lá no fundo da casa, simplesmente porque lá no fundo, fica o pomar, a horta, a mina d água e o galinheiro. Pela cozinha podemos ver as jabuticabeiras, abacateiros, cajueiros, limoeiros, goiabeiras, mangueiras, pequizeiros, laranjeiras e hortaliças. Era fácil sair da cozinha para colher chuchu, quiabo, couve, alface, tomate, abobrinha, salsa, cebolinha. Horta não pode faltar num quintal mineiro, principalmente de fazendas. Nas noites frias, folha de laranjeira, de hortelã ou de erva cidreira, erva doce ou funcho é colhido para fazer chás... Mineiro adora chás e tem prazer em cultivar plantas medicinais nos quintais.
          Na cozinha está o melhor da casa, o fogão a lenha. Era possível sentir lá da sala o aroma de casca de laranja e linguiças sobre o fogão. Ouvir o barulho da lenha queimando, sentir o cheirinho de café coado num coador de pano e um gostoso bolo de fubá assando na brasa do fogão.
          Na dispensa, ao lado da cozinha, tem rosca caseira, queijo fresquinho, doce de leite e goiabada, feitos no tacho para ofertar às visitas. Tinha também frutas, muitas frutas no pomar, era só colher.
          Os Doces Momentos da infância vêm da saudade do convívio com  avós, tios, pais e colegas. A comida estava ligada a tudo porque mineiro gosta de comer e de cozinhar. Minas é um prato cheio de delícias!
A primeira foto é em Vargem Bonita MG por Luis Leite. Segunda, também em Vargem Bonita, por Nilza Leonel. A terceira de Fernando Campanella em Pouso Alegre e a quarta, minha mesmo.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Mineiridade que corre nas veias

(Por Arnaldo Silva) Em Minas, visita é logo convidado para entrar e ir pra cozinha, pra tomar um cafezinho passado na hora. Seja na hora do almoço ou no jantar, chegou visita, vai logo pra cozinha. Se quiser, pode ficar, pode pousar. Sempre tem uma cama sobrando para receber as visitas. (na foto acima de Lucas Carvalho/@elclucas Senhor Carneiro, mora na Vila do Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei, MG, na residência mais antiga do local)
          Mineiro é assim, recebe as visitas tão bem que impressiona.
Se conhece, trata bem demais, se não conhece, desconfia um pouco mas logo se solta e o visitante já é de casa, quase compadre e vai logo para a cozinha tomar uns goles de café e jogar uma boa prosa fora, ouvindo os nossos melhores causos. Casa de mineiro não tem sala, tem cozinha. (acima de @shakalcarlos, tradicional fazenda mineira no Caminho da Luz, Zona da Mata)
          O maior prazer do mineiro é levar sua visita para cozinha comer queijo, pão de queijo, biscoitos, bolos, broas, rosquinhas e claro, tomar muito café, feito na hora, no coador de pano. (na foto acima do Cantinho de Minas em São João Batista do Gloria MG)
         Mas tem gente que não entende o nosso mineirês e o nosso jeito de ser. Não falamos errado, falamos do nosso jeito. É um sotaque, um dialeto falado desde o povoamento de nossas Minas Gerais, há uns 300 anos e valorizamos muito as nossas tradições e origens. Nas 12 regiões geográficas de Minas, mesmo com algumas diferenças, nosso sotaque, tradições, história e cultura são valorizadas e passadas de geração a geração.
          Aqui não tem mar e nos perguntam o que fazemos num lugar sem mar. Se Minas não tem mar, o problema é do mar que não tem Minas. Nós vivemos super bem entre nossas montanhas, nossas cachoeiras, rios, cidades encantadoras, históricas e com nossa vasta e riquíssima culinária. (na foto acima do J. Camilo, o Lago de Três Marias MG)
          Quem não é mineiro, não entende isso. Nós não estamos em Minas, somos Minas Gerais. Minas faz parte da gente. Minas é o nosso sangue, é um trem que corre em nossas veias.
          O que nos diferencia é que somos parte integrante de nosso Estado, de nossas belezas, de nossa cultura, de nossa riqueza gastronômica.
          O mineiro, mesmo que não viva em Minas, sabe com, certeza que Minas Gerais vive nele. 
          Mineiro tem orgulho de Minas porque ser mineiro é bom demais!

terça-feira, 3 de setembro de 2019

12 principais identidades mineiras - Primeira parte

(Por Arnaldo Silva) Onde o mineiro estiver ele carrega consigo as nossas identidades. Seja no jeito de falar, de e expressar ou nos gostos, principalmente, culinários. Em termos de comida, o mineiro é exigente.
          O mineiro sabe perfeitamente identificar um queijo mineiro de verdade. Se o pão de queijo não é de Minas Gerais, só de olhar ele já sabe. Nem precisa experimentar. Se a comida é realmente mineira, feita de acordo com as tradições culinárias de Minas, ele percebe facilmente. Isso se chama identidade com Minas Gerais, coisa que só mineiro entende. Está na alma mineira. (na foto acima do Arnaldo Silva/@arnaldosilva_oficial, uma tradicional venda antiga no povoado da Garça em Bom Despacho MG)
Quem é mineiro é facilmente identificado por essas identidades.
01 - Uai
           Dificilmente mineiro não fala Uai, mesmo o mais erudito dos mineiros, vez ou outra deixa escapar um uai. Isso porque o Uai está na nossa raiz, na nossa origem, no nosso mineirês desde o século 19. Uai é nossa identidade. Mineiro que se preze e valoriza suas origens, fala uai com muito orgulho.
02 - Trem 
          Em Minas trem é tudo e tudo é um trem, mas um trem não é literalmente, um trem. Pode ser uma comida, uma rua, uma casa, uma roupa, uma árvore, um ônibus, um carro, um avião, um computador... Em Minas a palavra trem significa tudo que o mineiro gosta, não gosta ou não sabe bem o que é. (foto acima de César Reis)
03 - Queijo 
          Queijo corre nas veias do mineiro desde o século 18. É tradição mineira fazer queijo. Seja fresco o curado, no café ou no preparo das quitandas, mineiro, Minas e queijo tem tudo a ver. (foto do Queijo Roça da Cidade de São Roque de Minas/Divulgação)
04 - Pão de Queijo
          Do queijo surgiu uma das mais deliciosas quitandas do mundo. O nosso pão de queijo. Mineiro nunca fala “pão de queijo mineiro” porque o pão de queijo é mineiro. Se existe outro tipo de pão de queijo sem ser o mineiro, é cópia mal feita. O mundo todo sabe que pão de queijo é de Minas Gerais, a mais fina identidade mineira, tão importante quanto nosso uai. Falou em Minas, vem logo à mente, pão de queijo. (Foto acima de Regina´s Farm/Fazendinha da Regina) 
05 - Biscoito de queijo
          Só perde para o pão de queijo em termos de tradição e identidade mineira. Qual mineiro não gosta de biscoito? O preferido e tradicional é sem dúvida o biscoito de queijo. Com café coado à beira do fogão, num coador de pano... Hum... nem se fala. 
06 - Fogão a lenha
          No interior mineiro o fogão a lenha ainda está presente nas cozinhas, como há séculos. Dizem que não existe unanimidade, mas em se tratando de fogão a lenha, com certeza, todos afirmam que a comida tem um sabor diferente da feita no fogão a gás. É sem dúvida, a comida mais gostosa. Essa é a única unanimidade que eu conheço. Ainda mais aquela comida feita em panelas de ferro ou de pedra sabão. A figura do mineiro proseando a beira de um fogão a lenha é real, tradicional e comum até os dias de hoje no nosso interior, seja na zona rural ou na cidade. Na minha casa na cidade, tenho fogão a lenha e forno de barro.
07 - Forno de barro
           Por falar em forno de barro, esse não falta nos quintais dos sítios e fazendas de Minas. Na cidade também. Para assar broas, pão de queijo, biscoitos, roscas e rosquinhas são os preferidos. Junto com o fogão a lenha, é nossa identidade gastronômica, valoriza nossa rica culinária e nosso jeito mineiro de ser. (foto acima de Nilza Leonel)
07 - Artesanato mineiro
          A vocação mineira pelas artes vem desde os tempos antigos e o talento mineiro para o artesanato é reconhecido internacionalmente. O artesanato mineiro é uma das mais importantes identidades de Minas Gerais, principalmente o artesanato em barro do Vale do Jequitinhonha, na foto, de Ernani Calazans, artesanato da artesã Alice Costa, de Minas Novas, que dá identidade a Minas e ao Brasil.  
08 - Namoradeira de janela
          Nos tempos antigos as moças mineiras que queriam se casar, não saiam para as ruas ou bailes para procurar pretendentes. Era tradição ficar encostada nas janelas de suas casas a espera de um bom pretendente. Se o rapaz se interessasse pela moça, procurava o pai e pedia a dama em namoro. A arte replicou essa tradição do século 19 em Minas, criando as famosas namoradeiras de janela, hoje decorando janelas de boa parte das casas mineiras. (foto acima de Sônia Fraga em Ouro Preto MG)
09 - Panelas em pedra sabão
          Pedra sabão é uma rocha abundante em Minas, principalmente na região do quadrilátero ferrífero, onde está Ouro Preto e Ouro Branco, onde se concentra boa parte das rochas de pedra sabão no Brasil. Além do artesanato variado que a pedra sabão origina, as panelas feitas com a rocha estão presentes nas cozinhas mineiras desde os tempos do Brasil Colônia. São panelas maravilhosas, perfeitas para o cozimento e o sabor da comida é outra coisa. Deliciosa mesmo. (foto acima do Chico do Vale)
10 - Oratório
          Antigamente existiam muitas comunidades rurais e os padres tinham dificuldades em dar atenção a todos. A fé e religiosidade do povo mineiro sempre foram fortes e mesmo na ausência da Igreja em suas comunidades, não deixavam de manifestar sua fé. Assim surgiram as rezas semanais do terço, cada semana numa casa diferente, onde todos da comunidade compareciam, já que não tinha como ter missa todos os domingos. Em cada casa tinha um pequeno oratório, onde as famílias rezavam. A prática de ter um oratório em casa existe até os dias de hoje. Faz parte das tradições mineiras e demonstração de fé do nosso povo. A simplicidade da fé e religiosidade do mineiro é uma forte identidade mineira. (foto acima de Ane Souz no Museu do Oratório de Ouro Preto MG)
11 - Carne na lata
         Conservar a carne do porco na banha é uma prática existente em Minas desde o final do século XVII. Com a chegada dos bandeirantes ao território mineiro, em busca de ouro, surgiu a necessidade de armazenar alimentos, já que o território era imenso e as viagens longas. Assim surgiu a carne na lata, presente até os dias de hoje em nossas mesas, não por falta de geladeira para conservar as carnes, mas porque é uma das nossas identidades e a carne armazenada na lata na banha é muito saborosa. (fotografia acima de Arnaldo Quintão em Itabira MG)
          Outro costume que hoje quase ninguém se lembra, era a forma de gelar cerveja no século passado. No interior mal tinha energia elétrica naqueles tempos, quem dera geladeira. Mas tinham quem não dispensava uma cervejinha de vez em quando. A forma de mantê-la fria era bem simples. Pegavam as garrafas e as enterravam nos bancos de areia às margens dos rios e ribeirões. Assim elas ficavam frias e dependendo da época, como no inverno, bem geladas. Interessante não? 
12 - O toque do sino
           Mais de 70% do patrimônio histórico nacional está em Minas Gerais, principalmente igrejas. São milhares de igrejas por todo o estado. As igrejas mais antigas têm duas torres, cada uma com um campanário para sino. As mais modernas, uma torre apenas. Isso fez com que nosso estado fosse considerado a terra dos sinos. Tocar sino é uma arte. O sineiro é um artista que entende e muito de música. O badalar dos sinos é Identidade mineira e a profissão de sineiro, valorizada e reconhecida. Tanto é que o badalar dos sinos em Minas é Patrimônio Imaterial do Estado, reconhecido pelo Iepha. (foto de César Reis em Tiradentes MG)
Essa é a primeira parte de duas reportagens sobre as identidades mineiras. São 24 ao todo. Vejam também a segunda parte.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O sotaque dos mineiros

(Por Arnaldo Silva) O jeito de falar do mineiro é peculiar, interessante e gostoso de ouvir. O nosso sotaque teve influência dos portugueses, negros africanos, índios. Também dos ingleses, que para cá vieram a partir do século XIX para explorarem as minas de ouro.
          Muita gente confunde sotaque com pronúncias de palavras erradas. Não é. O jeito de falar, que caracteriza um povo, um grupo, um estado, um país, vem de suas origens e suas raízes históricas. É o caso de Minas Gerais. Algumas palavras pronunciadas erradamente por mineiros, em séculos anteriores, estão hoje incorporadas ao nosso sotaque. São palavras encurtadas, isso porque, desde a origem do povoamento do nosso Estado, o mineiro passou a encurtar as palavras. Na verdade encurtar não, mineiro ataia as palavras. (Imagem acima da Alexa Silva)
          Mineiro odeia pronunciar uma palavra inteira. Uma frase completa, nem pensar. Mineiro encurta tudo e muitas das vezes, usa as palavras no diminutivo. Um pouco? Que nada, é poquim, um tiquim, um cadim. Se o trem tem apenas um vagão, não é trem, é um trenzim. Mineiro não pega um ônibus, pega é um ons mesmo. Doce de leite? Se ouvir um docindileiti, é isso ai. Se um mineiro te pedir um litro de leite, ele vai te falar: "midaumlidileite." 
          E se o sujeito não for lá bom pra chegar no rêio? Não entendeu? Vamos lá. Vai que né, ele não é muito bom de dar uma boa coisada no trem. Entendeu? Ainda não? Vai que o trem dele não é lá aquele trenzão todo, é um trenzim de nada. E ai, continua sem entender? Vai que o sujeito não ataca nada. Ah, se não entendeu, deixa o trem do jeito que tá. (foto acima da Giselle Oliveira)
          Sabe o que é apear? Na verdade falamos é apiá. É descer. Apeavam da charrete, do carro de boi, do cavalo e falavam "vou apiá aqui'. Ah meu filho, se dentro de um ônibus o mineiro der sinal e te perguntar: " vamos apiá aqui?" Ai já entendeu né?
          Pra quê falar uma palavra tão grande. Melhor ataiá as palavras. Fica facim de ler e entender. Ataiá conversa é com nós mesmos. Se a conversa está longa demais ele logo vai te falar: "ataia essa conversa logo sô!"
          É na cozinha que a gente percebe o quanto é bom ser mineiro. Pra começar, mineiro não conversa, proseia. Uma boa prosa, tem que ser a beira do fogão a lenha. 
          Quem gostava de um cigarrim de palha pegava no tição e acendia. Tição é toco da lenha no fogão em brasa. Pegavam o tição, encostavam no cigarro, sugavam o ar e este acendia. Ai, davam aquelas pitadas boa pra daná no cigarrim de paia. 
          E o café não é quente, é bem quentim. Num meio de uns golin de café, um cadim de biscoito ou pãozim de queijo, vai uma prosa boa, uma causo daqueles.
          É pãozim porque não gostamos de falar pão. Ouvir causos e prosa é gostoso demais. E demora, mas demora mesmo. Ainda mais se tiver um torresmim, com uma cachacinha, no ponto. Ai não tem, jeito. A prosa só dá uma pausa quando estão com a boca cheia. Mineiro come calado. 
          Aliás, comer calado é uma característica do mineiro. Mineiro é desconfiado que é uma beleza, não é muito de falar o que faz não. Quando você imaginou, ele já fez. Caladim, mas faz bem feito. Esse negócio de fazer propaganda do que faz é complicado. Melhor é fazer tudo bem caladim, comer bem quietim que a comida é quente. Se falar muito, ela tem outros que vão querer né. Boca fechada não entra mosquito.
          Se for na casa de mineiro, se prepara. Casa de mineiro não tem sala, tem cozinha. Já leva a visita direto para o melhor lugar da casa. Lá tem queijo, doces, quitandas, café e banco pra sentar e prosear à vontade. Se for em 5 casas por dia de mineiro, vai tomar 5 cafés e comer quitandas até ficar empantufado.
          Mineiro adora receber visitas, principalmente das comadres e compadres. Se você é convidado para ser padrinho ou madrinha de batismo de filho ou de casamento de alguém, passa a ser compadre e comadre. Ou seja, uma có-pai e có-mãe. Seria mais ou menos um segundo pai, segunda mãe, no caso, se algo acontecesse com o pai ou mãe, as comadres e compadres teriam por obrigação substituí-los. Por isso a importância desse convite, que era levado a sério por quem os recebia. As comadres e compadres eram tidos como membros da família e os afilhados tinham que tomar bênção. Hoje em dia ninguém mais dá valor a isso, nem chama os padrinhos de comadres e compadres, mas eu chamo, e sei de muitos que ainda tem o prazer de visitar os compadis e as cumadis e chamá-los assim.
          Quando um mineiro quer saber de suas origens, ele não pergunta qual a sua família e sim: "qual a sua graça seu moço?" A sua graça, não é que ele esteja pensando que esteja rindo dele tá. Graça é sua origem familiar, quem era seu pai e sua mãe.
          Uma vez estava em Araxá e queria ir no Museu Calmon Barreto. Perguntei a primeira pessoa que vi na rua como chegar lá e assim ele me orientou: "olha moço, ocê segue reto a vida toda. Lá no finzim, ocê cai na direita, depois cai na esquerda, sobe um morrim de nada, vira só mais um tiquim pra direita ai ocê morre lá". Esse morre lá me assustou. Mas ele disse que era só jeito de falar mesmo. Eu sei, morre lá é o local onde termina, onde você quer chegar. Ai fui indo, indo, e nunca chegava. Ai eu achei que eu morrer mesmo, mas de tanto andar. Não quis morrer lá não, parei, tomei um litro d´água e voltei. Esse ali de mineiro é terrível. Mineiro é de confiança, mas no ali de mineiro, Deus me livre confiar.
          E se você tem uma profissão? Qual é a pergunta? Não espere que ele pergunte o que você faz. Vai te perguntar: "com quê você mexe? " Isso mesmo. Mexe é o que você faz na vida, qual a sua profissão. Eu mexo com retrato, sou tiradô de retrato. E também me arrisco na escrita. 

          E quando o sujeito não trabalha, não é bem visto. Sujeito à toa mineiro não gosta. Mineiro é trabalhador e gente à toa num ataca nada, num presta pra nada. Nem pra casar. Se o sujeito fosse à toa, nem pensasse em cortejar uma moça. Botavam o dito cujo pra correr porta a fora.
          E quando a gente aprontava e a mãe ficava brava? Mineiro não leva uma surra, leva uma cunda. Essa história de cunda é antiga, vem lá do tempo que não existia caixão. Explicando melhor. Antigamente, não existia funerária e quando alguém morria, era colocado sobre um lençol grosso. Depois do velório, amarravam o lençol numa vara tipo uma rede e duas pessoas carregavam o defunto, até o cemitério. Iam revezando. O cortejo era a pé. Quando o defunto pesava muito, pegavam uma vara de marmelo e batiam nele até, mas até mesmo. Ai ficava bem levinho e o cortejo seguia. Ai né, inspirado nisso,  quando a gente aprontava, nossos pais pegavam uma vara de marmelo e davam uma cunda na gente que doia, mas doia mesmo sô. Dava até dó de defunto.
          Não tem jantar aqui em Minas, tem janta. Comemos o “r”. Almoçar é simples, é só falar “murçá” que todos entendem. Venham almoçar! Mineiro não fala isso nunca, tem dó, pra que complicar sô, facilita uai, diminui o trem sô! Ele fala simplesmente: "vem cumê logo sô!"
          Senhora e senhor? Falamos isso não. Sá e sô. Vai lá sô (pra ele), vai lá sá (pra ela) e por ai vai. Quando se referir a um senhor ou moço é sô e a uma senhora ou moça é sá, viu?

          E se estivermos com muita preguiça de falar muito, falamos trem. Pra tudo falamos trem. Comprar uma roupa, pede para experimentar os trens da loja. Não vai comer algo, vai ali comer um trem. E se não gostar, fala logo “ que trem ruim sô”. Carro, moto, avião, bicicleta, tudo é trem.
          Mineiro não ri da cara de ninguém, ele caçoa docê.
          Ocê ou cê, tanto faz, entende? A distância pode ser até longa, mas pra nós é “logo ali ó!”. Ver é só “V”. Nossa é apenas “nó”.
Mineiro não aumenta, diminui o português. É pra tudo ficar bem bunitim, facim e arrumadim pra todo mundo entender direitim.
Viu só, falando certim, todo mineiro entendi bem direitim e a prosa fica boa dimais da conta sô!
          É só falar e amar porque Minas é um trem que corre em minhas veias e a estação é o meu coração. Amo Minas porque sou mineiro com muito orgulho e muito amor e ser mineiro é um prazer que só quem é mineiro sabe e entende. Ser mineiro não é apenas um privilégio, é uma honra e não tenho vergonha de falar com sotaque, de mostrar meu sotaque.

Muito prazer, sou Arnaldo Silva, natural de Bom Despacho, em pleno Cerrado Mineiro. Sou escritor, fotojornalista e mineiro com orgulho.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

A vida é um trem que mora dentro de gente...

(Por Míriam Lucy Rezende/Uberlândia MG) O trem vai de Minas pra Minas, atravessando montanhas. Viaja vencendo a mata, driblando árvores, fazendo nuvens, carregando histórias. Atravessa com sua fumaça os olhos da gente, com seu apito desnuda as lembranças, e corta nossa existência bem no meio do peito, fazendo o coração esquecer seu ritmo. A cadência certa, seu chacoalhar gostoso faz a vida se assentar e viajar ao nosso lado, coladinha com a nossa alma.
          O trem que vai de Minas pra Minas vai devagar, contando coisas do passado e desembrulhando com gentileza o presente. Vai tingindo nossas trilhas com cores esquecidas, vai deixando abrir porteiras que há muito trancamos sem perceber. Vai fazendo a gente estender a prosa e o pensamento, desacelerar, esperar sem pressa o que vai surgir na curva dos trilhos, e gostar do que vê.
          Faz a gente menos pergunta e mais descoberta, faz a gente mais observador do que crítico, faz a gente degustar o passar mais lento, e por isso mais profundo da nossa viagem interior.
          É no interior da gente que mora um trem. Mas a gente se esquece que ele existe e pode ser colocado a qualquer hora em movimento. Esquecemos, porque deixamos de perceber que a vida não é aquilo que está à nossa frente e que perseguimos incansavelmente com o nome de futuro. Esquecemos que a vida é um trem taquaral que pulsa em nós, apitando paisagens, desvendando caminhos a serem sentidos sem pressa, de rosto coladinho com a existência.
          A vida é uma viagem na Maria Fumaça. Mas a gente desaprendeu o jeito de passear. Pegamos o trem bala numa trajetória cara e sem garantia. É Maria Fumaça nosso bilhete de travessia. Pois que nem esse trenzinho que vai de Minas pra Minas, a gente vem da gente e volta pra gente mesmo, qualquer dia. Boa viagem 
Fotografias ilustrativas de César Reis mostrando a Maria Fumaça em Tiradentes MG

domingo, 14 de janeiro de 2018

Declaração mineira de amor aos amigos

Uma singela poesia, no mais simples mineirês. Aquele jeito bem singelo do povo do interior, do nosso sertão falar. É a linguagem do coração, da emoção e da saudade de ouvir nossos pais e avós contarem seus causos nesse linguajar tão suave e gostoso de ouvir. Essa declaração, mesmo curtinha, mostra o jeito simples, carinhoso e amável do mineiro falar.
Ocê é o colírio du meu ôiu.
... É o chicrete garrado na minha carça dins.
É a mairionese du meu pão.
É o cisco nu meu ôiu (o ôtro oiu - eu tenho dois).
O rechei du meu biscoito.
A masstumate du meu macarrão.
Nossinhora!
Gosto dimais da conta docê, uai.
Ocê é tamém:
O videperfume da minha pintiadêra.
O dentifriço da minha iscovdidente.
Óiprocevê,
Quem tem amigossim, tem um tisôru!
Ieu guárdêsse tisouro, com todu carinho ,
Du lado isquerdupeito !!!
Dentro do meu Coração!!!
AMO Ocê, uai!!!

(A.D.) Autoria Desconhecida
Artes da Conheça Minas.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Minas Gerais e mineiros em 7 frases diferentes

       "Minas Gerais unifica os povos do Leste e Oeste, do Norte e do Sul, através da gastronomia e saber receber! Em Minas, todos se sentem em casa! Unimos os brasileiros! Esquecendo preconceitos de estados contra outros estados! Por isso que Minas está no meio do mapa! Todos vem e se sentem em casa e igual! (Regina Kátia Rodrigues)
          "Até ´tchau` em Minas é personalizado. Ninguém fiz ´tchau` pura e simplesmente. Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês". É útil deixar claro o destinatário do ´tchau`!" (Felipe Peixoto Braga)
          "Praia de mineiro é barzinho, e sua sala de visitas, balcão de armazém e cerca de curral. Ali a língua rola solta na conversa mole, como se o tempo fosse eterno. Certo mesmo é que o momento é terno... 'Minas Gerais é muitas', como disse Guimarães Rosa. Minas é Mantiqueira e Cerrado, Aleijadinho e Amílcar de Castro, Drummond e Milton Nascimento, pão de queijo e broa de fubá... Minas é saborosamente mágica" (Frei Beto)
          "Ser mineiro é fazer da cozinha a melhor parte da casa. Receber os amigos com mesa farta. Mineiro tem mesmo fome seja de letra ou de amor." (Luana Simonini)
          "Em Minas, o Horizonte é Belo, o Juiz é de fora, os Montes são Claros, o Pouso é Alegre, a flor é Viçosa, a Cachoeira é Dourada, o Córrego é Novo, as Lagoas são Sete, o Rio é Manso, o Mar é de Espanha, os Corações são Três, os Poços são de Caldas, a Ponte é Nova, as Dores são de Indaiá, e o Ouro é Preto ou Branco e pode também ser Fino, o Mato é Verde, o Monte é Azul, o Campo é Belo, a Lagoa é Santa, Dourada ou Prata, a Lima é Nova, vive-se Entre Rios, Três são as Marias, São João é do Rei, a Serra é do Cipó, a Pedra é Azul, e as Águas são Formosas! Eita trem bão esse estado sô!" (Autoria desconhecida)
          "Ser mineiro é dizer UAI e ser diferente; é ter marca registrada, é ter história.Ser Mineiro é ter simplicidade e pureza, humildade e modéstia, coragem e bravura, fidalguia e elegância." (José Batista Queiroz)
"Mineiro é o tipo de brasileiro, com um exagero no tempero.
É o tipo de gente, que melhor hospeda parente.
Da-lhe logo um pão de queijo, um abraço e um beijo.
Só o mineiro, tem o charme do "UAI"...
Mineiro é feliz assim por natureza, sua alma transborda grandeza.
E suas terras, ostentam beleza.
Por aqui, tudo é "trem".
Não importa muito, se vai ou se vem.
Mineiro inspira serenidade, no olhar, na simplicidade.
Mineiro faz da dor, uma bonita rima de amor.
Mineiro é assim, quieto, mas no fundo, não resiste a um afeto"
(Gioavani Arantes/@gioarantes_)          
Foto ilustrativa acima de César Reis em Tiradentes com arte de Arnaldo Silva

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Do que os mineiros mais sentem falta, longe de Minas?

(Por Arnaldo Silva) Nosso Brasil é imenso, com tradições, músicas, arquiteturas, sotaques e culturas diferentes em cada estado. Ao atravessar divisas, sentimos como se estivéssemos atravessando fronteiras de outros países. 
          Quem sai de Minas para viver em outro estado, senti isso. A comida é diferente, o jeito de falar é diferente, se vestir, andar e viver. É um estranhamento total. Alguns se adaptam à situação e tentam se adaptar à cultura do estado ou país, que por algum motivo, escolheu para viver. Mas sente saudades, muitas mesmo e sonha um dia voltar. (na imagem acima, canecas esmaltadas com arte mineira da Thalyta Moreira da Loja @amoreira_atelie)
          Sai de Minas, mas Minas nunca sai dele, porque Minas é única, não tem igual. Sente falta de tanta coisa que deixou em Minas, mesmo procurando em outro lugar, não encontra igual. Sabe que só tem em Minas. Minas Gerais e saudades, palavras diferentes para quem está longe de sua terra natal, parece uma só palavra. (foto abaixo de Marselha Rufino)
          Uma dessas coisas é o jeito mineiro de ser. Mineiro adora receber visitas em sua casa. Sempre tem alguma quitanda pronta para receber as visitas. Se não tiver faz na hora. Visitas vão logo para a cozinha, tomar aquele cafezinho fresquinho e prosear bastante. Quando vai embora, sempre leva um pouco de cada coisa para a família. Ninguém sai de mãos vazias em casa de mineiro. Sempre leva broa, bolo de fubá, queijo, rosca e outras gostosuras para quem da família não pôde vir.           
           Essa alegria e hospitalidade toca fundo em quem está fora de Minas, porque o jeito mineiro de ser é diferente. Não se encontra a hospitalidade, amizade e harmonia entre famílias, vizinhos e amigos de rua, da forma que se encontra em Minas.
E isso deixa saudades. Em outros lugares não é assim.
Quando chega o domingo, onde as famílias se reuniam para um almoço, o coração aperta. Com o tempo os filhos crescem e seguem suas vidas, muitos mudam de cidades, de estado e até de país e a lembrança desses dias, de muita alegria e mesa farta, com a família reunida, comendo frango com quiabo, angu, tropeiro, arroz doce, doce de leite com queijo, doce de mamão, de abóbora e goiabada... (foto acima de Elvira Nascimento em Marliéria MG)
          No fim da tarde tinha café e a mãe preparava pão de queijo, bolo de fubá, cajuzinho. Sente saudade de ir no quintal da casa, pegar goiaba, jabuticaba, manga, jambo, do figo para fazer doce.Isso fica apenas na memória e dói. Dói tanto que lágrimas escorrem de saudades. (foto acima de Marselha Rufino)
          Nesse mundo longe de Minas, a saudade da nossa comida é muito grande e quando encontramos quem faz, não é a mesma coisa. A comida pode até ter o nome de “comida mineira”, mas todo mineiro reconhece a sua legítima culinária. Seguem a receita certinha, mas não é a mesma coisa. Isso porque falta um ingrediente principal que dá cor, vida e sabor aos nossos pratos. O amor eu o mineiro tem em cozinhar. E esse ingrediente só se encontra em Minas. Para quem gosta de fubá de canjica, ora-pro-nobis, requeijão caseiro, carne na lata, queijos mineiros, licores e outras delicias, vai sentir muita saudade porque não encontra fora de Minas, em lugar nenhum. Fica apenas na saudade de quando tinha em fartura em sua terra.
          Mineiro longe de Minas sente saudades das pequenas vilas, das capelas e coretos, aonde aos domingos a comunidade ia à missa e depois da missa, as crianças e jovens ficavam na pracinha conversando, brincando, comendo pipoca, algodão doce...
          Em Minas o mineiro pode até não ser muito de ir à igreja, mas quando está longe, sente saudades do tempo que frequentava igreja, principalmente aquela em que foi batizado, fez a primeira comunhão e foi crismado. Mesmo frequentando outras igrejas, fora de Minas, não é a mesma coisa. A saudade não é do lugar em si, mas das tradições, da simplicidade, das festas de casamentos no interior, das festas religiosas, da alegria em estar com a família na igreja. 

          Saudades das tardes de domingo nos bate-bolas nos campinho de terra do bairro e depois da partida, churrasco, cantoria de viola e alegria. (foto acima de João Avelar, povoado de Pedra Branca em Almenara MG)
          Mineiro longe de Minas, para, olha no horizonte, para o nada e sente saudades da mãe, dos avós, das brincadeiras de infância, dos chás que a mãe preparava, das vezes que foi levado a uma benzedeira, dos dias de natal, do pai chegando do serviço, do mingau de fubá preparado com muito carinho pela mãe em noites de chuva encarreirada.
          Olha, não vê nada, não vê mais Minas. Chora de saudades, sente saudades de tudo isso e percebe que foi muito feliz, só percebendo isso quando deixou Minas. Minas Gerais ficou para trás, permanece a saudade que machuca a alma. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Mineiro a gente não entende - interpreta.

(Por Arnaldo Silva) Se você é mineiro irá entender direitinho o texto. Se não é, procure um mineiro fluente em mineirês para te explicar. Até porque, o que aqui escrevo nem é bem para entender, é para ser interpretado.
          Depois de anos resolvi sair de Minas para conhecer outros mundos, culturas e povos diferentes. Como bom mineiro levei nas malas fotos, cartas que eu guardava desde adolescente, e claro biscoitos, queijos, doce e água pra beber no caminho. No coração, saudades que eu ainda nem sentia, sem nem entrar ainda no trem, mas sentia. Fui embora, sai de Minas e vivi outras emoções, mas meu coração não saiu de Minas. Minas Gerais é como uma tatuagem, um amor eterno. Esteja onde estiver Minas estará em você. 
          E depois de uns tempos fora, voltei. E mexendo com uns trem aqui em casa, peguei aquele trem que escreve e aquele trem de escrever e saiu esse trem que você está lendo. Eu gosto de escrever. Sempre mexi com as coisas das letras. Já mexi com rádio, mexi com jornal, já fui té tirador de retrato. Hoje eu mexo com tudo isso e mais um pouco. 
          O mineiro pode até esconder o seu “ser mineiro”, mas se entrega fácil. Eu me entreguei. Num restaurante chique em São Paulo, lá estava eu sentado na mesa e o garçom me olha e pergunta:
_ Você é mineiro não é?
_ Uai sô! Cumé qui cê sabe? Capais dum trem desses sô!

          Assim é o mineiro, seu jeito de ser, falar e características próprias, não passam despercebidas.
          O mineiro pode estar no mais fino restaurante, em qualquer lugar do mundo, que vai procurar no menu se tem comida mineira. Quer logo saber se o Feijão Tropeiro é igual ao Mineirão, se o Tutu de Feijão é de Paracatu, o Frango com Ora-pro-nobis de Sabará, o Doce de Leite de Viçosa, a Truta de Marmelópolis, o Queijo da Serra da Canastra, a Goiabada de São Bartolomeu, a Rapadura de Itaguara, o Requeijão de Poços de Caldas, o Catupiry de Lambari, o Vinho de Jabuticaba de Catas Altas, o Licor de Itaipé, o Peixe de Formiga, a Carne de Sol de Mirabela, a Carne na Lata de São João Batista do Glória, a Farinha de Montes Claros, o Pé-de-Moleque de Piranguinho, o morango do Sul de Minas, a mexerica de Belo Vale, a pamonha de Patos de Minas, o fubá de canjica de Bom Despacho, o arroz com pequi e costelinha de porco de Espinosa  e aquela Cachacinha de Salinas. E ainda vai querer saber se na cozinha tem fogão à lenha e se a comida é feita em panela de pedra sabão de Ouro Preto. Com certeza vai. Ah, a panela tem que ser curada. Se não for, a comida não presta.
          E quando volta pra Minas? Vai direto pra cozinha passar café no coador de pano e procurar pão de queijo. E mineiro adora café e como gosta! Faz café como ninguém e não titumbeia em perguntar:
_ A chaleira tá fervendo no fogão cumpadi?
_ Já tá uai!
_ Então pó pô pó?
_ Pó pô, mas num põe muito não pra num fica grosso por que esse pó que ocê tá pondo é forte padaná!
          E por falar em pão de queijo, o que mineiro mais sente falta é de queijo e pão de queijo. O queijo está no sangue do mineiro. Mineiro sem queijo de Minas é mineiro triste. E eu quando vivia fora me entristecia quando olhava aqueles queijos que não falam uai. E o pão de queijo? Que pão de queijo o quê sô? Devia ser proibido chamar o que eles fazem de pão de queijo. Pode ser pão com algum trem, menos com queijo. Nó menino, eu não aguentava comer aqueles trocim não. Pão de queijo é o de Minas, isso mineiro fala com PHD no assunto.
          Ah sô mais esse trem de ser mineiro é bão dimais da conta viu! Mineiro é mineiro e temos nossas diferenças sim, no jeito de falar e se expressar. O mineiro não é para entender, é para interpretar.
          O que o povo de outro estado não consegue, nós não damos conta. A gente não paquera as moças, damos umas espiadas e nem ficamos perfumados, ficamos é cheiroso. Nós não caçamos briga, aqui a gente arruma é confusão mesmo.
          Aliás, se quer caçar confusão com mineiro vai ter. Melhor evitar porque pra entrar numa confusão, mineiro faz o máximo para evitar, mas se entrar, cê tá lascado que nem saco de batata. A confusão vai até o fim. Demoramos pra entrar no meio da confusão, mas pra sair, espera chover canivete no dia de São Nunca.
          Seu moço, me diga um trem: qual é a sua graça hein? 
Óia o jecossô e óia procê vê o jequelé!
          E outra coisa, a gente fica meio assim sem jeito de perguntar a idade de alguém, principalmente de mulher. Mas perguntamos. Mineiro é bem sutil. Ele não pergunta a sua idade. Pergunta assim:
_ Me diga uma coisa: cê tá berano quantos anos hein?
          Mineiro não gosta de pronunciar palavras inteiras, encurta tudo. Vossamescê reduziu para vosmecê, você, ocê, cê. Deu pra diminuir até aqui. Mas se tiver jeito, fica só o acento circunflexo.

          Mineiro não pega ônibus, pega um ons. Não vai longe, vai é logo ali ó. É uai! É que mineiro é bom das pernas, gosta de andar a pé. De tanto costumar em andar, parece que tudo está pertim, chega rapidinho, num tirim de espingarda. Pra mineiro né. Mas pra quem é de fora, pode seguir reto a vida toda que o alí é lá, mas lá longe mesmo. Leva uma garrafa d´água e uma merenda para comer no meio do caminho. 
          A gente detesta conversa demorada. Quando a conversa está longa e sem graça vai ouvir assim: _ Ataia logo essa conversa sô!
          Ataia mesmo porque senão sai confusão. Ninguém aguenta uma lenga lenga uai!
          Mineiro bão mesmo é aquele que não sai no escuro. Que dá nó em goteira, não pisa no molhado, que desconfiado, que só acredita vendo mesmo. Não é muito de prosa com estranho não, mas se for com o fucim dele, nó, já é de casa, quase que parente.
          Aliás, mineiro não gosta de falar não viu. Gosta é de prosear. Na prosa fala de tudo.
          Mineiro é pontual mesmo. Dizem que a diferença de um mineiro para um relógio suíço é que este marca a hora certinha, o mineiro não, chega bem antes da hora marcada. Isso é pra não perder o trem e quando o trem chega, corre com os trem para ser o primeiro a entrar.
          Quando eu estava lá pelas bandas do litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Nordeste tem sempre aqueles curiosos que perguntam como que a gente vive sem mar. De tanto me perguntarem e mostrar aquele risinho de bobo perguntei:
_ Cê sente falta da sua Ferrari zerinha? Do seu avião, da sua casa nos alpes suíços?
_ Cê tá loco mineiro, eu não tenho nada disso, como vou sentir falta?
_ Então sô, geograficamente Minas Gerais não tem mar, se não temos mar, porque vamos sentir falta do que não temos? E com tantas cachoeiras, rios, praias de rios, vamos sentir falta de mar, tem dó né sô?
          Mas gente, sem mar a gente vive, nem nos faz falta, mas sem queijo, sem pão de queijo, sem biscoito, sem café, sem doce de leite, sem goiabada cascão, sem o nosso franguinho com quiabo, tropeiro, sem os nossos bolos, ai é demais, ai nenhum mineiro aguenta né. Ai não dá pra viver não. Esses trem faz falta demais sô! Só quem está longe disso tudo ai sabe o que eu estou falando.
          Mas é isso, ser mineiro é muito mais que isso, tem trem demais pra escrever. Isso porque, como diz o nosso grande Guimarães Rosa “Minas são muitas”. Em cada canto de Minas você encontra um jeito diferente de falar, um jeito diferente de te olhar, um jeito diferente de agir, mas tenha certeza, encontrará um povo caloroso, que gosta de receber bem as visitas, de te se mostrar como mineiro em toda sua simplicidade, simpatia e carisma.
          Minas Gerais é montanha, é minério, é ouro, é diamante, é carro de boi, é leite tirado no curral, é artesanato em pedra sabão, barro, argila e cerâmica. É fé, é religiosidade, é tradição, é chapéu e cigarro de palha. É Festa Junina, é Congado, é Reinado, é Semana Santa. É café, é leite, é fogão a lenha, é cavalgada, é queijo, é doce de leite no tacho, é fartura.O mineiro é um povo bão e como dizia alguém, que até hoje não sei quem de fato criou a frase mas é isso, “é junto dos bão que a gente fica mió”. 
Texto e fotografia com direitos reservados à Arnaldo Silva
Foto ilustrativa, em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto MG com os amigos Bartinho e Dona Nhanhá.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

É logo ali. Só seguir reto a vida toda!

(Por Arnaldo Silva) Vindo a Minas e não souber como chegar a determinado lugar e resolver pedir informações para um mineiro e ele disser que é "logo ali ó..." Sei não hein?!
          Não leve esse "ali ó" ao pé da letra. Pode ser ali mesmo ou então o tempo de uma viagem daqui até a lua. E mesmo assim, o mineiro vai te garantir que não é longe não, num instantim cê já tá lá, é só seguir reto a vida toda que num pulim cê chega lá. 
          Na verdade ele quer dizer que é lá longe, de perder de vista. Pode se preparar porque é longe, longe mesmo, quilômetros de distância. 
          O ali de mineiro pode ser um logo ali mesmo ou uma boa caminhada de 1000 metros, 10 km, 100 km, 10000 km ou até o tempo de ida e volta a lua. Mas pra nós isso tudo é bem perto, não é longe não.
          Sabe porque o "alí ó" pra nós é bem perto? É porque mineiro não tem preguiça de andar não. Essa expressão vem desde os tempos antigos, quando não existia carro e ônibus e se precisasse ir a tal lugar, seja pra cidade ou alguma fazenda nas redondezas era a pé ou a cavalo, geralmente a pé. 
          Uma ou duas horas a pé não é muito para mineiro não. Pra nós tudo é perto, mas para os de fora, coitados, vão sofrer de tanto andar. É logo ali mez, cê vai retim, bem retim, que ocê chega lá rapidim. Né longe não, é pertim, é qui nem um tirim de ispingarda. Se ouvir isso, leve água e prepare-se para andar.
          É como diz a escritora Luana Simonini: "Nunca confie em um “ali” de mineiro.De resto, pode confiar. Seja nas reticências que ele não diz ou nos versos dos seus poemas inteiros.Ser mineiro é saber que as melhores coisas da vida não são coisas."
Na foto acima de Márcia Porto, trecho da BR-367 entre Araçuaí e Itinga MG, Vale do Jequitinhonha

domingo, 20 de novembro de 2016

Ser mineiro, lembranças e saudades

(Por Arnaldo Silva) Ser mineiro é eternizar emoções! Olho em meu redor, vejo minha casa, uma casa bonita que conquistei com muito esforço e que me dá todo o conforto e as facilidades que a modernidade me oferece. Abro o portão, vejo o asfalto, casas, praças, prédios, carros, gente apressada. Paro e volto para dentro de mim, revivendo emoções de tempos atrás.
          A vida era difícil naqueles tempos. O trabalho era pesado, no braço. As dificuldades eram muitas, mas as famílias eram unidas, as brincadeiras eram sadias, a vida era saudável. As ruas eram cheias de vidas e as praças, lugar de encontro de casais enamorados. (foto acima de Gilberto Coimbra, o Porto Velho Rock Bar em Almenara MG)

          Sento à beira da calçada, com os pés na sarjeta do asfalto e minha mente retrocedendo no tempo. Lembrei de uma frase que meu avô dizia: “Ser mineiro filho, é falar pouco e ouvir muito”. Incorporei esse conselho à minha vida.
Ser mineiro é saber falar Uai e na medida certa, expressar em apenas 3 vogais, desconfiança, confiança, alegria, raiva, tristeza, dúvidas, susto, medo, amor e saudades.
          Uai sô, que saudades! Que lembranças dividirei com vocês!
          Saudade de um tempo onde as ruas não tinham asfalto e nem sabíamos o que era isso.
          Não havia muros de concreto que dividiam casas e famílias. Apenas cercas baixas, feitas com bambu, apenas para proteger da entrada de animais. 
          As casas não tinham cadeados, nem chaves. As portas e janelas, eram feitas de madeiras rústicas, não tinham chaves, apenas uma tramela. Podíamos viajar, ficar dias fora e deixar a casa assim, apenas trancada com simples trincos e tramelas. Íamos tranquilos, sem nenhuma preocupação. (foto acima de Fernando Campanella)
          Ser mineiro é se preparar para visitar os amigos. 
          Lembro bem. A mãe nos vestia com a melhor roupa que tínhamos. Naqueles tempos, nossas roupas eram feitas com panos de saco de arroz, na roda de fiar. (como esta, na foto do Saulo Guglielmelli) Minha mãe aprendeu com minha avó, que aprendeu com a minha bisavó. E éramos bem vestidos.
          Fazer visitas a um parente, um compadre ou comadre, principalmente quando alguém adoecia, era obrigatório. Íamos todos juntos, em família e levávamos presentes. Um bolo, uma rosca, um doce, uma cuia de cuité. Ofertávamos o melhor que tínhamos.
          Íamos ainda sem avisar. Se fosse perto, íamos a pé e se fosse longe, íamos de charrete. Era uma alegria tremenda pelo caminho.  
          Chegávamos antes do almoço e só íamos embora no fim da tarde. Éramos bem recebidos, com alegria e abraços. Era uma alegria, uma ternura e um afeto sincero dos que recebiam visitas e dos que visitavam. 
          A gente só ouvia: “não repara nada não viu?”. “Entra, senta que a casa é sua”. (acima, a tela do artista plástico mineiro Alfredo Vieira, retrata bem o interior de uma saudosa casa mineira)
          Receber visitas era um dos melhores momentos das famílias. Sempre ficávamos felizes quando recebíamos visitas e quando iam embora, deixavam um vazio. E mesmo eu sendo criança, sentia a alegria de todos da casa em nos receber. Era um momento de abraços, de amizade, e de colocar os assuntos em dia.
          Ser mineiro é falar com alegria da última reza do terço. Do batizado que teve na comunidade. Da colheita na roça e do porco na engorda. É falar da última visita à Aparecida. É relembrar os momentos de fé e alegria nas comitivas que cortavam o nosso sertão, levando e buscando gado. (foto abaixo de Arnaldo Silva)
          Ser mineiro é dividir a alegria do dia-a-dia com todos da comunidade.
          Ser mineiro é receber bem as visitas, tomar bênção dos pais, tios, tias, avós e padrinhos.
          Ser mineiro é respeitar e obedecer aos mais velhos, aprendi isso desde menino. A começar pelo irmão mais velho. Era o mais respeitado da casa, depois dos pais.
          E claro, ser mineiro é logo convidar as visitas para irem para o melhor lugar da casa: a cozinha.
          Todos ficavam à beira do fogão, com a fumaça subindo pela chaminé, enquanto sobre o fogão, uma tábua pendurada e sobre a tábua, linguiças e queijos, defumando na fumaça. 
          Enquanto a chaleira esquentava a água para o café, a prosa era divertida e sempre alguém contava uns “causos” interessantes, que prendiam nossa atenção. 
          A mãe tirava da sacola o que tinha trazido e colocava tudo na mesa. A dona da casa, pegava queijos, biscoitos, broas, bolos, leite fervido, ainda com a nata, juntava tudo e a gente comia à vontade. Era um banquete! A mesa era farta. (foto acima de Saulo Guglielmelli na Fazenda Campo Grande em Passa Tempo MG)
          Ser mineiro é não ter miséria na mesa.
          Ser mineiro é dar o melhor que existe na casa, para as visitas comerem.
          Era tão bom a casa cheia de gente, cheia de prosa boa, de comida boa e muito café.
          Ser mineiro é te chamar para tomar um cafezinho, mas não pense que é um cafezinho apenas. Vai tomar é o bule inteiro e ainda vai passa mais café, além de comer biscoitos, queijos, broas e brevidades. Isso não falta em cozinha de mineiro. (foto acima de Chico do Vale de Viçosa MG)
          Ser mineiro é nunca recusar uma boa prosa e muito menos queijo, broas e biscoitos e claro, café. Pode até recusar uma cachacinha, mas recusar tomar café em casa de mineiro, é uma afronta!
          Queríamos que não acabasse, que aquele momento de alegria entre vizinhos, amigos ou compadres e comadres fossem para sempre. Doces momentos da simplicidade da vida, que ficam eternamente marcados em nossa alma. 
          Enquanto os adultos proseavam, as crianças brincavam. As meninas iam para o pomar e pegavam espigas de milho e brincavam de fazer boneca e depois pegavam os cabelos da espiga, colocavam em um pano, amarravam e brincavam de queimada. Os meninos faziam cata-vento e davam voltas em redor da casa. Brincávamos de esconde-esconde, de pegador. (tela acima do artista plástico Márcio Luiz)
          Na hora de ir embora, era a parte mais triste do dia. A dona da casa nos dava mais coisas para levar. Era queijo, carne na lata, linguiça, doces, biscoitos, bolos e até farofa de carne desfiada com banana da terra. O pouco que a gente levava, trazia em dobro. Era sempre assim.
          Ser mineiro é se entristecer com a partida e abençoar na despedida.
          Sempre ouvíamos um “vai com Deus”, “que nossa Senhora te acompanhe”, “que Deus proteja vocês” e retribuíamos com mais bênçãos.
          Meu pai e minha mãe faziam questão de convidar a família para nos visitar também. E iam sim, eram recebidos da mesma forma, com muita alegria, e simplicidade. Traziam coisas e levavam também. A amizade era recíproca. O prazer em receber visitas era um prazer mesmo, um imenso prazer e demonstravam isso.
          Quando íamos embora, a família que nos recebia ficava toda na porta da casa, acenando. Enquanto não saíamos da vista deles, não saiam da porta. Voltávamos para casa, cansados de tanto brincar e comer, mas era uma volta cheia de alegria. 
          Quando chegávamos em casa, tomávamos banho na bacia. Enquanto isso, meu pai gostava de ir no pomar, pegar cana, cortar e partir em gomos e dava pra gente, num prato. Dizia que a cana fazia a gente ficar forte. Nossa, que doce momento isso! Um ato simples, que nos alegrava. O doce sabor da cana é hoje, uma doce saudade desses tempos. (fotografia acima de Eliane Torino) 
          Não tinha energia elétrica. A luz que nos iluminava era a do sol e da lua. À noite, a nossa luz era a da lamparina, iluminava pouco, mas enchia nossos corações de luz. Era uma simplicidade de vida que emociona. (foto abaixo de Arnaldo Silva)
          Não tínhamos televisão em casa, apenas um velho rádio a pilha. Vivíamos em comunidade, todos eram amigos uns dos outros e todos se ajudavam. Se alguém passasse dificuldades, todos se uniam para ajudar.
          As crianças brincavam tranquilas, com brincadeiras sadias e brinquedos simples. Eram saudáveis, alegres e na mais humilde família, o amor se fazia presente.
          A gente ia para a horta, pegava chuchu e com alguns palitos, já fazíamos vaquinhas, bois, cavalos e brincávamos felizes. Fazíamos curralzinho com palitos. Reproduzíamos o mundo que vivíamos, em nossas brincadeiras.
          Eu adorava visitar as casas. Cada dia era uma novidade. Sempre fui muito atencioso e sempre prestava atenção em todos os detalhes.
          Ser mineiro é ser bem sabido, olhar com discrição e guardar as emoções vividas.
          São lembranças, que só quem viveu é que sabe. É um trem que nos marca para a vida toda. 
          Lembranças de quando vi pela primeira vez minha avó fazendo queijo. Lembro do pingo, descendo sobre a tábua rústica de jacarandá, na dispensa da casa (bem parecido com a da foto acima do Múcio Furtado em Ibiá MG). Eram as gotas do soro que escorriam. Delicadas e pacientes gotas que caiam, a cada espremida que minha avó dava na massa.
          Aquela criança, que ficava em silêncio, encostada à porta da dispensa, escura, com paredes de barro, tendo apenas as velhas bancadas de madeira bruta, já gastas pelos pingos e anos de uso, em silencia permanecia.
          Na dispensa, tinha ainda as fôrmas de queijos e também, várias latas cheias de carne, sacos de arroz, fubá, polvilho, farinha de mandioca, feijão e café, da última colheita. 
          Ficava a observar o ambiente colonial, quase que medieval. Era ali, nas mãos de minha avó, que estavam os segredos coloniais de nossa culinária, guardados na mente e lembranças, passados de mãe para filha, ao longo de gerações.
          Latões de leite, o coalho, a massa, o sal, o pano, as fôrmas de madeira, as cuias de cuité e o queijo sendo formado, enquanto pela tábua inclinada, o pingo descia. Pingo a pingo, formando o coalho para ser usado no dia seguinte. Era a perpetuação do sustento da família, o queijo de leite cru.
          Pingos de um doce momento de minha vida que ficaram para a eternidade.
          Essa criança foi feliz. Hoje, a felicidade ficou na lembrança.
          Quando cresci, voltei ao lugar que tanto fui feliz. A vida se foi, a alegria se foi. O povo se foi.
          Da comunidade, cheia de gente e de vida, nada existe mais. Da casa de minha avó e minha mãe, nada restou, o tempo levou. Eles se foram. Uns para a morada de Deus, outros, para a cidade grande, em busca de melhores condições de vida.
          Onde passava a alegria das famílias, passa boi.
          Pelos caminhos que íamos visitar os parentes, passa boi.
          Nos campos dourados de arrozais e imensos cafezais. Hoje tem capim pra boi.
          Do curral onde bebíamos leite cedinho, nada restou. As árvores do pomar, morreram. O riacho secou. A vida se foi.
          O homem que cuidava de sua família, hoje cuida do boi.
          O homem que plantava sua própria comida, planta comida pra boi. As cercas de bambu que protegiam as casas, não existem mais. Agora a cerca é de arame, para proteger o boi. 
          A vida se foi, ficou o boi. Eles se sentem os donos do lugar. São os donos hoje. (na foto acima, onde era um cafezal, hoje tem bois e vacas da raça guzerá, em Bom Despacho)
          Fui embora, deixei lá minhas emoções, alegrias, sonhos, brincadeiras. Ficou lá o boi.
          Ser mineiro é se emocionar com o tempo que se foi.
          Agora é hora de levantar da calçada, entrar para casa. Abrir o cadeado do portão, destrancar as portas e janelas com chaves, voltar para o mundo moderno.
          A rua fica fazia, as praças ficam vazias. As casas parecem túmulos, todas lacradas, muros altos, chaves e cadeados. Mas é a vida que vivemos hoje. (na foto abaixo, há mais 20 anos,  última visita que fizemos ao meu avô)
          Hora de voltar para o vazio da solidão da vida moderna.
          Não tem mais visitas, não tem mais famílias passando o dia na casa das outras, não tem mais compadre e nem comadre e nem as crianças pedindo bênçãos aos pais, avós, tios e padrinhos.
          Hoje tem a tecnologia, as conversas em família e entre amigos, estão na palma das mãos, pelo celular. Não tem mais abraços, afetos, contato, almoços de domingo, brincadeiras no quintal.
          O tempo passou, só me resta me conformar com a solidão, com a saudade, com a eternidade de momentos tão lindos, que nossos filhos hoje nunca viverão.
          Hoje tenho tudo na ponta dos dedos, só apertar botões, teclar, tudo rápido e fácil, mas os doces momentos de uma vida que tive, as lembranças das visitas em família, dos almoços de domingo, do café aquecido na chapa do fogão a lenha, do pão de queijo, das broas, dos biscoitos de polvilho frito, da carne na lata, do prato esmaltado, da brevidade, do queijo, isso, tecnologia nenhuma me dará.
          Posso mandar um abraço online para amigos, mas nunca será como dar um abraço real e caloroso em amigos e parentes, comadres e compadres.
          Posso te dar um oi, um olá, mas nunca sentirá a alegria de pegar na mão de seu pai, mãe, avó, avô, padrinho ou madrinha e pedir bênção e ouvir “Deus te abençoe meu filho”.

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