Estranho é que o galinheiro do casal era cheio de galinhas coloridas. Não eram da cor normal de galinha de roça, mas cor de rosa, azul, verde, amarelo e roxo. Eles afirmavam serem de uma raça diferente, porém dos ovos que vendiam, não nasciam pintinhos da cor das mães...
A raposa devastava o galinheiro de todo mundo, menos o deles, pois Zeizefo sabia rezas para espantar bichos predadores.
Minha família morava ali perto. O sonho meu e dos irmãos era aprender tocar sanfona.
Um dia, Zeizefo apareceu tristonho lá em casa com a sanfoninha no lombo, foi logo dizendo:
— O cumpadi Vicente num qué comprá a sanfoninha prus minino, não?
— Uai cumpade Izé, prá quê tá quereno vendê? Um trem qui ocê tem tanta istima, isturdia memo ocê falô qui essa sanfona é um fio que ocêis num teve.
— Na minha vontade ieu nunca qui mi separava dela não, mais a Liduína incasquetô cá ideia de querê ponhá dentadura na parte de riba da boca e só o dinhêro das galinha dela, num vai dá pá pagá o home qui faiz. Ieu vô tê qui ajudá.
— Mais a cumadi tá certa, ficá sem dente deve de sê ruim memo.
— Cá pra nóis, cumpadi, ieu acho bobage. Se Deus Nossu Sinhô queresse a gente de dente a vida intêra, num fazia ês duê e nem dirrubava ês, né memo? Prá mim, dente só faiz farta na hora de chupá cana ô cumê guaiaba.
— Vortano no assunto da sanfoninha... Quanté qui o cumpadi tá pidino?
— Uai sô... Quanté qui ocê dá nela?
— Uai, ocê cunhece o ditado, né? O dono do boi é quem pega no chifre.
— Tava pensano im pidi um leitãozin da quês lá do seu chiquêro...
— Oia cumpadi, pá sê franco cocê, num vale isso não. Ela já tá meia dirrubadinha...
— Só pru fora... Cumpá Vicente... Só pru fora. Mode quê ela inda toca munta moda boa. As du Tunico e Tinoco ela inté sabi de có.
— No leitãozin num posso não. O trem anda custuso, será qui serve umas cinco galinha gorda? Nóis inté tinha munta penosa, mais um bicho cumedô de galinha deu uma roçada nu galinhêro.
— Negoço feito! A oito baxo é sua!
Zeizefo dobrou o morro com as cinco galinhas nas costas enquanto meu pai chamava a mim e ao Roberto, meu irmão, pulamos de alegria quando vimos a sanfona. Era um sonho realizado!
A raposa devastava o galinheiro de todo mundo, menos o deles, pois Zeizefo sabia rezas para espantar bichos predadores.
Minha família morava ali perto. O sonho meu e dos irmãos era aprender tocar sanfona.
Um dia, Zeizefo apareceu tristonho lá em casa com a sanfoninha no lombo, foi logo dizendo:
— O cumpadi Vicente num qué comprá a sanfoninha prus minino, não?
— Uai cumpade Izé, prá quê tá quereno vendê? Um trem qui ocê tem tanta istima, isturdia memo ocê falô qui essa sanfona é um fio que ocêis num teve.
— Na minha vontade ieu nunca qui mi separava dela não, mais a Liduína incasquetô cá ideia de querê ponhá dentadura na parte de riba da boca e só o dinhêro das galinha dela, num vai dá pá pagá o home qui faiz. Ieu vô tê qui ajudá.
— Mais a cumadi tá certa, ficá sem dente deve de sê ruim memo.
— Cá pra nóis, cumpadi, ieu acho bobage. Se Deus Nossu Sinhô queresse a gente de dente a vida intêra, num fazia ês duê e nem dirrubava ês, né memo? Prá mim, dente só faiz farta na hora de chupá cana ô cumê guaiaba.
— Vortano no assunto da sanfoninha... Quanté qui o cumpadi tá pidino?
— Uai sô... Quanté qui ocê dá nela?
— Uai, ocê cunhece o ditado, né? O dono do boi é quem pega no chifre.
— Tava pensano im pidi um leitãozin da quês lá do seu chiquêro...
— Oia cumpadi, pá sê franco cocê, num vale isso não. Ela já tá meia dirrubadinha...
— Só pru fora... Cumpá Vicente... Só pru fora. Mode quê ela inda toca munta moda boa. As du Tunico e Tinoco ela inté sabi de có.
— No leitãozin num posso não. O trem anda custuso, será qui serve umas cinco galinha gorda? Nóis inté tinha munta penosa, mais um bicho cumedô de galinha deu uma roçada nu galinhêro.
— Negoço feito! A oito baxo é sua!
Zeizefo dobrou o morro com as cinco galinhas nas costas enquanto meu pai chamava a mim e ao Roberto, meu irmão, pulamos de alegria quando vimos a sanfona. Era um sonho realizado!
Dali em diante nós cantávamos todo dia, até ficarmos roucos. Já nos imaginando a cantar “na rádio”. Era uma desafinação de dar dó, mas estavámos felizes demais. Para os tios não tinha nada melhor que me ouvir cantar “Cafezal em flor,”/ Cascatinha e Inhana, “Moreninha linda” / Tunico e Tinoco. Arrancávamos lágrimas dos avôs ao cantarmos “Ipê florido”, "A Sementinha" / Liu e Léu
Há um ditado que diz que alegria de pobre dura pouco. Num domingo ensolarado de agosto, o capim estalava de tão seco. Os vizinhos haviam ido à nossa casa para ouvir a cantoria.
Por volta do meio dia, eu tive a infeliz ideia de mandar o Roberto até a cozinha buscar fogo. Já que o fogão a lenha estava aceso.
— Beto, vai lá dento e pega um tição. Bamu quemá o pasto! Ieu vi o pai falano antionte com o vô Joãozim qui tava quereno quemá o pastim, pá modi brotá capim novo pás vaca.
Roberto foi correndo cumprir a ordem da irmã mais velha.
Meu avô dizia um ditado que eu não me esqueço. “Fogo morro arriba, água morro abaixo e muié quando qué namorá, nada cerca”. Então, o fogo se alastrou pelo pasto e o vento ajudou a esparramar mais ainda.
Foi um Deus nos acuda! Quando o povo viu a fumaça, o fogaréu já dobrava a encosta. Latas de água, galhos de ramo verde, vassouras para tentar conter o incêndio que consumia todo o pasto.
Alguns tiravam o gado para não morrer queimado, outros batiam com os ramos no capim, alguns capinavam tentando fazer aceiros para evitar que pulasse fogo para as outras propriedades.
Inocentes, eu e o meu irmão assistíamos tudo aquilo nos divertindo demais e ainda gritávamos, incentivando o povo!
— Vai Ti João, corre, tira os bezerros!
— Corre Zé Mário, acode o cavalo!
— Vai tia Maria, leva mais uma lata d’água!
Estava todo mundo estropiado, o pasto queimado e o gado chamuscado quando o fogo foi contido. Ao sair, vovô Joãozinho com sua eterna paciência, ainda recomendou ao genro:
— Oia lá, cumpadi Vicente, num bati nos meu neto, não, heim! Ês num sabi o que faiz... Minino piqueno é assim memo...
Quem disse que o pai não bateu? Foi a maior sova que nós dois tomamos na nossa vida! Foi a conta do povo dobrar na estrada, que meu pai tirou a correia e tundou nós dois até fazer vergão.
Infelizmente, a sova, a tunda, não foram o pior, criança de roça daquele tempo tinha o couro curtido. O mais triste foi que meu pai pegou a sanfoninha oito baixos, botou nas costas e foi lá no Zeizefo, dizendo que ia buscar as galinhas de volta.
Choramos muito aos virmos nosso pai dobrar o morro. Não era a dor de ter apanhado, era a tristeza de no fundo do coração de perder o tão amado instrumento musical.
Esse fato ficou gravado para sempre em nós. A tenra idade não nos permitiu entender o motivo pelo qual, nosso pai estava nos tirando a sanfona. Só sei que junto com ela, foram-se nossos dias de cantoria. Nunca mais se ouviu meu irmão sanfoneiro e eu, a cantarmos Cafezal em flor.
— Cumpadi Zeizefo, ieu vim devorvê a sanfona.
— Mais pra quê, cumpadi? Os minino tava tão filiz cum ela.
— Mais os fedazunha botaro fogo no pasto e ieu vô castigá os dois.
— Mas as galinha qui o cumpadi breganhô cumigo a Liduína já vendeu na cidade.
— Serve das otras, a Tereza inté pidiu pá vê se a cumade troca naqués galinha de raça, ela qué uma cor de rosa e duas verdinha. Só ocêis qui tem essa raça de galinha.
A comadre Liduína não estava em casa e sem alternativa, querendo a sanfona de volta, Zeizefo foi lá ao terreiro e pegou três frangas coloridas da esposa.
Poucos dias depois choveu muito naquelas bandas. Meus pais ficaram boquiabertos quando gritamos avisando:
— Paiêeeeeeeeee! Mãêeeeeeeeeeee... As galinha colorida da cumadi Liduína tão perdeno as cor e ficano igualim as franga qui a raposa pego mêis passado pá cumê.
Há um ditado que diz que alegria de pobre dura pouco. Num domingo ensolarado de agosto, o capim estalava de tão seco. Os vizinhos haviam ido à nossa casa para ouvir a cantoria.
Por volta do meio dia, eu tive a infeliz ideia de mandar o Roberto até a cozinha buscar fogo. Já que o fogão a lenha estava aceso.
— Beto, vai lá dento e pega um tição. Bamu quemá o pasto! Ieu vi o pai falano antionte com o vô Joãozim qui tava quereno quemá o pastim, pá modi brotá capim novo pás vaca.
Roberto foi correndo cumprir a ordem da irmã mais velha.
Meu avô dizia um ditado que eu não me esqueço. “Fogo morro arriba, água morro abaixo e muié quando qué namorá, nada cerca”. Então, o fogo se alastrou pelo pasto e o vento ajudou a esparramar mais ainda.
Foi um Deus nos acuda! Quando o povo viu a fumaça, o fogaréu já dobrava a encosta. Latas de água, galhos de ramo verde, vassouras para tentar conter o incêndio que consumia todo o pasto.
Alguns tiravam o gado para não morrer queimado, outros batiam com os ramos no capim, alguns capinavam tentando fazer aceiros para evitar que pulasse fogo para as outras propriedades.
Inocentes, eu e o meu irmão assistíamos tudo aquilo nos divertindo demais e ainda gritávamos, incentivando o povo!
— Vai Ti João, corre, tira os bezerros!
— Corre Zé Mário, acode o cavalo!
— Vai tia Maria, leva mais uma lata d’água!
Estava todo mundo estropiado, o pasto queimado e o gado chamuscado quando o fogo foi contido. Ao sair, vovô Joãozinho com sua eterna paciência, ainda recomendou ao genro:
— Oia lá, cumpadi Vicente, num bati nos meu neto, não, heim! Ês num sabi o que faiz... Minino piqueno é assim memo...
Quem disse que o pai não bateu? Foi a maior sova que nós dois tomamos na nossa vida! Foi a conta do povo dobrar na estrada, que meu pai tirou a correia e tundou nós dois até fazer vergão.
Infelizmente, a sova, a tunda, não foram o pior, criança de roça daquele tempo tinha o couro curtido. O mais triste foi que meu pai pegou a sanfoninha oito baixos, botou nas costas e foi lá no Zeizefo, dizendo que ia buscar as galinhas de volta.
Choramos muito aos virmos nosso pai dobrar o morro. Não era a dor de ter apanhado, era a tristeza de no fundo do coração de perder o tão amado instrumento musical.
Esse fato ficou gravado para sempre em nós. A tenra idade não nos permitiu entender o motivo pelo qual, nosso pai estava nos tirando a sanfona. Só sei que junto com ela, foram-se nossos dias de cantoria. Nunca mais se ouviu meu irmão sanfoneiro e eu, a cantarmos Cafezal em flor.
— Cumpadi Zeizefo, ieu vim devorvê a sanfona.
— Mais pra quê, cumpadi? Os minino tava tão filiz cum ela.
— Mais os fedazunha botaro fogo no pasto e ieu vô castigá os dois.
— Mas as galinha qui o cumpadi breganhô cumigo a Liduína já vendeu na cidade.
— Serve das otras, a Tereza inté pidiu pá vê se a cumade troca naqués galinha de raça, ela qué uma cor de rosa e duas verdinha. Só ocêis qui tem essa raça de galinha.
A comadre Liduína não estava em casa e sem alternativa, querendo a sanfona de volta, Zeizefo foi lá ao terreiro e pegou três frangas coloridas da esposa.
Poucos dias depois choveu muito naquelas bandas. Meus pais ficaram boquiabertos quando gritamos avisando:
— Paiêeeeeeeeee! Mãêeeeeeeeeeee... As galinha colorida da cumadi Liduína tão perdeno as cor e ficano igualim as franga qui a raposa pego mêis passado pá cumê.
* Maria Mineira é professora e escritora em São Roque de Minas. A história acima fará parte de seu próximo livro. (imagens ilustrativas de Arnaldo Silva)
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